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‘Passei por momentos difíceis e venci’, diz ex-cobrador prestes a se formar em medicina na UnB

Gilberto Arruda, 47 anos, enfrentou barreiras e preconceitos, como racismo e etarismo; ele nasceu em Taguatinga e cresceu em Ceilândia

Brasília|Do R7, em Brasília

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Gilberto vai se formar em medicina nesta sexta Reprodução/Arquivo Pessoal

Mesmo após perder os pais, sofrer um acidente que reduziu sua mobilidade e enfrentar racismo e etarismo no meio acadêmico, o ex-cobrador de ônibus Gilberto Arruda, de 47 anos, vai realizar o sonho de se formar em medicina na UnB (Universidade de Brasília). A formatura dele, que conversou com o R7 (veja no vídeo abaixo), ocorrerá na próxima sexta-feira (24).

Gilberto nasceu em Taguatinga, mas cresceu em Ceilândia e, desde pequeno, se deparou com um cenário marginalizado. “Era um contexto muito violento. Vi muitas pessoas indo para o crime, para o tráfico. Decidi que não queria aquilo para a minha vida.”


Ao andar por uma praça, viu um rapaz andando de skate e pediu para que ele o ensinasse. “Utilizei o skate para sair daquele contexto criminal”, conta. Ele chegou a concorrer em três etapas de um campeonato profissional e, entre 70 concorrentes, alcançou o 12° lugar. Pela falta de incentivo e estrutura, a carreira no skate não foi para frente.

Já aos 9 anos, Gilberto perdeu a mãe e, com 18, o pai. Nesse período, ele não tinha apoio para estudar. “Antigamente, as pessoas no contexto social que eu estava não entendiam o valor do conhecimento.” Para ajudar em casa e bancar os estudos, ele trabalhava na feira, vigiava carros e engraxava sapatos.


“Cheguei a trabalhar numa chácara um dia todo para comprar um livro.”

(Gilberto Arruda, 47 anos, ex-cobrador de ônibus que vai se formar em medicina na UnB)

Depois de um tempo, decidiu que iria cursar educação física e começou a trabalhar como cobrador de ônibus para pagar o curso.

Tudo mudou quando Gilberto sofreu um acidente e foi atropelado por um ônibus que estava sendo manobrado na garagem. Ele ficou 14 dias em coma, havia quebrado a bacia, rompido o abdômen e perdido muito sangue em uma hemorragia interna. Os médicos disseram que ele não voltaria andar e que não poderia ter filhos.


Por um ano e dois meses, ele ficou de cama, utilizando cadeira de rodas para se movimentar. Ao fazer uma cirurgia no pé, conseguiu voltar a andar, mas com a mobilidade ainda reduzida. Após o acidente, ele retomou a vida. Se casou e teve três filhos.

Incentivo da família para estudar

Com incentivo da família, decidiu voltar aos estudos. Começou a fazer um curso técnico de eletromecânica no IFB (Instituto Federal de Brasília) e um curso de Libras (Língua Brasileira de Sinais). Em 2013, fez o Enem para testar os conhecimentos e passou em engenharia eletrônica em uma federal do Paraná.


Ele cursou um semestre, cancelou a matrícula e voltou para Brasília. “Minha intuição me disse para não continuar na engenharia. Não entendi na hora, mas segui.”

Gilberto e a turma de eletromecânica do IFB Reprodução/Arquivo Pessoal

Quando voltou para o DF, Gilberto precisou correr contra o tempo para estudar, trabalhar e cuidar dos filhos, enquanto a esposa cursava Letras na UnB.

“Eu tinha que arrumar tempo para estudar, mesmo cuidando das crianças, da casa, fazendo serviço de pedreiro e de servente e consertando meu veículo”, relembra.

Nome na lista de aprovados

Ele e a esposa se separaram em 2017, deixando a vida de Gilberto ainda mais agitada. Mesmo assim, continuou prestando os vestibulares. Em 2018, foi olhar os aprovados na 3ª chamada de medicina e encontrou seu nome na lista. “Eu já não tinha esperança de conseguir voltar a estudar, mas lá estava meu nome aprovado em medicina.”

Dificuldade e preconceito

Mesmo após vencer diversas barreiras para chegar onde queria, o futuro médico ainda enfrentou desafios na universidade. Ele relembra que no começo era difícil para se adaptar. “Meu ensino médio foi muito deficiente, então, às vezes, eu não conseguia entender os conteúdos”, conta.

Gilberto relembra que sofreu muito com o racismo e o etarismo, o que o desmotivava em alguns momentos. Lidou também com o desgaste de pegar horas de transporte público, o que o fez mudar de sua casa em Ceilândia para a Casa do Estudante, na UnB. Ele precisava acordar às 4h30 da manhã e pegar quatro ônibus para chegar na universidade.

Ele diz que pensou em desistir muitas vezes, mas que recebeu apoio de amigos, professores e família. “Meu filho mais novo, Rafael, me dizia muito para não desistir do meu sonho.” Para Gilberto, foi difícil ficar longe de casa e da família.

Agora é ele quem incentiva

Apesar das barreiras, ele encontrou motivação para realizar seu sonho e incentiva outras pessoas a continuar tentando. “Eu passei por muitos momentos difíceis e consegui vencer tudo até agora. Sempre terão pessoas te ajudando e te apoiando. Quem acha que está velho para estudar, olha eu com 47 anos conseguindo. Corra atrás e seja resiliente, perseverante”, completa.

Gilberto conta que seus filhos, Raquel, Hadassa e Rafael, querem ser médicos como ele Reprodução/Arquivo Pessoal

Após a formatura, Gilberto quer prestar concurso para ser médico legista e tentar ser residente em medicina da família e comunidade. Ele explica que ainda precisa fazer duas cirurgias e cuidar da saúde, mas que vai se reinserir no mercado de trabalho em breve.

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