Entrevista: Renan teme omissão na análise de pedidos de impeachment
Receio do senador é que Arthur Lira ignore eventual pedido contra Bolsonaro proposto com base em relatório final da CPI
Brasília|Isabella Macedo e Sarah Teófilo, do R7, em Brasília
O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL), já informou que deve incluir no relatório final da comissão, que apura ações e omissões do governo federal no âmbito da pandemia, uma proposta para alterar a Lei do Impeachment. A ideia é inserir a previsão de que os presidentes da Câmara e do Senado, hoje Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tenham prazo para analisar pedidos de impeachment oriundos de relatórios de CPIs. O receio do relator, segundo entrevista dada ao R7, é que os presidentes ignorem eventuais pedidos de impedimento gerados pelo relatório da CPI da Covid.
Apesar de Renan evitar falar nos indiciamentos que devem estar previstos no relatório, o documento deve seguir o que foi levado pelo grupo técnico coordenado pelo jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça. No parecer da equipe de juristas, foi apontado que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), cometeu crime de responsabilidade no âmbito da pandemia, e o crime de responsabilidade pode gerar pedido de impeachment contra o presidente.
O relatório final da CPI não propõe processo de impedimento contra agentes públicos, mas deve servir de embasamento para que pessoas e entidades façam seus pedidos. Apesar de não o dizerem expressamente, o receio real dos integrantes da CPI que são de oposição ou independentes do governo é que, apesar do avanço das investigações da comissão, o presidente da Câmara ignore pedidos de impeachment propostos com base no relatório da CPI.
Se isso não ocorrer (definição de prazo para análise de pedido de impeachment)%2C você acaba conferindo superpoderes tanto ao presidente da Câmara quanto ao presidente do Senado%2C e tudo aquilo que se investigou em função de Comissão Parlamentar de Inquérito pode ser abandonado por uma decisão individual.
Segundo Renan, a modificação fundamental que precisa ser feita na Lei do Impeachment é em relação ao despacho. O senador disse que, quando foi presidente do Senado, arquivou alguns pedidos de impeachment. "Mas eu decidi. O que se quer em relação ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, é exatamente a mesma coisa: é que ele despache. Se ele for a favor, ele despachará favoravelmente. Se ele for contrário, ele despachará contrariamente. E do voto do despacho favorável ou contrário caberá recurso para o plenário da Câmara. Mas o governo, na medida em que sai uma pesquisa em que ele se desgasta ainda mais, eles quase que se desesperam. É um governo de absoluta improvisação, haja vista essa decisão recente que suspende a vacinação de adolescentes sem comorbidade”, ressaltou.
O senador se refere à pesquisa do Idep que apontou que 68% dos entrevistados desaprovam a maneira como o presidente está governando o Brasil. Sobre qual deve ser o prazo proposto para que os presidentes da Câmara e do Senado analisem eventuais pedidos de impeachment, Calheiros afirmou que existem várias propostas mas ainda não se chegou a uma definição. Ele ressaltou que o encaminhamento não é só para o presidente da Câmara, mas também para o presidente do Senado, a quem cabe apreciar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Procurador-Geral da República (PGR).
“A CPI não manda o relatório para o presidente da Câmara. A CPI conclui os seus trabalhos, e é provável, porque é isso que tem acontecido ao longo da história do Brasil, que alguma entidade ou pessoa subscreva tudo aquilo que efetivamente foi aprovado pela CPI, e poderá mandar para a Câmara se houver crime de responsabilidade, se essa for a conclusão. E isso vai se juntar aos pedidos de impeachment que já estão na Câmara”, explicou Calheiros.
Havia previsão de entrega do relatório na semana passada, mas mais elementos surgiram e os senadores avaliaram que os trabalhos precisariam continuar por mais ao menos duas semanas. Agora, Calheiros fala em previsão de encerramento da comissão até a segunda quinzena de outubro. A CPI pode funcionar até 5 de novembro. O senador afirma que ainda está trabalhando o desenho definitivo do parecer final, e que ele deve ser entregue um dia depois do último depoimento na comissão.
Confira mais alguns trechos da entrevista concedida ao R7:
Haverá o indiciamento do presidente da República por prevaricação e crime de responsabilidade?
Nós antecipamos o debate com segmentos jurídicos, com qualidade, recebemos propostas de encaminhamento de pareceres. O primeiro e muito importante é do grupo liderado pelo professor Miguel Reale Júnior. Depois falamos com o Grupo Prerrogativas, depois com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e estamos trabalhando no desenho definitivo do relatório, mas só podemos apresentá-lo depois do último depoimento. Mas nós vamos ter, sim, o indiciamento de agentes públicos e privados em crime de responsabilidade, crime comum e até em crime contra a humanidade.
O senhor já definiu o prazo a ser proposto para que o presidente da Câmara decida sobre um eventual pedido de impeachment gerado com base em um relatório de CPI?
Nós temos várias propostas e ainda não definimos o encaminhamento mais simplificado, mais objetivo, que não é só para o presidente da Câmara; é também para o presidente do Senado. Porque da mesma forma que a Câmara aprecia impeachment do presidente da República e vice, o Senado aprecia impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do procurador-geral da República. Então, nós vamos sugerir um encaminhamento. Talvez seja sugerido na própria atualização da Lei do Impeachment.
