PGR pede ao STF que declare inconstitucionais artigos do marco temporal aprovado pelo Congresso
Órgão é contra regra que diz que indígenas só têm direito a territórios se comprovarem presença nas áreas até a promulgação da Constituição
Brasília|Do Estadão Conteúdo
Às vésperas do julgamento sobre a demarcação de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu que a Corte declare inconstitucional uma série de artigos da lei do marco temporal — aprovada pelo Congresso no ano passado em reação ao posicionamento do STF sobre o tema.
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O parecer foi apresentado nesta quinta-feira (11) no bojo de uma ação que entrou na pauta da sessão virtual do STF desta semana. Os ministros decidem se vão referendar a decisão liminar assinada pelo ministro Edson Fachin, em 2020, que suspendeu um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) no governo Michel Temer sobre a demarcação de terras indígenas, seguindo, na prática, a lógica do marco temporal.
Gonet destaca como o entendimento do STF é no sentido de que norma editada pelo Legislativo em contrariedade à jurisprudência do STF “nasce com inconstitucionalidade e se submete a exame mais rigoroso de compatibilidade com a Constituição”.
“A Corte entende que, nessa hipótese, cabe ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativa e fundamentadamente, a necessidade de superação da jurisprudência anterior do Tribunal”, ressaltou.
O procurador analisa os pontos da lei do marco temporal, apontando inconstitucionalidades em trechos de artigos e dispositivos — a começar pelo artigo 4º da norma, que resume a tese do marco.
O dispositivo estabelece que são terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que eram, “simultaneamente habitadas por eles em caráter permanente, usadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições” na data da promulgação da Constituição Federal.
O procurador-geral quer a derrubada quase integral do item, inclusive de uma série de parágrafos desse trecho. Um deles diz que a ausência da comunidade indígena na área a ser demarcada, na promulgação da Constituição, impede o reconhecimento da reserva como tradicionalmente ocupada.
Na avaliação de Gonet, os artigos devem ser anulados pois disciplinam, sem respaldo em lei complementar, a ocupação, o domínio, a posse e a exploração de terras indígenas e das riquezas nelas presentes.
Para ele, a norma estabelece regras opostas ao entendimento firmado pelo STF, “sem justificada razão para a superação dos sólidos fundamentos usados pelo Supremo Tribunal no recente julgado e repercussão geral”.
“A Corte entendeu que a teoria do Marco Temporal ignora a situação dos povos isolados, que têm pouco ou nenhum contato com a sociedade e que, por esse motivo, não podem fazer prova de que ocupavam as terras na data da promulgação da Constituição de 1988″, assinalou.