Polícia pede sequestro de 3 barcos, 8 carros e 19 imóveis de PM agiota
Sargento da PMDF movimentou pelo menos R$ 14,5 milhões, de acordo com as investigações. Esquema teria durado 15 anos
Brasília|Kelly Almeida e Emerson Fraga, do R7, em Brasília
A Polícia Civil do Distrito Federal pediu à Justiça o sequestro de 3 barcos de luxo, 8 carros e 19 imóveis no âmbito da Operação SOS Malibu, que investiga um esquema de agiotagem na capital federal envolvendo um sargento da Polícia Militar. Os bens foram dados em garantia por pessoas que pegaram empréstimo e, depois, transferidos ao terceiro-sargento Ronie Peter Fernandes da Silva por vítimas que não conseguiram quitar as dívidas.
A investigação da DRF/Corpatri (Divisão de Repressão a Roubos e Furtos da Polícia Civil do DF) mostrou que o militar atuava havia pelo menos 15 anos com agiotagem. Durante a operação SOS Malibu, foram presas outras cinco pessoas, incluindo o irmão de Ronie, Thiago Fernandes da Silva, e o pai dos dois, Djair Baía da Silva. Os irmãos não faziam questão de esconder a vida de luxo que levavam com o dinheiro obtido por meio da prática ilícita. Nas redes sociais, ostentavam viagens internacionais a destinos paradisíacos, lancha, moto aquática e carros de luxo, em especial da marca Porsche.
Para usufruir dessa vida, o militar chegava a cobrar juros que ultrapassavam 10% ao mês. Por vezes, no entanto, cobrava os valores semanalmente ou a cada dez dias. Em caso de atraso no pagamento dos juros, havia uma multa diária, que se somava às dívidas das vítimas. Para obterem os valores, ele e seu irmão faziam ameaças.
"Vou arrancar seu olho na mordida"
Áudios obtidos com exclusividade pelo R7 e pela Record TV demonstram a violência com a qual agia o policial militar. Em uma das gravações, ele detalha que está atrás da pessoa e que vai procurá-la em todos os lugares, chegando a ameaçar arrancar seus olhos. “Se eu fosse você, se eu tivesse uma amizade com alguém, ligava e falava 'pelo amor de Deus, vai lá, acerta com o Ronie. Porque eu peguei dinheiro com o Ronie duas vezes'. Eu com a minha família aqui e você me ligou igual a um vagabundo, pedindo para eu transferir, e eu transferi na hora”, disse no áudio.
“Vou atrás de você na sua casa, onde você estiver eu vou te achar hoje. O U*** quer te matar também. [...] Eu vou morder seu olho, vou arrancar seu olho na mordida. Eu não vou só te espancar, não. Vou te arrancar os pedaços, vou morder seu olho se eu te achar”, diz o PM. As ameaças eram constantes nos áudios enviados por WhatsApp, a maneira como ele costumava se comunicar.
Também por áudio, Ronie afirma a outra pessoa: "Dê seu jeito hoje. Nem dinheiro eu quis receber aquele dia, de raiva. Já tem mil que venceu dia 14. Cadê? Nem apareça no evento, suma". Mais um áudio obtido pelo R7 mostra como os valores cobrados eram abusivos. A pessoa deveria pagar R$ 800 de juros, mas, como atrasou, o valor virou R$ 1 mil. Caso ela não pagasse, Ronie ameaçou vender o veículo deixado com ele como garantia. O militar, conforme apuração da Polícia Civil, determinava que as vítimas passassem procuração de seus veículos e até imóveis e, caso não pagassem as dívidas, Ronie os vendia.
“Segunda-feira tu me transfere R$ 1 mil daqueles juros atrasados. Você teve o mês todinho, passou, seus negócios são para sexta, então na segunda é R$ 1 mil. Senão eu vou passar esse carro para a frente. Eu guardo carro velho, não tem problema, tem cara que deixa carro de R$ 1 milhão comigo e paga certinho. O seu era R$ 800 reais, [agora] vai pagar R$ 1 mil para aprender. E, quando for pagar o outro, vai pagar os juros de novo. Porque é brincadeira, bicho. Oitocentos reais, se você tivesse vigiando carro no meio da rua você ganhava. É muita comodidade. Oitocentos reais, passa 30 dias o cara não tem… Dava R$ 20 por dia. Se estivesse cheirando cola, o povo te dava o dinheiro. Então, já é R$ 1 mil segunda-feira. Senão, depois nem me liga que eu não tenho mais nem carro. [...] Se você não conseguiu R$ 1 mil no mês, você pode suicidar, chefe, sua vida está muito ruim”, afirma Ronie no áudio.
Ronie e outras seis pessoas foram presas temporariamente no último dia 16. No dia 18, a polícia pediu que as prisões dele e do irmão, Thiago, fossem convertidas em preventivas. "O pedido visa preservar a vida e a integridade física dos endividados e garantir a eficaz instrução, evitando o desaparecimento de bens dados como garantia e bens que serão objeto de medidas judiciais", detalhou o pedido da Polícia Civil do DF.