Essa proposta de que o presidente da Câmara defina sobre impeachment em prazo determinado é também uma maneira de não deixar o Legislativo refém dessas emendas de relator, por exemplo?
Acho que a Lei do Impeachment já foi revogada em muitos aspectos pela própria Constituição Federal de 88. Então, precisamos atualizá-las. E ao atualizar a Lei do Impeachment, nós não temos como não colocar o seu recebimento, quer seja pelo Senado ou pela Câmara dos Deputados. Porque se isso não ocorrer, você acaba conferindo superpoderes tanto ao presidente da Câmara quanto ao presidente do Senado, e tudo aquilo que se investigou em função de Comissão Parlamentar de Inquérito pode ser abandonado por uma decisão individual. Nem pela decisão, mas pela omissão do presidente do Senado ou pelo presidente da Câmara. Essa é, sem dúvida nenhuma, uma oportunidade para que a gente possa refazer tudo isso.
Ou seja, um receio de que sentem em cima de um eventual pedido de impeachment elaborado com base no relatório da CPI, né?
Exatamente. Que é o mesmo que pode acontecer a rigor com o procurador-geral da República. Porque você pode fazer uma profunda investigação, como estamos fazendo, ter acesso a um acervo inacreditável de provas, de informações, mandar tudo isso para a PGR, que tem prazo de 30 dias para decidir se vai processar ou se não vai processar, e você não tem uma decisão compatível com tudo aquilo que foi investigado. Quando isso acontece, acontece uma coisa muito ruim na prática, do ponto de vista da democracia, da representação. Significa dizer que um trabalho coletivo pode ser inviabilizado por uma única pessoa.
Existe um receio de que esse alinhamento do Procurador-Geral da República ao governo atrapalhe?
Não existe um receio, porque nós acreditamos que ele vai enfrentar um processo de evolução muito grande, e nós apostamos nisso. Como estamos fazendo uma investigação criteriosa, com isenção, independência, fiscalizando e investigando seja em qual direção for, nós acreditamos que esse trabalho será, sim, levado em consideração.
Quando a CPI teve início, o senhor imaginava quanto tempo teria a investigação?
Nós não imaginávamos, mas logo deparamos com um processo malcheiroso de corrupção e de bandalheira. O governo se recusou a comprar vacina, quando houve a pressão para comprar vacina ele recusou as ofertas da Pfizer, do Butantan, da OMS (Organização Mundial da Saúde). Como disse o Butantan, o Brasil poderia ter sido um dos primeiros países do mundo a vacinar, e lamentavelmente isso não aconteceu, porque o governo queria de qualquer forma, e o presidente ainda quer, fazer o tratamento precoce, usar cloroquina, fazer propaganda absolutamente enganosa. Tentaram fazer experiência com humanos. Enfim, cometeram muitos erros e ainda continuam a cometer. Então, nós não esperamos. Quando chegou o advento da Covaxin, que foi um assunto que desde a primeira reunião da CPI foi levado à consideração da sociedade, aí nós verificamos uma coisa escandalosa. Mas nunca imaginávamos que a Precisa, que era a atravessadora que tinha sido escolhida pelo presidente, pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, teria falsificado até documentos da Bharat Biotech. Mas essas coisas logo vieram ao conhecimento da população. Então, foi exatamente esse caso da Covaxin que injetou a corrupção no negacionismo do governo brasileiro, e aí a CPI teve que caminhar.
Conforme se apurou na CPI, o incentivo a medicamentos sem eficácia e à imunidade de rebanho natural por parte de agentes do governo era ideológico ou havia interesse escusos?
Havia um somatório de objetivos ideológicos e muitas pessoas que tentaram atravessar o processo ideológico para ganhar dinheiro. Nós tivemos um avanço na promoção desses remédios ineficazes, e uma consequente venda para a população. O governo aumentou a produção, o presidente chegou a ligar para o primeiro-ministro da Índia pedindo para mandar ao Brasil os [princípios] ativos que seriam usados na produção desses remédios ineficazes, mandou que se aumentasse a produção no Exército brasileiro. Uma utilização absurda em função de uma coisa que a ciência logo depois desmoralizou com relação à ineficácia e ao que poderia significar no agravamento da saúde das pessoas.
Quando foi que os senhores viram que precisavam aprofundar-se na história da Covaxin?Quando nós verificamos que o governo sistematicamente recusava as ofertas da Pfizer, Butantan e OMS, e surpreendentemente o presidente (Bolsonaro) liga paro o primeiro-ministro da Índia para comprar uma vacina que não havia sido aprovada pela Anvisa nem havia sido aprovada pela agência sanitária da própria Índia. Quando nós deparamos com isso, verificamos que era algo que precisava ser rapidamente investigado.
O senhor acha que a CPI foi importante para fazer o governo agilizar algumas ações na pandemia?
Acho que sim. Ela impactou diretamente na agilização do calendário (de vacinação). Nós tentamos impactar também com relação à aquisição de mais vacinas, mas o governo contrariou essa orientação. A comissão fez com que o Brasil retornasse à racionalidade, que o governo deixasse de priorizar o tratamento precoce, o uso de remédio ineficazes. O presidente não tira isso da sua cabeça. Mas nós tiramos isso do debate e estamos fazendo uma profunda investigação e dando respostas à sociedade. Esse é, sem dúvida, um legado da CPI.