Mel cítrico, turismo ecológico e artesanato: conheça iniciativas do cooperativismo no Pará
Comunidades ribeirinhas do oeste do estado vivenciam a junção dos saberes tradicionais com a economia sustentável
Brasília|Edis Henrique Peres, enviado especial a Belém
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Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7
Ivaneide de Oliveira, 47 anos, sempre orientou as filhas a pedir a benção ao tucumanzeiro. Foi usando as palhas da palmeira nativa da amazônia que a artesã criou as três meninas. Hoje, a mais velha está formada em contabilidade, a do meio iniciou há um semestre a faculdade de gestão ambiental, e a caçula está no ensino fundamental 2.
“Para sustentar minhas filhas, eu, como mãe solo, tive que trabalhar duro, pesado no artesanato, para dar o sustento delas no dia a dia. Me manter firme e forte. E sempre falei para elas terem orgulho e para pedir a benção ao tucumanzeiro, porque ele é o pai delas. Sou muito grata e honrada por ter criado minhas filhas com a palha do tucumã”, relata.
O saber ancestral foi ensinado pela mãe de Ivanilde, que, por sua vez, aprendeu com a própria mãe, e assim sucessivamente: um conhecimento que passou por gerações de mulheres e cuja perpetuidade Ivanilde garante. “Já ensinei para as minhas filhas”, conta.
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A história de Ivaneide, no entanto, não é a única. Junto com ela, 114 artesãos, da cooperativa Turiarte, vivem do trançado do tucumã. E o artesanato, embora seja o principal rendimento dos cooperados, é apenas um dos trabalhos desempenhados pelos 180 integrantes do grupo, distribuídos em mais de 12 comunidades, localizadas na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns.
Independência feminina
Natália Dias Viana, 24 anos, é a atual presidente da cooperativa, fundada em 2009. A Turiarte nasceu da união de mulheres que encontraram no cooperativismo uma forma de garantir renda, autonomia e reconhecimento por seu trabalho artesanal.
“A cooperativa vem trazendo muitos benefícios, como empoderamento feminino e mais independência das mulheres. A nossa demanda por artesanato cresceu muito. E o nosso sonho é conseguir exportar nosso trabalho, alcançar melhor o consumidor final”, almeja.
Hoje, segundo Natália, 80% das vendas da cooperativa são para lojistas da região. As 12 comunidades possuem uma capacidade de gerar cerca de mil peças por mês, mas, ainda assim, a quantidade é insuficiente para que a Turiarte pegue grandes demandas e atenda a editais públicos.
“Estamos avaliando a entrada de mais três comunidades, para aumentarmos nossa capacidade, e estamos no processo de conseguir comercializar melhor os nossos produtos. Estamos também levando oficinas de acabamento a outros locais, para manter a qualidade das peças”, detalha.

Parte das vendas são alavancadas pela expectativa da COP30 (Conferência Climática da ONU). A Turiarte recebeu, para este ano, uma encomenda de brindes para organismos internacionais. Hoje, a cooperativa atua com capacidade máxima para atender a demanda. A expectativa da Cooperativa é de criar um fundo de crédito para garantir peças em estoque e conseguir atender a grandes demandas.
O trançado e a cor da floresta
Foi também por meio do cooperativismo que o artesanato da Turiarte passou para um modelo mais sustentável. Antes, os cooperados utilizavam corantes sintéticos para produzir algumas peças. Hoje, toda a matéria-prima vem da floresta, carregada de tradição e identidade.
Ivaneide revelou ao R7 os produtos usados para obter os diferentes pigmentos: urucum para o alaranjado, açafrão para o amarelo, crajiru para o vermelho e jenipapo para o azul. Outros tons são obtidos a partir da mistura deles, como o verde, resultado da mistura do jenipapo com o açafrão.
A reportagem conheceu essa história de comunhão com a floresta amazônica na comunidade de Anã, a cerca de 2h de barco, saindo do porto de Alter do Chão, município de Santarém (PA). O percurso leva de 1h30 a 2h, quando o tempo está bom. No dia anterior à viagem, porém, choveu na região, o que provocou ventos fortes. Assim, a travessia foi feita em quase três horas, saindo do rio Tapajós e entrando no rio Arapiuns.
