Indicação de André Mendonça ao STF é aprovada na CCJ do Senado
Sabatina do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública estava travada pelo presidente da comissão, Davi Alcolumbre (DEM-AP)
Brasília|Sarah Teófilo, do R7, em Brasília
Por 18 votos a 9, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou nesta quarta-feira (1º) o nome do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública André Mendonça para o STF (Supremo Tribunal Federal). A indicação agora vai ao plenário da Casa, onde precisa de ao menos 41 votos para ser aprovada, em votação secreta. Ele é o segundo indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo — o primeiro é o hoje ministro Kassio Nunes Marques.
No início da sabatina, Mendonça usou o espaço de fala para fazer um panorama sobre a sua vida, levando informações pessoais e contando como iniciou a atuação na advocacia. Em seguida, passou a evocar a importância do posto ao qual foi indicado e a exaltar o regime democrático.
O aprovado na sabatina falou sobre religião e sobre a sua atuação como pastor, mas garantiu compromisso com o estado laico e a liberdade de religião. Bolsonaro tinha reiterado anteriormente o desejo de ter um ministro evangélico.
"Considerando discussões havidas em função de minha condição religiosa, faz-se importante ressaltar a minha defesa do estado laico. A Igreja Presbiteriana, à qual eu pertenço, nasceu no contexto da Reforma Protestante, sendo uma de suas marcas a defesa da separação entre a igreja e o Estado. A laicidade é a neutralidade, a não perseguição e a não concessão de privilégios por parte do Estado em relação a um credo específico ou a um grupo determinado de pessoas em função da sua função religiosa", afirmou.
O advogado ainda afirmou: "Como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição Federal. Defenderei a laicidade estatal e a liberdade religiosa de todo cidadão, inclusive os que não professam qualquer crença."
Alinhamento com Bolsonaro
O advogado foi amplamente questionado sobre o seu alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro e, ao longo da sessão, buscou ressaltar sua independência em relação ao Executivo.
"Sempre pautei minha vida pública pelo respeito aos princípios da administração pública. Não obstante, sei a distinção entre os papéis de um ministro de Estado e de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Sei que, se aprovado por este Senado Federal, estarei credenciado a assumir o cargo de juiz da Suprema Corte do nosso país, incumbência que vai muito além de um governo, abrange a nação como um todo e o seu futuro, exige independência plena para julgar, de acordo com a Constituição e as leis", afirmou, em sua fala inicial.
Em seguida, o ministro fez compromissos públicos, sendo o primeiro "com a democracia e a defesa do Estado democrático de direito". "O regime democrático tem sido fundamental para se garantir o pluralismo político, bem como a dignidade da pessoa humana e a convivência harmoniosa de todos os cidadãos. Assim, reafirmo meu irrestrito compromisso com o Estado democrático de direito, conforme expresso desde o preâmbulo da nossa Constituição", disse.
Mendonça afirmou que inclui o compromisso "de respeitar as instituições democráticas, em especial a independência e a harmonia entre os poderes da República".
Lei de Segurança Nacional
Mendonça afirmou que "jamais" usou a Lei de Segurança Nacional "com o intuito de perseguir ou intimidar". O advogado já foi amplamente criticado pelo uso da lei contra críticos do presidente Bolsonaro na época em que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A norma, de 1983, é conhecida como um "entulho da ditadura militar". Ela foi usada pelo governo antes de ser revogada pelo Congresso Nacional, no segundo semestre deste ano. A revogação se deu após atuação dos parlamentares e discussões por parte de ministros do STF.
Diante dos senadores, Mendonça considerou que a revogação da Lei de Segurança Nacional ocorreu em "boa hora" e disse que, antes disso, ela estava em pleno vigor. Conforme o advogado, o próprio STF já tinha usado a legislação em casos concretos, e "não restava ao executor da norma outra opção senão atuar conforme os seus parâmetros".
"Minha conduta sempre se deu em estrita obediência ao poder legal e em função do sentimento de ofensa à honra da pessoa ofendida, mas jamais com intuito de perseguir ou intimidar", defendeu-se Mendonça. O advogado justificou que a lei previa o crime de caluniar ou difamar o presidente da República, "imputando-lhe fato definido como crime ou ofensivo à sua reputação", e que a apuração do fato se daria mediante requisição do ministro da Justiça.
"Assim, sentindo-se o presidente ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa análise individual [do presidente], devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o fato, sob pena de, não o fazendo, incidir em crime de prevaricação", afirmou. Quando esteve no posto de ministro, Mendonça foi criticado por juristas pelo uso apontado como "exacerbado" da lei, o que gerou reação do Congresso, que passou a discutir a revogação da lei.
