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Nicolás Maduro ataca Lula ao criticar Celso Amorim, analisam especialistas

Avaliação é de que Lula já não endossa ações de Maduro como no passado; por enquanto, cenário não justifica rompimento de relações

Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília

Lula e Maduro não se falam desde julho, segundo assessor Ricardo Stuckert/Presidência da República - 1.3.2024

Em mais um dia de tensões entre Brasília e Caracas, o governo de Nicolás Maduro classificou o assessor especial para assuntos internacionais do Brasil, Celso Amorim, como um “mensageiro do imperialismo norte-americano”, em resposta a recentes declarações do brasileiro em relação ao país vizinho. Especialistas ouvidos pelo R7 apontam que as críticas a Amorim são direcionadas para atacar o próprio Lula.

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Apesar dos episódios recentes, a avaliação é de que não há tensão suficiente, por enquanto, que justifique rompimento de relações diplomáticas entre os dois países. Na visão de cientistas políticos, internacionalistas e constitucionalistas consultados pela reportagem, o maior prejudicado nessa história é Maduro.

Comparação com Nicarágua

Para o professor de relações internacionais da UnB (Universidade de Brasília) Roberto Menezes, a reação de Maduro tem origem na situação na cúpula dos Brics. “Maduro tem dirigido toda sua bateria de ataques ao Itamaraty e, quando ataca Celso Amorim, está atacando o presidente Lula. Ele não teve ainda ‘coragem’ de agredir Lula diretamente”, avalia, ao destacar que os comportamentos do chavista são de “natureza grave”.

Menezes, especialista em integração regional e relações internacionais da América Latina, compara as ações de Maduro às do ditador Daniel Ortega, da Nicarágua. Em agosto, Ortega expulsou o embaixador brasileiro no país, Breno de Souza Brasil Dias da Costa, depois de uma sequência de episódios que levaram ao esfriamento das relações entre Brasil e Nicarágua.


Lula tentou interceder em defesa do bispo católico Rolando Álvarez, preso pela ditadura nicaraguense por críticas ao regime. O movimento em defesa do religioso, segundo o próprio petista, partiu de um pedido do Papa Francisco. Ortega não retornou o contato do brasileiro. Em resposta, Lula orientou que o embaixador não participasse mais de atividades que envolvessem o governo nicaraguense. A ausência teria sido a gota d’água para Ortega.

“Maduro está querendo uma espécie de briga de rua, e o Brasil não vai entrar nisso. Vimos o caminho que a Nicarágua tomou, e Maduro toma o mesmo caminho, com a diferença que quem mais trabalhou para tirar a Venezuela do isolamento internacional foi o governo brasileiro. Quem perde é o Maduro, ele sabe que o Brasil trabalhou com afinco desde o ano passado para a Venezuela voltar à cena regional. A Venezuela jogou fora as oportunidades que o Brasil abriu”, acrescenta o professor.


Situação ainda não chegou ao extremo

Especialista em direito político e constitucional, Antonio Celso Minhoto aponta que não há motivos que justifiquem rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Venezuela.

“Há um desgaste entre os dois governos que, num passado relativamente recente, eram parceiros muito próximos. Não há, por ora, tensão suficiente para um rompimento diplomático de fato, algo muito mais grave e profundo. Contudo, esse ambiente inamistoso entre as duas nações pode escalar e se tornar algo mais grave”, avalia.


Para Minhoto, o processo de desgaste tem sido contínuo e progressivo. “Lula, até mais que o PT, já não avaliza Maduro como no passado. Inclusive, muito embora não nomeie o governo venezuelano como uma ditadura, diz ser um “regime desagradável”. E Celso Amorim, nesse contexto, só fez ecoar o que Lula — e vários outros países — pensam da atual situação da Venezuela”, acrescenta o especialista.

O especialista acha difícil prever eventual piora na situação. “O Brasil tem uma tradição, em ambiente internacional, de diálogo e busca de entendimento frente a eventuais atritos com outros países”, completa.

Relação de Lula e Maduro

O cientista político João Felipe Marques explica que o episódio expôs a atual situação entre Lula e Maduro, que “aparentam não estar tão alinhados como acreditava parte da classe política nacional. É necessário aguardar para saber se esse fato reverbera politicamente para Lula.”

Para ele, a falta de alinhamento demonstra o enfraquecimento da capacidade diplomática da Venezuela, que não conseguiu manter o status de autonomia entre os vizinhos. “A Venezuela tinha o Brasil como uma das poucas democracias que apresentavam simpatia à liderança de Maduro”, continua.