É na pequena comunidade de cerca de 76 famílias e 315 pessoas que Aldair Goudinho, agricultor de 46 anos e um dos fundadores da cooperativa, atua em três frentes: turismo, piscicultura e meliponicultura.
Um dos diferenciais do mel produzido nessas comunidades é a textura menos densa e o sabor cítrico, fortemente influenciado pelo néctar das flores coletadas pelas abelhas na mata da floresta amazônica.
O projeto Polinizando Sonhos Iramaña — termo de origem indígena que significa abelha sem ferrão — dá a possibilidade de as famílias produzirem mel a baixo custo. Ao todo, 22 famílias contam com cerca de 500 caixas, distribuídas em vários locais, para evitar a competitividade das abelhas pelo mesmo alimento. O grupo atua com a abelha chamada tucano ou canudo.
“Isso foi uma iniciativa do meu pai, da minha família aqui, que eram os chamados meleiros, que iam para a floresta tirar o mel para remédio caseiro. Só que, no começo, eles não cuidavam disso. Como a abelha não tem ferrão, a defesa dela é chegar no cabelo e na roupa e tentar atacar, e eles colocavam fogo no enxame para matar toda a colmeia e tirar o mel tranquilo. E, com isso, a gente estava perdendo essa espécie de abelha. A nossa geração veio mudando essa mentalidade”, explica.
Hoje, o grupo atua para garantir a perenidade das colméias, produzindo caixas rústicas e coletando o mel somente nos períodos de floradas, entre setembro e fevereiro. Segundo Aldair, nesse intervalo é possível realizar a coleta do mel por três vezes. Logo depois, é necessário poupar o mel para que as abelhas sobrevivam ao período de seca.
Impactos ambientais
Apesar do uso consciente desses recursos, o impacto ambiental significa perda para o sustento dessas famílias. No ano passado, devido à grande seca que atingiu vários estados do norte e nordeste do Brasil, eles perderam cerca de 200 colmeias. “Tínhamos cerca de 700, mas, com a seca, as abelhas saíam e não tinham com o que se alimentar. A gente providenciou água para elas terem onde buscar, mas apenas a água não é suficiente para a alimentação delas”, ressaltou.
O impacto não se restringe à produção de mel. O projeto Musa (Mulheres Unidas Sonhadoras em Ação), responsável pela produção de peixes, teve perdas devido à baixa do volume de água nas gaiolas dos peixes e ao aquecimento da água na superfície.
“O projeto Musa foi uma iniciativa de um grupo de mulheres que via muitos maridos saindo para pescar e voltando sem peixe. Então, a gente desenvolveu a ideia de criar peixe em tanque-rede, para garantir o sustento das famílias. Somos 12 famílias neste projeto e 50 tanques”, conta.
Nas gaiolas, eles criam, por exemplo, tambaqui, pirapitinga e tabatinga. Agora, a intenção dos piscicultores é produzir uma ração natural, com os próprios itens disponíveis para a comunidade, como mandioca, açaí e casca de cupuaçu.
Outro impacto da seca foram os incêndios nos últimos anos. Foi para proteger a floresta que José Martins da Silva, de 48 anos, vice-presidente da comunidade de Anã, fez o curso de brigadista voluntário. Hoje, a comunidade conta com 12 voluntários, mas sofre com a falta de incentivos do governo, como algum tipo de remuneração durante os meses da seca.
“Nós somos voluntários porque entendemos a importância da floresta. Mas lutamos para ter algum tipo de incentivo. Nosso grupo de voluntários já chegou a atuar em Mato Grosso no ano passado, para ajudar no combate a incêndios de lá. Mas ainda buscamos um olhar do governo para a nossa atuação, porque arriscamos nossas vidas nisso. E os pescadores recebem seus incentivos [seguro-defeso] nas épocas de seca, o governo podia também nos ajudar no período mais crítico de incêndios”, opina.
