Partidos pequenos se movimentam para garantir sobrevivência
Legendas menores lutam pela aprovação de mudanças nas regras eleitorais que asseguram recursos para essas siglas
Brasília|Sarah Teófilo e Bruna Lima, do R7, em Brasília
Ameçados pelas regras eleitorais que valeram em 2019, partidos pequenos se movimentam o Congresso Nacional para garantir sobrevivência. Legendas que perderam fundo partidário e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão por não alcançarem a cláusula de barreira, em 2018, mobilizam-sem pela aprovação de normas que assegurem melhores condições de se manterem na ativa.
Com a movimentação, foram aprovadas, a toque de caixa, mudanças no sistema eleitoral que dão sobrevida aos partidos pequenos. Na última semana, passou em segundo turno, na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, que prevê o retorno das coligações partidárias para as eleições de deputados e vereadores, projeto encabeçado principalmente pelas legendas pequenas.
Algumas delas se articulam pela aprovação no Senado, mas a derrota é iminente. Agora, os partidos se movimentam para derrubar um eventual veto do presidente Jair Bolsonaro à proposta das federações partidárias. A ideia das federações foi aprovada na Câmara em 12 de agosto e prevê a possibilidade de partidos se unirem para atuar como uma única legenda nas eleições e na legislatura, com prazo de existência de, no mínimo, quatro anos.
Com a possibilidade de veto do presidente, partidos pequenos começaram a se articular. A informação que chegou a eles, via aliados do presidente, é que de haveria intenção real do mandatário de vetar a proposta. O possível veto está amplamente difundido entre legendas de oposição. A ala bolsonarista do PSL é contrária ao projeto, por entender que ele beneficia as legendas de esquerda. Entre eles, entretanto, a avaliação é de que Bolsonaro não deve vetar nenhuma parte da reforma.
Dentro do PP, legenda do Centrão que está dentro do Palácio do Planalto, também se diz que o veto é pouco provável. Só a possibilidade foi o suficiente, entretanto, para movimentar partidos que não alcançaram a cláusula de barreira em 2018 e que encaram a possibilidade de deixar de existir.
Um dos partidos que têm mais atuado, tanto pelos coligações quanto pelas federações, é o PCdoB. A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), vice-líder da oposição, afirma não ver motivo para o presidente vetar a matéria, que não é relativa ao Executivo, e prevê que um veto seria derrubado no Congresso. Vice-líder do PL, o capitão Augusto (SP), diz ter tido reuniões recentes com o presidente, e que o assunto não foi debatido, além de ressaltar não ver motivo para veto à proposta. “Não tem porque ele comprar uma briga com a Câmara e com o Congresso”, ressalta.
A proposta também tem apoio de legendas grandes como o PT, que é a maior bancada da Câmara, empatada com o PSL.
Derrota das coligações
Já no caso das coligações, a derrota, até o momento, é vista como consumada. O próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse, na última semana, que a proposta será analisada em respeito à Câmara, mas que o cenário é de rejeição. O prazo é curto, porque as alterações precisam ser feitas até setembro para valer no próximo pleito. A matéria tem de passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ir para votação no plenário.
Na Câmara, ela só foi aprovada por ter sido parte de um acordo firmado pela ampla maioria: barrar o distritão em troca de passar as coligações. A federação também acabou entrando no acordo. Não há, assim, qualquer disposição das legendas maiores, contrárias à proposta das coligações, em movimentar os partidos no Senado para que aprovem a proposta. O distritão é o sistema em que apenas os mais votados conseguem se eleger, e a ideia era estabelecer isso nas eleições de deputados e vereadores, como ocorre para presidente e governador, por exemplo.
O MDB, maior bancada no Senado, será contrário às coligações. O PSD, segunda maior legenda, ainda não tem uma orientação de voto consumada, mas o líder, Nelsinho Trad (MS), diz que internamente, a ampla maioria tem o entendimento de que “a volta das coligações é um retrocesso”.
“O PSD se organizou e se preparou para poder continuar experimentando a regra atual, que não permite a coligação nas proporcionais, no sentido de valorizar, cada vez mais, os partidos políticos”, diz.