Marques ressalta que, desde o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil nunca apresentou uma tensão dessa magnitude com a Venezuela. “No que tange à credibilidade de um bloco como os Brics, seria estratégico, por parte do Brasil, impedir a entrada de uma nação tão frequentemente tida como antidemocrática. O custo político de fazer negócios frequentes com a Venezuela pode ter sido o argumento central para a ação”, completa.

Próximos passos

O professor Roberto Menezes acredita que Lula deve adotar o princípio da reciprocidade nas relações diplomáticas e também convocar a embaixadora brasileira na Venezuela, Glivânia Maria de Oliveira, a Brasília.

“O Brasil vai procurar administrar a relação, não vai tomar a iniciativa de fazer algum gesto mais brusco. O governo brasileiro deve aplicar a reciprocidade, é o que é esperado. Talvez o governo brasileiro tome a opção de não romper relações, mas também não envie a embaixadora de volta”, prevê.

Para Menezes, o governo brasileiro vai manter a posição de não reconhecer nem endossar a suposta reeleição de Maduro, num processo eleitoral permeado de polêmicas. “O Brasil teme a imprevisibilidade de Maduro. O Brasil teme que a Venezuela seja um fator de instabilidade política na região. O que o Brasil mais teme é uma aventura militar da Venezuela na Guiana”, conclui o professor.

Declarações de Celso Amorim

Amorim foi à Câmara dos Deputados nessa terça (29), para audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. “Há um mal-estar hoje. Torço para que desapareça, mas vai depender de algumas ações”, afirmou o assessor, que evitou chamar o governo de Maduro de ditadura.

Ele também destacou que, “formalmente, não houve veto”, porque não ocorreu uma votação em Kazan. “As decisões são tomadas por consenso, e o Brasil achou que neste momento a Venezuela não contribui para o melhor funcionamento dos Brics”, acrescentou, ao reiterar que a decisão é momentânea.

Nessa terça (29), o assessor de Lula também afirmou que o Brasil não concordou com a expansão desenfreada dos Brics e pontuou que os países convidados — foram 13 selecionados na semana passada — devem ser representativos nas suas regiões econômica e politicamente.

Em resposta, nessa quarta (30), em nota, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela disse que as falas do assessor de Lula são “intrometidas e grosseiras”. Maduro decidiu, ainda, convocar o embaixador venezuelano em Brasília, Manuel Vadell, para “consultas imediatas”.

O governo da Venezuela informou que as manifestações de repúdio às falas de Amorim foram apresentadas ao Encarregado de Negócios do Brasil no país. Procurado pelo R7, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro não respondeu aos questionamentos.

O texto (leia a nota completa abaixo) também critica o veto brasileiro à entrada da Venezuela nos Brics, grupo que, inicialmente, reunia Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Desde o início deste ano, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos fazem parte do bloco. Na 16ª Cúpula dos Brics, na semana passada, em Kazan, na Rússia, a Venezuela ficou de fora da lista dos países candidatos ao status de parceiros do grupo econômico, após articulação do Brasil.

Nota de quarta (30) do governo do ditador Maduro

O Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores da República Bolivariana da Venezuela convocou hoje o Encarregado de Negócios da República Federativa do Brasil, a fim de manifestar seu mais firme repúdio às recorrentes declarações intrometidas e grosseiras de porta-vozes autorizados pelo Governo Brasileiro, em particular os oferecidos pelo Assessor Especial para Relações Exteriores, Celso Amorim, que, comportando-se mais como um mensageiro do imperialismo norte-americano, tem se dedicado impertinentemente a emitir juízos de valor sobre processos que só lhe correspondem aos venezuelanos e suas instituições democráticas, o que constitui uma agressão constante que mina as relações políticas e diplomáticas entre os Estados, ameaçando os laços que unem os dois países.

Da mesma forma, expressou-se o total repúdio à atitude antilatino-americana, contra os princípios fundamentais da integração regional, expressos na Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), bem como na longa história de unidade em nossa região, consumada no veto aplicado pelo Brasil na Cúpula do BRICS em Kazan, com o qual a Venezuela foi excluída da lista de convidados a membros associados da referida organização.

Da mesma forma, denunciamos o comportamento irracional dos diplomatas brasileiros, que, contrariando a aprovação dos demais membros do BRICS, assumiram uma política de bloqueio, semelhante à política de Medidas Coercitivas Unilaterais e punição coletiva de todo o povo venezuelano.

Foi-lhe dito que a Venezuela reserva, no âmbito da sua política externa, as ações necessárias em resposta a esta atitude, que compromete a colaboração e o trabalho conjunto que até agora foram desenvolvidos em todos os espaços multilaterais.

Por fim, informa-se a comunidade nacional e internacional que, seguindo instruções do Presidente Nicolás Maduro Moros, foi decidido convocar imediatamente o Embaixador Manuel Vadell, que nos representa em Brasília, para consultas.

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