Jovens cineastas de Brasília se destacam na cena internacional
Diretores, roteiristas e produtores recém-formados superam fronteiras do DF e ganham reconhecimento no exterior
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
Casa de nomes consagrados no cinema nacional, como Renê Sampaio ("Faroeste Caboclo" — 2013) e Adirley Queirós ("Branco sai, preto fica" — 2014), Brasília vê surgir novos talentos mesmo em tempos de crises sanitária e econômica. Recém-saídos das universidades, cineastas, diretores e roteiristas nascidos e criados no Distrito Federal começam a despontar e enfrentam o desafio de fazer a engrenagem do cinema girar.
Aos 21 anos, Pedro Henrique Chaves ainda frequenta as aulas do curso de Audiovisual na Universidade de Brasília (UnB), mas já teve a experiência de superar as fronteiras do país graças a um trabalho que tem como cenário principal o Parque Ana Lídia, no coração de Brasília.
O diretor do curta Foguete, de 15 minutos, teve sua em Nova York, no New York Latino Film Festival (NYLFF), em 2020. Em seguida, o filme também foi exibido no festival Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF) 2020 e no 18º Festival Internacional de Cinema Infantil (FICI) 2020. Atualmente, o projeto viaja em circuitos na Tailândia.
“Gravar Foguete foi uma experiência muito maluca e até hoje estou aprendendo com o filme. Foi desafiador porque eu tinha 17 anos quando gravei a partir de uma história que um amigo me contou”, detalha. Depois desse filme, conta Pedro, a carreira de cineasta foi acontecendo. O jovem teve a oportunidade de representar o Brasil no exterior e ganhou uma bolsa de estudos nos Estados Unidos.
O filme conta a história de Marcos César. Um homem de 40 anos apaixonado pelo foguete do Parque Ana Lídia, mas que guarda segredos sobre a relação que tem com o parquinho. A obra trata não só do conflito de duas gerações que brincam e brincaram no foguete do Parque Ana Lídia, mas também aborda temas como família, afeto e desafios.
De Brasília para o mundo
Na torcida para que brasilienses consigam se destacar na cena nacional e internacional, Chaves comenta que há bons filmes sendo feitos a duras penas na capital do Brasil e completa que outros talentos poderiam se destacar se houvesse estímulo e fomento.
“Apesar de todos os pesares, a cena do audiovisual em Brasília está em desenvolvimento, vejo muitos colegas de trabalho talentosos e em ascensão. É uma galera jovem, que produz coisa boa, inclusive na universidade”, diz. “Da minha parte, sei que tenho muito a construir, e é incrível saber que tem gente que está ouvindo e vendo as histórias de Brasília, ou feitas em Brasília, na tela grande e se identificando”, finaliza.
Assim como Pedro, a cineasta Elisa Souza brasiliense começa a ganhar destaque internacional. Atualmente, a diretora de fotografia de 27 anos mora nos Estados Unidos, onde filmou Ritmo, um musical que conta a história de amor entre dois adolescentes.
Na história, os jovens precisam lidar com as diferenças culturais entre as famílias latinas nos moldes do clássico Romeu e Julieta. O filme está na fase de finalização e deve ser enviado para festivais em março de 2022.
Mas Elisa também teve a experiência de colocar suas histórias nas grandes tendo Brasília como cenário principal. O longa-metragem Acaso usa a estrada W3 para contar uma tragicomédia claustrofóbica do ir e vir. O filme tem a direção de Luís Jungmann Girafa e Elisa assina a direção de fotografia em parceria com Ana Cristina Pinheiro Campos. O longa foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cinema de Brasília de 2021.
“Existe um mercado em Brasília, tanto de publicidade, vídeo clipes, e é um mercado que está crescendo muito rápido. Para a produção audiovisual em Brasília, temos o Fundo de Apoio à Cultura e realmente o que mais falta é as pessoas assistirem aos filmes”, comenta.
Elisa também assina a direção de fotografia de outros trabalhos que se destacaram na cena nacional e internacional. O documentário Cracolândia, filmado entre 2017 e 2018, por exemplo, foi exibido na Mostra Internacional de Cinema e selecionado para o Festival de Cinema Brasileiro em Paris.