Situação crítica
A criação da cláusula de barreira deixou a situação dos partidos nanicos complicada. Após as eleições de 2018, 14 legendas deixaram de contar com o fundo partidário e o tempo gratuito de TV e rádio, quando não alcançaram o percentual mínimo de 1,5% dos votos válidos. São elas: Rede, Patriota, PHS (deixou de existir em 2019), DC, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL (incorporado pelo PCdoB), PRP (incorporado pelo Patriota), PRTB, PSTU e PTC.
O percentual para o ano que vem aumenta para 2%, e algumas siglas que se mantiveram no limite precisam aumentar o desempenho para não ficar de fora. Entre elas estão o PV, o PSC e o Cidadania, antigo PPS. Desde o resultado de 2018, algumas legendas perderam parlamentares. A Rede Sustentabilidade, por exemplo, elegeu cinco senadores em 2018, e hoje tem apenas dois, Fabiano Contarato (ES) e Randolfe Rodrigues (AC), que é sondado pelo PDT. Na Câmara, o PCdoB perdeu cinco deputados, de 2018 para cá; o PMN perdeu três deputados; o PV elegeu 13 deputados e hoje tem quatro.
Líder do PV na Câmara, Enrico Misani (SP) admite que a situação da legenda é difícil, e que sem as coligações, fica pior ainda. "Não é impossível, mas a gente vai ter que trabalhar para montar chapa. A sorte é que nós temos tradição de fazer chapa pura”, diz. Em relação à possibilidade de fusão, ele explica que o partido é sondado, mas que nunca viu internamente um movimento concreto. “Com essa realidade das federações, talvez fique diferente”, relata.
Mesmo em algumas legendas pequenas, as coligações não tiveram apoio, como no Cidadania. Líder da sigla na Câmara, Alex Manente (SP) afirma que o partido “não se curva a interesses individuais”. Ele sinaliza, porém, que conta com a criação das federações partidárias. “Vamos trabalhar com a questão da federação para 2022. A federação é um namoro para fusão partidária. Você tem uma parceria por quatro anos, com princípios ideológicos similares, e pode se tornar casamento com uma incorporação ou fusão”, diz.
No PT, o deputado Bohn Gass ressalta a importância das federações, afirmando que diferentemente das coligações, faz-se um acordo programático, de quatro anos, e não um casuísmo momentâneo. Ele adianta a possibilidade de uma federação com o PCdoB.
Líder do PCdoB, Renildo Calheiros (PE) critica que existem legendas que trabalham para inviabilizar as outras, para que os filiados troquem de partido na janela partidária. “Se você não tem distritão, não tem coligação, o que você vai fazer? Vai entrar nos que viabilizaram. Tem presidentes que fazem isso”, afirma. Apesar da derrota iminente das coligações, ele diz que “o jogo ainda não está jogado” e que tudo precisa ser conversado. "Os senadores não são extraterrestres. Já foram deputados, governadores”, diz.
Avaliação
Mesmo que seja de grande interesse dos partidos pequenos, as coligações são consideradas um retrocesso na avaliação de especialistas. Isso porque favoreceria legendas sem representatividade que, em conjunto com outras, ganham robustez. O problema é que não é necessário existir uma convergência ideológica nesta formação, o que poderia trazer dificuldades nas negociações políticas, além da eleição de um candidato com linha oposta ao que o eleitor destinou seu voto.
Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a advogada eleitoral Evelyn Melo avalia que a movimentação serve como uma “tentativa de burlar a cláusula de barreira”, que exige 10% do coeficiente eleitoral para que um candidato a deputado federal, estadual ou distrital seja eleito.
Passada a eleição não há mais compromisso de manter unidade com uma mesma defesa das ideias e a coligação se desfaz
A extinção de partidos não se traduz em prejuízo para as representações de minorias, opina a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A proliferação de pequenos partidos dificulta as negociações e aumentam os custos com emendas parlamentares, por exemplo”, avalia. Para ela, a melhor estratégia é seguir as mudanças do processo eleitoral instauradas entre 2015 a 2017.
“Seria mais vantajoso e justo para os eleitores deixar as reformas que prevêem a cláusula de desempenho com a implementação gradual seguir seu curso. Isso implica uma mudança de estratégia dos partidos, reduzindo o número de legendas, mas trazendo uma simplificação dos processos decisórios e redução dos custos para aprovações”, diz.