Especialistas dizem que classificar Lula como 'persona non grata' revela gravidade de crise com Israel
Técnicos entendem que medida israelense pode ser lida como uma 'reprimenda' para eventuais manifestações de líderes globais
Brasília|Do R7, em Brasília
Especialistas consultados pelo R7 apontam que o gesto de classificar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "persona non grata" , como fez Israel em reação à declaração do petista comparando ações israelenses ao extermínio de judeus, mostra a gravidade da crise entre os dois países e representa uma reprimenda para eventuais manifestações de líderes mundiais. Técnicos do assunto avaliam que a tensão não deve se estender aos acordos comerciais e econômicos por enquanto.
"A declaração de Lula é absolutamente equivocada nos planos histórico, diplomático e político. Não há equiparação possível ao Holocausto, que foi organizado por um Estado contra uma determinada população. Foi um massacre. Não há precedentes na história", avalia o diplomata e diretor de Relações Internacionais do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal Paulo Roberto de Almeida.
Para a cientista política na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Mayra Goulart,, a declaração de Lula "aperta um gatilho" para Israel. "É como se o presidente brasileiro estivesse apertando no ponto que mais machuca, um ponto que atravessa a legitimidade do povo israelense. Então foi uma escolha infeliz nesse sentido porque levanta uma bola que Israel facilmente corta. A gente compreende a reação que isso provoca, uma vez que Israel tem uma posição estratégica no sistema internacional, capaz de mobilizar a defesa de vários países", avalia.
O advogado especialista em direito internacional Bernardo Pablo Sukiennik argumenta que a classificação do brasileiro como "persona non grata", como reação israelense, amplifica a crise gerada pelo petista. "Isso quer dizer que essa pessoa, no caso o Lula, não é mais bem-vinda em Israel. Não há previsão de visita ao Estado, mas com essa nomenclatura estão deixando claro que, enquanto o governo for liderado por Isaac Herzog e Benjamin Netanyahu, ele não é bem-vindo lá".
A professora de relações internacionais e doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) Denilde Holzhacker concorda com a avaliação de que a medida estica a crise. "Gera mais distanciamento entre os países e gera mais turbulência na relação bilateral. Até porque o governo brasileiro deve dar alguma resposta e, dependendo dessa resposta, pode aumentar ainda mais a tensão entre os dois países", diz.
Holzhacker destaca dois pontos de contexto importantes para a discussão. "O Brasil vinha se colocando como possível intermediador na busca de uma solução pacífica para o conflito, e isso se distancia cada vez mais, assim como a capacidade de ser protagonista nas questões de segurança pública global. Do outro, aumenta a desconfiança internacional sobre a posição brasileira, que já vinha de desgaste sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia", afirma.
O diplomata Roberto de Almeida avalia a reação israelense como grave, pois não há precedentes na histórica republicana brasileira deste tipo de movimento, o que demonstra a gravidade da situação. "Após a 'persona non grata', a retaliação pode atingir acordos e tratados de cooperação entre os dois países. Não creio que chegue a muito, até porque perderiam muito comercialmente, mas pode ser que seja feita uma espécie de corretivo ao Brasil. Além de sinalizar aos demais líderes mundiais de que não vão aceitar manifestações com esse tipo de conteúdo", argumenta.
"Não necessariamente envolve romper acordos porque não seria do interesse do governo nem de empresas israelenses que exportam ao Brasil, principalmente na área de segurança, mas mostra um descontentamento para a manutenção, pelo menos temporária, de cooperação", acrescenta Almeida.
Entenda
O ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, informou nesta segunda-feira (19) que o Lula é considerado "persona non grata" no país até que haja uma retratação sobre as declarações feitas pelo chefe de Estado brasileiro. O termo é usado para expressar que uma pessoa, no caso um representante oficial de estado, não é mais bem-vinda. No último domingo (18), o petista comparou as ações de defesa israelense no conflito contra o grupo terrorista Hamas ao nazismo.
"Não perdoaremos e não esqueceremos — em meu nome e em nome dos cidadãos de Israel. Informei ao presidente Lula que ele é uma personalidade indesejável em Israel até que ele peça desculpas e se retrate de suas palavras", disse o ministro israelense em uma postagem nesta segunda-feira (19) nas redes sociais. "A comparação é um grave ataque antissemita que profana a memória daqueles que morreram no Holocausto", concluiu.
A declaração de Lula foi dada durante entrevista coletiva realizada no último domingo (18), depois da participação do presidente na 37ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana, em Adis Abeba, capital da Etiópia. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler decidiu matar os judeus”, afirmou o petista na ocasião.
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Na sequência, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, criticou as declarações do presidente e afirmou que a fala de Lula é vergonhosa e grave e disse que o ministro das Relações Exteriores, Israel Katz, convocaria o embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer, para uma "dura conversa de repreensão".
"Trata-se de banalizar o Holocausto e de tentar prejudicar o povo judeu e o direito de Israel se defender. Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é cruzar uma linha vermelha. Israel luta pela sua defesa e pela garantia do seu futuro até à vitória completa e fará isso ao mesmo tempo, em que defende o direito internacional", declarou nas redes sociais.
A conversa entre o ministro das Relações Exteriores de Israel com o embaixador brasileiro ocorreu no Memorial do Holocausto. Lideranças políticas condenaram a fala de Lula e pediram ao petista que se retrate. Na Câmara dos Deputados, um grupo de parlamentares anunciou que vai protocolar um pedido de impeachment alegando que a fala configura crime de responsabilidade.