Raio-X do audiovisual no Brasil
O setor da cultura foi atingido significativamente durante a pandemia de Covid-19. Elaborado pela consultoria PwC, a Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia traz dados que retratam o tamanho da crise do setor e projeta o cenário para os próximos cinco anos em 53 países.
Segundo o estudo, a receita do cinema mundial despencou 70,4% em 2020. No Brasil, a queda foi mais drástica: 86%. Essa realidade não foi diferente em Brasília. O subsecretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Distrito Federal, João Moro, comenta que, apesar da capital do país ser considerada um celeiro de talentos do audiovisual, o setor enfrenta um momento de dificuldade.
"A gente sabe que a produção no Brasil tem sofrido um certo desmonte, com o sucateamento do Fundo Setorial do Audiovisual e da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Com isso, nós percebemos que a cena do DF precisa sempre ser fomentada", diz Moro.
Com aportes financeiros do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), o último edital Brasília Multicultural 2 selecionou 16 longas metragens divididos em quatro categorias: ficção, documentário, produção de longa metragem de baixo orçamento e produção de longa metragem chamado "meu primeiro longa". Essa duas últimas categorias, explica o subsecretário, têm como público-alvo justamente jovens diretores e roteiristas. No total, o fundo o investimento chega a R$ 58 milhões, com expectativa de geração de 100 mil empregos diretos e indiretos.
A estudante do 7º período de cinema, Júlia Rios Valdez, de 21 anos, tenta, pela primeira vez, financiamento do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) da Secretaria de Cultura do DF. "Esse apoio é importante porque fazer cinema é caro, e essa é a nossa porta de entrada para conseguir produzir e receber por isso", comenta.
Ela ressalta que apesar de cara, essa é uma indústria que movimenta a economia e gera empregos. O que falta para girar a engrenagem da produção audiovisual, na opinião da estudante, é o incentivo à distribuição e exibição. "Às vezes, a gente tem coisas finalizadas, mas temos dificuldades de fazer o filme chegar às pessoas".
Solução pensada por estudantes
Na falta de políticas que fortaleçam a distribuição dos trabalhos produzidos na universidade, surgiu a ideia de criar, dentro da UnB uma distribuidora de filmes. A iniciativa é de alunos, supervisionada pelo professor de cinema da faculdade de Comunicação Sergio Ribeiro.
O professor explica que o projeto ainda é embrionário, mas responde a uma necessidade do cinema brasileiro. “Durante muitos anos no Brasil nós investimos na produção, o exemplo é os editais. Mas aí cria-se uma pergunta: como essa produção chega ao público? O que é produzido na universidade não tem saída para o público em geral, esse é um problema”, explica o professor.
Para Ribeiro, Brasília é um mercado potente do cinema nacional. A capital do país figura em terceiro lugar no ranking das capitais com maior público e bilheteria do país. No ano passado, a capital federal exibiu 411 filmes estrangeiros e nacionais, e atraiu 4.484.995 de pessoas a 88 salas de cinema — um volume de público que movimentou R$ 76.377.649.
O levantamento é o mais recente da Ancine, e compreende o período de 1º de janeiro de 2018 a 30 de novembro do mesmo ano. No ranking dos municípios, Brasília fica atrás somente de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente. No entanto, embora bem posicionada, a capital apresenta números significativamente inferiores aos dos primeiros colocados.
Para se ter uma ideia, o público alcançado no Rio de Janeiro, que está em 2º no ranking, é 285% o de Brasília e a verba arrecadada chega a 277%. Em relação a São Paulo, a plateia de Brasília representa apenas 24% de todo o público que frequentou cinemas na capital paulista.
“O audiovisual só tem uma construção sustentável a partir do momento que a gente consegue entender que existe uma cadeia: produção, distribuição e consumo. Acredito que temos os maiores talentos do audiovisual na faculdade de cinema da UnB, mas falta o incentivo para que esses talentos sejam vistos”, diz o professor.