Políticos e especialistas criticam Lula por prometer doação a agência da ONU acusada de ajudar Hamas
Financiamento do Brasil à organização ocorre quando outros países decidiram cortar verbas destinadas às atividades da UNRWA
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
O anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre uma nova doação à Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) provocou reações entre parlamentares e especialistas. O financiamento do governo brasileiro à organização ocorre no momento em que outros países decidiram cortar verbas destinadas às atividades da UNRWA depois que a agência foi acusada por Israel de colaborar com o grupo terrorista Hamas. Ao R7, o Palácio do Planalto afirmou que não vai comentar o assunto.
O presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Israel no Congresso Nacional, senador Carlos Viana (Podemos-MG), criticou a decisão do governo federal, alegando que ela está fundamentada em referências equivocadas.
"O presidente tem áreas muito mais importantes para investir esse dinheiro no Brasil. Ele está prometendo recursos do contribuinte brasileiro para terroristas que usam essas doações para a construção de túneis, sequestro e estupro de pessoas, como o que aconteceu no dia 7 de outubro. Ao nosso ver, Lula está muito mal orientado e alinhando o Brasil a países pequenos na diplomacia", disse.
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O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-AL) classificou como um erro grave do governo financiar o que chamou de "bolsa terrorismo". "Esta decisão vergonhosa do atual governo [do Brasil] afronta a nação soberana do Estado de Israel, o único país daquela região consagrada que é um país democrático. É uma vergonha esse tipo de ajuda a um território ocupado e comandado por um grupo terrorista [...] Somos muito solidários ao povo palestino que também é refém desse grupo terrorista que, com essa ajuda agora do Brasil, passa a receber a tão sonhada bolsa terrorismo," afirmou.
O deputado Messias Donato (Republicanos-ES) divulgou um vídeo (assista abaixo) com críticas ao presidente Lula. "Mais uma decisão vergonhosa desse governo que afronta a democracia, as relações internacionais e os direitos humanos", disse, acrescentando que aguarda o governo federal declarar o Hamas como grupo terrorista.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) também classificou a conduta do governo federal como "lamentável". "O que esse governo está fazendo é instituindo a 'bolsa atentado'. Não cansam de envergonhar a nossa diplomacia no momento em que todos os países decentes do mundo estão indo pelo caminho inverso, cortando o financiamento para essa agência. O presidente Lula vai na contramão do mundo civilizado", declarou.
O presidente da Federação Israelita do Brasil, Marcos Knobel, também criticou a posição de Lula. "O presidente vai aumentar o pagamento a uma agência da ONU acusada de apoiar u grupo terrorista, quanto os países ocidentais e democráticos param de pagar. O Brasil vai na contramão, com ditaduras. O comportamento da diplomacia brasileira é lamentável na questão desse conflito", afirmou.
André Lajst, cientista político e presidente-executivo da Stand With Us Brasil, também condenou as falas de Lula e classificou as declarações do presidente como "vergonhosas". "Lula insiste no erro, insiste em falar coisas que não são verdades e fazer com que o Brasil tome posições diplomáticas na contramão da maior parte das democracias do mundo", discursou Lajst em um vídeo publicado nas redes sociais.
Para ele, as ações de Lula "apequenam a diplomacia brasileira, que sempre foi respeitada". "Gigante pela própria natureza e um anão diplomático novamente. Lula quer continuar dando dinheiro e aumentar o valor doado. O que os países que pararam de doar disseram é que precisam continuar ajudando os palestinos, mas não através da UNRWA — e muito menos dessa UNRWA, que precisa ser reformada, fechada ou transformada em uma coisa diferente para que a ajuda chegue na mão dos palestinos", defendeu.
Lajst argumenta que as declarações de Lula colocam o Brasil na contramão de países democráticos. "Lula não entende, aparentemente, como funcionam as relações internacionais e direitos de defesa. Se ele acha que [a reação de Israel aos ataques do Hamas] é desproporcional, o que seria proporcional?", questionou.
"Talvez ele esteja somente jogando frases ao léu para ser aplaudido por um público que gosta do que ele está falando, mas que não significam nada, no fundo", criticou, ao destacar que o Brasil "pode e deve" defender a criação de um Estado Palestino, mas sem deixar de lado a possibilidade de o povo israelense também existir politicamente.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP) pediu à Justiça a suspensão dos repasses do Brasil à agência. Em uma rede social, Kataguiri afirmou que a Constituição Federal impõe como princípios norteadores da administração pública, dentre outros, a legalidade e a moralidade. "O repasse de verbas públicas brasileiras para uma entidade acusada de envolvimento direto em atos terroristas, como é o caso da UNRWA, contraria frontalmente esses princípios," alegou.
Entenda a polêmica
Em janeiro, o governo de Israel acusou funcionários da UNRWA de envolvimento nos ataques terroristas do Hamas de 7 de outubro do ano passado. Devido à acusação, os Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão, Finlândia, Reino Unido, Itália, Alemanha, Holanda e Suíça suspenderam temporariamente as doações à agência da ONU.
Dias depois, o Ministério das relações Exteriores do Brasil informou que acompanha a denúncia feita por Israel. Em nota, o Itamaraty diz se preocupar com a redução das contribuições. "As referidas denúncias não devem, entretanto, ensejar redução das contribuições imprescindíveis ao funcionamento da UNRWA, em cenário que pode levar ao colapso das atividades da agência, em contexto de grave crise humanitária em Gaza e em prejuízo do cumprimento de recente decisão, de caráter juridicamente vinculante, pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), sobre o imperativo de garantir o acesso humanitário aos cidadãos de Gaza. A população civil palestina na região e os esforços de ajuda humanitária têm na UNRWA um ponto de apoio indispensável".
Desde 7 de outubro de 2023, a UNRWA realiza atendimento a mais de 1,4 milhão de pessoas na Faixa de Gaza. Além disso, 152 funcionários da agência em Gaza foram mortos desde o início da ofensiva militar israelense em resposta aos atos terroristas do Hamas.
À época, o governo brasileiro reforçou o pedido para o encerramento das hostilidades e a imediata liberação dos reféns em poder do Hamas. "O Brasil permanece comprometido com a defesa de um Estado palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital", disse o ministério.