Educação dos povos indígenas de Roraima também pede atenção
Novo Fundeb não considera custo na educação pública de crianças e adolescentes das 587 comunidades indígenas do estado
Brasília|Marcos Jorge de Lima
Nos últimos dias, temos acompanhado o noticiário que vem descortinando diversos problemas vividos pelo povo yanomami. Entretanto, ficou à margem da discussão a necessidade de fortalecimento da educação indígena.
Em 5 de agosto de 2020, artigo de minha autoria publicado em O Globo chamou atenção para o fato de que cerca de 23 mil estudantes indígenas de Roraima não seriam contemplados com recursos da União por meio do Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb), caso o Senado votasse a nova versão do texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/2015, aprovada na Câmara dos Deputados. Pois bem, a PEC 15 foi aprovada e convertida na Emenda Constitucional de nº 108/2020.
Com isso, o Fundeb se tornou permanente, e a participação da União no financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio foi elevada. Entre os principais pontos, está o aumento para 70% do gasto mínimo do fundo para pagamento de salários, o que beneficia os profissionais da educação básica. Além disso, gestores ficam obrigados a destinar pelo menos 15% dos recursos para investimentos nas escolas.
A elevação na complementação da União é feita de forma escalonada. Começou com 12% no primeiro ano (2021) e chegará a 23% no sexto ano (2026). Com esse aumento, sobe de 10 para 23 o número de estados beneficiados com mais recursos para a melhoria de suas redes públicas de ensino.
Quatro unidades da Federação ficaram de fora do auxílio da União: Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul e Roraima. O critério utilizado para essa escolha foi o coeficiente de distribuição. Porém, é um equívoco igualar o menor estado do Brasil, em termos econômicos, a grandes unidades da Federação, que, em tese, dispõem de condições mais favoráveis para conseguir financiar sozinhas suas redes públicas de ensino.
Essa discrepância só ocorre por conta do indicador utilizado para verificar se um estado vai precisar ou não de complementação financeira por parte da União, o chamado Valor Anual por Aluno, que, de forma sucinta, nada mais é do que a razão entre as receitas do Fundeb no estado (somatório das contribuições das receitas estaduais e municipais) e o total de alunos matriculados na rede pública de ensino.
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Nessa lógica, Roraima apresenta um dos maiores índices, mesmo registrando, em termos absolutos, a menor receita do Fundeb entre as unidades da Federação. Isso acontece porque o estado possui uma quantidade relativamente pequena de alunos matriculados.
Apesar de normalmente ser aceita a suposição de que uma quantidade menor de alunos requer um volume menor de recursos, é preciso verificar as especificidades desses alunos. No caso de Roraima, para atender à demanda por educação de 25.738 alunos situados em terras indígenas, são necessários 2.258 professores e 393 escolas. Os alunos indígenas representam 16% da rede, e os professores que os atendem, 29%. Em termos comparativos, os demais alunos das redes estadual e municipais contam com 425 escolas.
Roraima tem a segunda maior quantidade de comunidades indígenas do Brasil — segundo o IBGE, são 587. Devido às características locais, há uma ineficiência de escala em relação à educação indígena. Enquanto uma escola não indígena abriga, em média, 312 alunos e necessita de um professor para cada 24 alunos, uma escola indígena abriga 65 alunos e necessita de um professor para cada 11 alunos. Dados do Censo da Educação Básica do Ministério da Educação apontam uma média nacional de 20 alunos por professor.
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Logo, mesmo apresentando um quantitativo menor de matrículas, a educação indígena requer, proporcionalmente, um gasto maior por aluno, contratação de professores e manutenção de escolas, já que muitas delas se encontram em locais de difícil acesso. Em 2022, a Secretaria de Educação do Estado contratou, por meio de concurso público, cerca de 1.200 novos professores indígenas.
Os desafios são diversos para atender um total de 12 etnias com línguas, hábitos, usos e costumes dos mais diferentes matizes culturais. São elas: Makuxi, Wapichana, Yanomami, Ninam, Yekuana, Ingarikó, Taurepang, Patamona, Waiwai, Sanuma, Makiritare e Mayongong. Há escolas que fazem uso de até três idiomas para ministrar aulas de língua materna.
A TI Yanomami conta com 33 escolas indígenas. Destas, nove pertencem à comunidade Tatoopi e estão localizadas, geograficamente, no Amazonas, muito embora sejam mantidas pelo estado de Roraima.
Não há dúvida de que a aprovação do novo Fundeb trará grande avanço para a educação brasileira. Contudo, reitero, é necessário que a União assuma compromisso com as comunidades indígenas de Roraima, se realmente quer uma educação de qualidade e inclusiva para todos os brasileiros, quer seja federalizando a educação indígena — como já o faz com a saúde —, quer seja destinando a devida contrapartida de recursos federais.
Marcos Jorge de Lima
Deputado Estadual por Roraima (Republicanos). Ex-Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Defensor da educação pública.