A prisão temporária dos investigados venceu no sábado (20). Com isso, quatro pessoas deixaram a prisão. Ronie e Thiago, no entanto, permanecerão presos por tempo indeterminado, já que o Judiciário atendeu ao pedido da Polícia Civil do DF para a conversão da prisão em provisória.
Mínimo de 14,5 milhões movimentados
Para tornar lícito o dinheiro obtido ao longo dos anos, o PM criou uma rede de empresas (existentes e de fachada) e pessoas para lavar os recursos. E as movimentações financeiras eram expressivas, na ordem de milhões de reais, apesar do salário de aproximadamente R$ 8 mil do militar. A situação chamou a atenção do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Relatório feito pelo órgão chegou a dar indicativo de agiotagem na atividade de Ronie. O órgão de fiscalização apontou movimentação financeira do militar incompatível com a renda declarada.
Conforme o Coaf, entre maio de 2017 e dezembro do ano passado, Ronie movimentou quantia superior a R$ 6 milhões em uma única conta-corrente. Um mercado em nome de Thiago e Djair movimentou R$ 8,5 milhões entre fevereiro e agosto deste ano. O valor é considerado incompatível com o porte da empresa, cujo faturamento é de R$ 30 mil mensais. Além disso, o Coaf indicou movimentação atípica de uma empresa de locação que, conforme investigação, não existe fisicamente, o que faz a polícia acreditar que se trata de uma empresa de fachada.
Há, ainda, transações atípicas identificadas pelo órgão de controle que envolvem Raiane Gonçalves, que está entre os alvos da operação da Polícia Civil. Ela é dona de uma empresa de estética e consta como proprietária de um veículo da marca Porsche usado por Thiago e Ronie. A empresa dela tem faturamento mensal de R$ 110 mil e movimentou, entre janeiro e agosto de 2021, R$ 8,8 milhões. O Coaf suspeita do uso de valores de terceiros para fins de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. As empresas e pessoas envolvidas recebiam e repassavam recursos entre si.
A empresa de Raiane, por exemplo, recebeu valores do mercado da família de Ronie.
O Coaf também detalha a movimentação de uma loja de uma rede de fast-food em Vicente Pires. Ela está em nome de Alexandre Rodrigues de Souza, outro alvo da operação. A loja tem movimentação financeira atípica, segundo o Coaf, e costuma receber valores de pessoas físicas diversas e empresas do ramo de compra e venda de veículos.
O que dizem os suspeitos
Em nota, a defesa do sargento Ronie Peter informou que o cliente não teve "direito ao contraditório em razão de se tratar de uma investigação policial, que boa parte do procedimento investigatório tramita em sigilo" e que "tudo será esclarecido no curso do procedimento". Detalhou ainda: "Podemos afirmar que foram intimadas pessoas apontadas nas investigações como vítimas, contudo, após esclarecerem as transações comerciais para a autoridade policial, estas não tiveram seus depoimentos formalizados e foram dispensadas sem nenhum registro".
O advogado de Thiago Fernandes, irmão de Ronie, informou que "jamais houve qualquer imputação de constrangimento, por quem quer que seja, mediante violência ou grave ameaça, com o fim de recebimento de vantagem econômica indevida ao investigado, elementos imprescindíveis à configuração do citado crime". A defesa disse ainda que "o investigado vem colaborando com as investigações, inclusive no que tange à entrega de senhas de aparelhos eletrônicos".
A defesa de Raiane Gonçalves informou que, além de nutricionista, ela é "empresária do ramo
imobiliário, realiza compra e venda de imóveis e veículos de luxo" e que "no mês de junho de 2021 vendeu para Thiago Fernandes o veículo Porsche Carrera 911, de cor vermelha, pelo valor de R$ 740 mil. À época da venda do veículo, Thiago pagou parte do valor à vista e financiou o restante". Afirma que "só descobriu a não transferência do referido veículo junto ao órgão de trânsito competente com os últimos acontecimentos". A defesa diz ainda que ela vendeu outros três carros a Thiago e que "os valores foram pagos através de transferência bancária de titularidade da empresa TR alimentos [um mercado em nome de Thiago e do pai]".
Os advogados da nutricionista confirmaram dois saques feitos por ela, um deles de R$ 800 mil e o outro de R$ 530 mil. "Utilizando tais valores para realização de pagamentos diversos, os quais possuem comprovantes e que estão à disposição da Justiça", complementa a nota.
Em nota, a Polícia Militar do DF garantiu que "instaurou um procedimento apuratório sobre o caso de imediato" e que "não compactua com nenhum desvio de conduta de seus integrantes". E finalizou: "Comprovados os indícios de irregularidades ou crimes, todas as medidas cabíveis ao caso serão tomadas".
Os outros investigados não foram localizados pela reportagem.