Especialistas criticam falta de igualdade de gênero no Itamaraty
Presidente fez quatro indicações para Embaixadas do Brasil no exterior, sendo uma mulher e três homens
Brasília|Plínio Aguiar e Hellen Leite, do R7, em Brasília
Especialistas ouvidos pelo R7 criticam a falta de igualdade de gênero dentro do Ministério das Relações Exteriores, diante da indicação de uma mulher e quatro homens para Embaixadas do Brasil em países de diversos continentes. As indicações se distanciam do discurso adotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em defesa das mulheres em posições de chefia.
Até o momento, Lula e o ministro Mauro Vieira (Itamaraty) fizeram indicações de nomes para quatro embaixadas. São eles: Maria Luiza Ribeiro Viotti, nos Estados Unidos; Julio Glinternick Bitelli, na Argentina; Ricardo Neiva Tavares, na França; e Gabriel Boff Moreira, na Eslovaca.
O governo do petista indicou ainda Sérgio França Danese como representante permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York (EUA). Desde 2019, o posto era ocupado pelo diplomata Ronaldo Costa Filho, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
As indicações para os postos do Brasil no exterior são de competência do Executivo, mas precisam ser validadas em sabatinas nas comissões do Senado. Depois, devem ser aprovadas tanto nos colegiados quanto em plenário. Não há data prevista para a análise que será feita pelos senadores.
A professora de direito internacional na Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso critica a falta de igualdade de gênero no Itamaraty. "A gente vê como a prática não corresponde ao discurso. Muitas vezes há uma justificativa do governo de não ter cargos, que não tem mulheres com as mesmas qualidades, especificações, enfim, que os homens", diz.
"E esse argumento não é valido, é de retórica, que não se reflete na prática. Nós temos até mesmo número maior de mulheres preparadas para seguir a representação do Brasil no exterior", acrescenta a professora da USP.
No Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha ocupa o cargo de secretária-geral — é a primeira mulher a exercer a função. Ela ingressou na carreira em 1977 e passou por Itália e Rússia — na época, ainda União Soviética —, além de ter integrado o governo do petista, como chefe de gabinete do ministro das Relações Exteriores.
"O consultor jurídico é o número 2 do Itamaraty, na prática. Na história do Itamaraty, nós tivemos alguma mulher como consultora jurídica? Nenhuma. Nunca. É uma retórica que não encontra respaldo na prática", explica Maristela Basso.
Para Irene Vida Gala, ex-embaixadora do Brasil em Gana e presidente da Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras (AMDB), falta compromisso do Itamaraty com uma política destinada à paridade de gênero.
"O que temos até agora não confere com o discurso do ministro no dia da sua posse, em que ele mostrava disposição de fazer um movimento mais efetivo no sentido da representatividade feminina. Por ora, estamos apenas em um patamar de manutenção do status quo", afirma a ex-embaixadora.
Mesmo no segundo escalão do Itamaraty, a expectativa foi frustrada. Do total de dez secretarias, foram nomeadas apenas três mulheres. Ainda assim, há esperança de que as mulheres estejam presentes em ao menos 40% dos indicados às diretorias do MRE. Em um cenário mais otimista, as diplomatas querem alcançar a paridade no ministério, a exemplo da Polícia Federal e da Receita Federal em suas recentes nomeações.
Ainda na transição do governo, havia pressão para a escolha de uma chanceler no posto mais alto do Ministério das Relações Exteriores. O cargo acabou ocupado por Mauro Vieira, que é um dos diplomatas mais próximos do ex-ministro Celso Amorim, conselheiro de Lula para assuntos internacionais.
Quem acompanha as pautas sobre a igualdade de gênero no Itamaraty costuma afirmar que foi justamente na gestão de Amorim à frente do Itamaraty, entre 2003 e 2010, que houve um esforço informal para promover as mulheres na carreira. No entanto, por não ser parte de uma norma, após esse período, houve retrocesso nos anos posteriores.
"A frustração ocorre sobretudo porque havia duas candidatas igualmente capazes para o posto e, em três candidatos, sendo duas mulheres, optou-se exatamente pelo homem. Frustrante", complementa Irene Gala.
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A professora de direito internacional da USP alerta ainda para os profissionais brasileiros indicados para atuação nos Estados Unidos — é o caso de Maria Luiza Ribeiro Viotti (embaixada) e Sérgio França Danese (ONU).
"Se eles não tiverem convergência, tem que criar, porque são dois cargos gêmeos. Quem está nos Estados Unidos e quem está na ONU têm que falar numa única voz. Se não há essa sintonia intelectual ou de perspectiva sobre o Brasil no plano das relações internacionais e o papel do Brasil na ONU, ela vai ter que ser criada, senão vamos ter problemas."
Embaixadores no Brasil
Lula recebeu, na última sexta-feira (3), as credenciais de nove novos embaixadores no Brasil. A recepção foi realizada no Palácio do Planalto, e o petista esteve com os representantes oficiais de Estados Unidos, China, Reino Unido, Zimbábue, Síria, El Salvador, República Tcheca, Turquia e Filipinas.
Tradicionalmente, um embaixador assume de fato o posto após a entrada dos documentos enviados pelo presidente de seu país ao Estado onde atuará. A apresentação das cartas é uma formalidade, que dá o poder da prerrogativa diplomática no Brasil. Caso a credencial não seja recebida, o indicado não pode representar sua nação.
Postos no exterior
Em 2007, Lula atribuiu novas qualificações para os postos do país no exterior. Dessa forma, foi acrescentada mais uma categoria, sendo ao todo A, B, C e D. As letras se relacionam às condições de vida e riscos para os diplomatas e suas famílias — a primeira é a melhor e a última, a pior.
Enquanto Washington (Estados Unidos) e Roma (Itália) são A, Oslo (Noruega) e Tóquio (Japão) são B, Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) e Bancoc (Tailândia) são C e Nairóbi (Quênia) e Porto Príncipe (Haiti), D.