Turismo ecológico

Outra frente de ação da Turiarte é o turismo ecológico, chamado por membros de ‘turismo pedagógico’. Nele, o grupo monta um roteiro em que os visitantes podem conhecer diversos aspectos culturais das comunidades locais. Um dos principais atrativos é a Piracaia, que significa peixe na brasa na língua indígena.
Os turistas vão de lancha à Praia de Caracaraí, onde observam a iluminação em tochas rústicas e podem se acomodar em sofá escavado na areia, ouvir músicas e apreciar bebidas típicas, além de assistir a uma apresentação de carimbó, dança típica da região.
Aos mais aventureiros, também é possível dormir no redário, ao ar livre ou na própria praia, em conexão com a floresta e os rios amazônicos.

Perguntas e Respostas
Quais são as iniciativas do cooperativismo no Pará?
As iniciativas do cooperativismo no Pará incluem o artesanato, o turismo ecológico, a piscicultura e a meliponicultura, que são desenvolvidas por comunidades ribeirinhas na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns.
Quem é Ivaneide de Oliveira e qual é sua história?
Ivaneide de Oliveira, de 47 anos, é uma artesã que criou suas três filhas utilizando as palhas do tucumanzeiro. Ela enfatiza a importância do trabalho duro no artesanato para sustentar a família e transmite o saber ancestral de geração em geração.
O que é a cooperativa Turiarte?
A Turiarte é uma cooperativa fundada em 2009, composta por 180 membros de mais de 12 comunidades. Ela surgiu da união de mulheres que buscavam garantir renda e autonomia através do artesanato, que é a principal fonte de renda dos cooperados.
Quais são os benefícios trazidos pela cooperativa Turiarte?
A cooperativa Turiarte trouxe empoderamento feminino e maior independência para as mulheres, além de um aumento na demanda por artesanato. A cooperativa busca também exportar seus produtos e melhorar a comercialização.
Como a Turiarte se prepara para atender a demanda por artesanato?
A Turiarte está avaliando a entrada de mais três comunidades para aumentar sua capacidade de produção e está promovendo oficinas de acabamento para manter a qualidade das peças.
Qual é a relação da Turiarte com a COP30?
A Turiarte está aproveitando a expectativa da COP30 para alavancar suas vendas, recebendo encomendas de brindes para organismos internacionais e atuando em capacidade máxima para atender a demanda.
Como a Turiarte tornou seu artesanato mais sustentável?
A cooperativa mudou para um modelo mais sustentável, utilizando apenas matérias-primas da floresta e corantes naturais, como urucum, açafrão, crajiru e jenipapo, para a produção de seus produtos.
Quem é Aldair Goudinho e qual é seu papel na comunidade?
Aldair Goudinho, de 46 anos, é agricultor e um dos fundadores da cooperativa. Ele atua em turismo, piscicultura e meliponicultura, promovendo a produção de mel com características únicas devido ao néctar das flores da floresta amazônica.
Como funciona o projeto de meliponicultura na comunidade?
O projeto “Polinizando Sonhos Iramaçã” permite que 22 famílias produzam mel a baixo custo, utilizando abelhas sem ferrão. O projeto busca garantir a perenidade das colmeias e a coleta do mel é feita de forma consciente.
Quais os desafios enfrentados pelas famílias na produção de mel e peixes?
As famílias enfrentam desafios como a seca, que resultou na perda de colmeias e afetou a produção de peixes no projeto Musa, que visa garantir o sustento das famílias através da criação de peixes em tanque rede.
Como a comunidade de Anã lida com os incêndios florestais?
José Martins da Silva, vice-presidente da comunidade, lidera um grupo de voluntários que combate incêndios florestais, mas enfrenta a falta de incentivos do governo para sua atuação, buscando reconhecimento e apoio durante períodos críticos.
O que é o turismo ecológico promovido pela Turiarte?
O turismo ecológico, ou turismo pedagógico, permite que os visitantes conheçam a cultura local, com experiências como a piracaia e a possibilidade de dormir ao ar livre, em conexão com a floresta e os rios amazônicos.
Viagem realizada a convite da OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras).
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