A ministra do STF Cármen Lúcia pediu que Mendonça, no ano passado, explicasse um dossiê que investigou 579 servidores da área de segurança pública e professores que integram um movimento contra o governo. Diversas figuras foram intimadas a depor em inquéritos da Polícia Federal abertos após a solicitação de Mendonça.
A Lei de Segurança Nacional já tinha tido seis versões, a primeira delas de 1935 e a última de 1983, antes da Constituição de 1988. Até sua revogação, seu texto previa como crime caluniar ou difamar os presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF; e também trazia um trecho sobre "incitar a subversão da ordem política ou social e a luta com violência entre as classes sociais".
Aceno aos senadores
O ex-ministro da Justiça afirmou que o instituto da delação premiada não pode ser usado como prova contra nenhuma pessoa. "Delação premiada não é elemento de prova. Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Entendo que o combate à corrupção tem que ser feito respeitando garantias e direitos individuais. Os fins não justificam os meios. Precisamos respeitar a política", afirmou.
A fala é uma sinalização positiva aos senadores que, em sua maioria, são críticos à delação premiada, amplamente usada pela operação Lava Jato. Mendonça ressaltou que todos são contra a corrupção, mas que não se pode criminalizar a política, e disse que "as generalizações são péssimas" e que não se podem aceitar pré-julgamentos.
O advogado ainda frisou a contrariedade de que o Supremo analise a prisão após condenação em segunda instância sem que a Corte seja provocada pelo Congresso. "Se voltar ao Supremo a rediscussão sem uma alteração inovadora e concreta levada por parte do Congresso, da minha parte não terá consonância dentro desse contexto. Não podemos ter uma decisão de um jeito e depois de outro jeito. Precisamos de estabilidade", afirmou.
A fala também dialoga de forma positiva com o Congresso. Em 2019, o Supremo voltou a proibir prisão após condenação em segunda instância judicial, o que permite a prisão somente após o processo ter transitado em todas as instâncias. A decisão foi bem vista pela classe política, uma vez que passou a impedir a prisão de políticos condenados sem que os processos tivessem transitado em julgado. Após a decisão, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva foi solto.
Armas
Durante a sabatina, o advogado afirmou que ainda há espaço para posse e porte de arma. A questão da liberação de armas a civis é uma das grandes bandeiras do presidente Jair Bolsonaro, amplamente publicizada durante a campanha presidencial de 2018. "Sobre a política de desarmamento, logicamente, há espaço para posse e porte de arma. A questão que deve ser debatida é: quais os limites? Até que ponto? Até que extensão?", questionou.
Mendonça não quis detalhar sua posição, sob a justificativa de que os decretos de Bolsonaro foram levados à discussão do Supremo, e que emitir opinião pode torná-lo impedido. "Não posso me manifestar sobre a exatidão da possibilidade ou não ou da constitucionalidade ou não do tratamento que foi dado pelos decretos e por atos também legislativos que tratam da matéria", afirmou.
Há um julgamento em curso no STF de ações que questionam decretos editados por Bolsonaro que facilitam a aquisição de armas. Parte dos decretos já foi suspensa após decisões liminares de ministros, mas outra parte continua valendo. O julgamento foi suspenso em setembro, após pedido de vistas do ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro ao Supremo. Na ocasião, havia três de 10 votos pela suspensão dos decretos.
Demora
A indicação de Mendonça foi feita em julho, mas ficou travada na CCJ pelo presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP). O ex-ministro visitou, durante esse período, os senadores em diversos momentos, e falava com muitos, diariamente, na tentativa de emplacar o seu nome. Diante do cenário, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), confirmou que entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro haveria um esforço concentrado para votar a indicação de nomes de autoridades.
Ainda assim, Alcolumbre não confirmava Mendonça na pauta, mas deu uma boa sinalização quando indicou a senadora evangélica Eliziane Gama (Cidadania-MA) como relatora.
A demora na realização da sabatina vinha incomodando o Palácio do Planalto, mas Bolsonaro evitava se posicionar de forma contundente sobre a questão para evitar derrota. Na última terça-feira (30), em filiação ao PL (Partido Liberal), Bolsonaro afirmou esperar que a indicação fosse aprovada pelo Senado, mas lembrou que ele apenas indica e que cabe à Casa definir ou não a aprovação do nome do futuro ministro. "Sabemos que tem um debate ideológico. Mas ele conversou com todos os senadores, falou o que ele pretende fazer depois que for escolhido ministro", disse.