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Herdeira de Athos Bulcão é retirada de imóveis por decisão judicial

Candida Xavier, 90 anos, administrava os apartamentos deixados pelo artista; ela foi a única citada no testamento do artista 

Brasília|Karla Beatryz*, do R7, em Brasília

Candida viveu 34 anos ao lado de Athos Bulcão, no Distrito Federal
Candida viveu 34 anos ao lado de Athos Bulcão, no Distrito Federal

A herança deixada pelo artista plástico e professor Athos Bulcão, objeto de um processo judicial que dura cerca de 15 anos, ganhou um novo capítulo no último dia 30. Por decisão da Justiça, Candida Xavier da Costa, companheira de vida e legatária de Athos, como consta no testamento deixado por ele, foi obrigada a deixar o apartamento em que morava, na Asa Sul, em Brasília. A ação parte dos quatro sobrinhos do pintor, que plenteiam a herança do artista desde a sua morte, em 2008.

Candida alega ter vivido 34 anos com Athos em um apartamento na 315 Sul, no Plano Piloto, e que continuou na residência após sua morte, como herdeira. A também pintora, de 90 anos, atualmente está abrigada na casa de uma amiga na Asa Norte.

A amiga, que preferiu não se identificar, contou ao R7 que a ação foi justificada porque o apartamento onde Candida morava não está sob sua propriedade e que apenas o imóvel localizado na 714 Sul está em seu nome. A dificuldade alegada é que o apartamento em seu nome está localizado no segundo pavimento do prédio e ela quer permanecer no imóvel da 315 Sul por ter vivido ali com Athos e pelas melhores condições de moradia, como o elevador que auxilia na qualidade de vida de Candida. Além disso, a mudança para o apartamento na 714 sul é inviável no momento, pois o local passa por reformas por problemas no encanamento.

A amiga explica que a remoção foi inesperada e que a artista não tinha para onde ir. “Ela não tem ninguém, então, eu não a deixei ficar na rua e a trouxe para minha casa. Ela está aqui desde o despejo” conta.


Candida Xavier viveu cerca de 34 anos com Athos Bulcão, na Asa Sul
Candida Xavier viveu cerca de 34 anos com Athos Bulcão, na Asa Sul

Candida Xavier acordou na manhã de quarta-feira (30 de março) com o interfone tocando, com um oficial de Justiça à porta. Ao autorizar a entrada, ela se deparou com seis pessoas, que já estariam de prontidão para realizar o despejo, retirar os pertences da moradora e trocar a fechadura do imóvel.

O momento foi presenciado pela amiga de Candida, que se dirigiu ao local. Ela disse que cerca de 15 pessoas estavam ali, colocando os pertences em caixas e realizando a retirada sem aviso prévio. “A remoção dela foi inesperada. Ela ficou completamente atordoada. Foi algo muito desumano, que não levaram em consideração a idade dela” desabafa.


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Os pertences de Candida foram levados para um storage – local alugado para depósito de objetos – na Asa Sul. Ela ainda não conseguiu recolher peças de roupas nem itens pessoais e está desde o dia do despejo com duas mudas de roupa, que precisou comprar, conta a amiga.

Imbróglio na Justiça

O advogado de Candida, Eduardo Dantas Ramos, que acompanha o processo desde 2008, afirma que Athos se preocupou com a mulher e a considerou companheira e única herdeira de todos os seus pertences. “Ela não era apenas uma governanta, era a companheira dele em vida. Ele a ensinou a pintar e organizou viagens e mostras de artes feitas por ela”, destaca o advogado.


Segundo o defensor, o testamento foi legitimado em 2008, com presença de testemunhas, sem nenhuma inconformidade. Ao iniciar o inventário, logo após a morte do artista, os sobrinhos destribuíram um processo para “declarar a inexistência de união estável”. Após a imissão de posse – para conferir a posse de um imóvel a alguém que ainda não a possui – do apartamento, o advogado tenta impugnar a medida.

O defensor enviou um documento ao Juiz de Direito da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões de Brasília alegando que a herdeira pede “apenas a retenção do imóvel que habita até o pagamento, ou melhor, o reembolso das despesas que teve com a manutenção do espólio”. A companheira de Athos Bulcão custeou todas as despesas dos imóveis deixados por ele, desde a morte, como administradora. Segundo o laudo elaborado pelo contador particular, as despesas arcadas de custo próprio foram de R$ 290.235,11.

No decorrer de 14 anos, ambas as partes já tentaram diversas negociações. Segundo Eduardo Dantas, Candida gostaria de permanecer com o apartamento na 315 Sul, pela localização e características dos imóveis, e em troca passaria o imóvel na 714 Sul, que foi deixado como sua propriedade. Em outro momento, houve uma audiência de conciliação com proposta de acordo, mas os termos não foram aceitos pela artista.

Candida acompanhou Athos durante a internação no hospital Sarah Kubitschek
Candida acompanhou Athos durante a internação no hospital Sarah Kubitschek

Os familiares não têm a intenção de ressarcir o valor que a artista alega ter pago, enquanto administradora, como IPTU, condomínio, taxas extras e reparos na estrutura. Segundo o advogado de Candida, "ressarcir o valor de manutenção é um direito dela", pois como o processo desconsiderou a união dos artistas, os sobrinhos receberão os imóveis sem pendências nem dívidas.

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Entenda o processo

Uma advogada especialista na área, Luciana Luti Silva, foi consultada pelo R7 para analisar o processo de inventário sobre a herança do artista plástico Athos Bulcão. Confira: 

"O inventário de Athos Bulcão não corre sob segredo de Justiça. Na verdade, via de regra, nenhum inventário poderia, uma vez que eventuais credores devem ter acesso e saber onde habilitar seus créditos. Recentemente, muito se veiculou quanto à exigência de que Cândida Xavier da Costa, que trabalhava para o artista até sua morte, tenha sido forçada a deixar o imóvel no qual residira durante grande parte de sua vida. De fato, a confusão se iniciou quando em 2002, aos seus 84 anos, porém lúcido, Athos lavrou testamento, declarando que desejava que um de seus imóveis, mais especificamente o que se localizava na super quadra 714 de Brasília fosse destinado à Sra. Candida, além das pensões decorrentes de suas aposentadorias. Na oportunidade declarou que a Sra. Candida seria sua 'companheira'.

Após seu falecimento, ocorrido em 31/07/2008, iniciou-se uma verdadeira guerra judicial. Isto porque de um lado a Sra. Candida se proclamava companheira do Sr. Athos, ou seja, por ordem sucessória legal, deveria receber a integralidade de seu patrimônio, enquanto, por outro lado, os sobrinhos do artista afirmavam de modo veemente que referida 'comunhão estável' jamais existira de fato. O processo de inventário passou vários anos suspenso enquanto a Justiça deveria definir, em ação paralela, se a união estável estabelecida entre Athos e Candida seria reconhecida, o que seria decisivo para a inclusão ou não dos sobrinhos, visto que, se não reconhecida, seria destinada à Sra. Candida apenas aquele bem descrito no testamento e não a totalidade dos bens, como pretendera.

Apenas em abril de 2021 foi resolvida a situação da Sra. Candida pelo STJ, que reiterou os entendimentos proferidos pela primeira instância e TJDFT: pela inexistência de união estável. Naquela ação a própria Sra. Candida declarou que mantinham relação de companheirismo, amizade e afeto e que era coberta por plano de saúde, entre outros cuidados patrimoniais, mas assumiu que dormiam em quartos separados, recebeu salário até antes do falecimento de Athos, afastando o ânimo de constituir família, necessário para reconhecimento da união que a equipararia à condição de esposa. Com o trânsito em julgado do ponto de discussão, em 30/03/2022 a Sra. Candida foi obrigada a deixar o imóvel que ocupava até então em benefício dos herdeiros, mantendo seus direitos sobre o que Athos deixou em seu benefício em seu testamento."

A defesa

Procurada pelo R7, a defesa dos sobrinhos de Athos Bulcão informou que os mesmos são herdeiros legítimos do artista plástico, pois ele não foi casado nem deixou filhos. Segundo a assessoria, Candida é legatária – denominação legal dada a quem recebeu um bem específico – de um apartamento que estaria alugado. Confira a nota completa:

"No dia 14.03.2022, por decisão que privilegiou a memória do artista plástico Athos Bulcão e a cultura de Brasileira, especialmente a de Brasília, foi decidido que os bens e obras de arte do espólio do artista deveriam ser entregues aos legítimos herdeiros, seus sobrinhos. O artista é conhecido nacionalmente e internacionalmente e o resgate de suas obras deve ser celebrado. Nos apartamentos do Athos estava armazenado um importante acervo do artista, tanto autoral, quanto de outros autores. A família está em harmonia e ciente da importância em manter o respeito a memória do artista. A conclusão do inventário permitirá que esse valioso acervo seja exposto, pois muito mais do que o valor patrimonial, os bens do espólio apresentam um valor histórico e cultural. É importante salientar que o advogado da sra. Cândida sabia da necessidade de desocupação do imóvel, e mesmo assim ela se manteve no apartamento, razão pela qual teve que ser feita a imissão na posse, com a transferência do imóvel da Sra. Cândida para os herdeiros do Athos Bulcão, o que ocorreu hoje (31). Em testamento, Athos Bulcão deixou para a Senhora Cândida um apartamento na Asa Sul e ela possui aporte material. Portanto, está bem amparada. O processo levou mais de 15 anos, percorreu todas as instâncias judiciais. Durante todo esse período a Sra. Cândida residiu no imóvel sem arcar com qualquer valor a título de aluguel."

*Estagiária sob supervisão de Fausto Carneiro

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