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R7 Brasília

Projeto que aumenta possibilidade de penhora de único imóvel das famílias deve travar no Senado

Não há sinais de que a matéria será analisada em breve na Casa; texto é alvo de críticas de parlamentares e de especialistas

Brasília|Sarah Teófilo, do R7, em Brasília

Plenário do Senado, em Brasília
Plenário do Senado, em Brasília

O projeto de lei que amplia a possibilidade de penhora do único imóvel de uma família que for dado como garantia de empréstimo deve encontrar dificuldades no Senado. Na avaliação de senadores, a matéria não deve ser analisada neste semestre e qualquer discussão deve ficar para depois das eleições. O texto foi aprovado na Câmara no dia 1º e remetido ao Senado na última quarta-feira (8).

Vem se tornando praxe que projetos polêmicos, mesmo aprovados com facilidade na Câmara, sejam barrados no Senado. O presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) costuma enviar as matérias para as comissões permanentes e levar o assunto ao plenário só quando há algum consenso construído.

Primeiro vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) disse que a matéria não deve ser analisada antes do recesso parlamentar, o que ocorre em meados de julho. "Não há tempo. [...] Eu, particularmente, sou contrário ao ponto-base deste projeto, a questão de acabar com a impenhorabilidade", afirmou ao R7.

Líder do PSD, a segunda maior bancada da casa, com 11 senadores, Nelsinho Trad (MS) também se posiciona de forma contrária ao texto. "Nós vamos encaminhar contra essa violação do direito assegurado das famílias de não serem despejadas do único imóvel por dívida com banco. A população se vê cada vez mais endividada para sobreviver. Hoje, por exemplo, três em cada dez famílias estão inadimplentes no Brasil, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Precisamos proteger o mínimo, a dignidade da vida familiar", ressaltou.


Líder do bloco parlamentar Podemos e PSDB, Lasier Martins (Podemos-RS) disse que a proposta "é absurda". "Imagine um casal de idosos que mora em uma casa de família e o imóvel é penhorado. É uma violência. Vou me posicionar firmemente de maneira contrária", disse. Na avaliação do senador, o texto tem pouca chance de ser aprovado como está no Senado. "Duvido que haja maioria para aprovar isso. Acho que não vamos deixar", ressaltou. Para ele, a matéria só deve entrar em discussão depois das eleições, que ocorrem em outubro.

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O projeto, que é do governo federal, é alvo de críticas de especialistas. Entre as várias mudanças promovidas pela matéria, está a previsão de que o mesmo imóvel possa ser usado em diversas operações de financiamento e em bancos diferentes, podendo servir como garantia de empréstimos até chegar ao valor total do bem. Na prática, isso amplia a possibilidade de uma pessoa perdê-lo, porque basta ficar inadimplente com um dos bancos para que o imóvel lhe seja tomado.


O texto altera a Lei da Impenhorabilidade, de 1990, que prevê como regra que o imóvel de uma família — conhecido juridicamente como "bem de família" — não pode ser tomado e vendido, salvo em algumas exceções. Uma delas é "para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar", que nada mais é que o não pagamento do financiamento imobiliário.

A matéria muda esse trecho da lei, passando a permitir a penhora em caso de "imóvel oferecido como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro". Ou seja, se o pai garante uma dívida do filho com o imóvel, não adiantará alegar que não foi beneficiado pelo crédito concedido e que o imóvel é a única casa da família, como ocorre hoje.


O relator do projeto na Câmara, João Maia (PL-RN), disse que a proposta "zela pela coerência porque não se deve proteger alguém que oferece imóvel em garantia e, diante do descumprimento de obrigações garantidas, alega a impenhorabilidade do seu bem". No projeto, ele definiu que essa regra não vale para os "imóveis rurais oferecidos como garantia real de operações de financiamento da atividade agropecuária, salvo quando se tratar da hipoteca rural".

Especialistas afirmam ainda que, de forma geral, o projeto também simplifica os procedimentos de penhora. Se antes tudo passava pela instância judicial, o que torna o processo mais demorado, o projeto cria a figura das IGGs (Instituições Gestoras de Garantia), regulamentadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e que serviriam como intermediadoras do processo entre o tomador de empréstimo e o banco.

Essas IGGs avaliariam as garantias dadas e passariam todas as informações aos bancos. Seriam também as IGGs as responsáveis pela venda dos bens em caso de inadimplência, sem a necessidade da atuação do Judiciário.

Economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ione Amorim afirma que o projeto cria um ambiente de risco para o consumidor. "Um imóvel de família poderá ser dado como garantia para múltiplas operações de crédito. Isso fere a questão da impenhorabilidade do bem de família", ressalta.

A especialista explica que o consumidor precisa ter em mente que, caso aprovado, o projeto vai gerar um ambiente com menos flexibilidade para renegociar dívidas em caso de inadimplência, porque a unidade financeira terá uma casa como garantia. Além disso, por permitir que a residência seja usada para mais de um empréstimo, o devedor poderá chegar a um patamar que, mesmo vendendo a casa, não consiga quitar o total das dívidas.

"Isso só beneficia as instituições financeiras", diz. De acordo com ela, a proposta ocorre em um cenário em que o consumidor brasileiro não tem educação financeira e os bancos concedem crédito facilmente, desde que haja garantia (como desconto direto na folha de pagamento e, no caso do projeto, a única casa da família), sem analisar a capacidade de endividamento da pessoa.

Sobre a alteração feita no projeto da Lei da Impenhorabilidade, que possibilita que uma pessoa perca o imóvel ainda que a dívida seja de terceiro, Ione cita os casos de idosos alvos de violência financeira, argumentando que são diversas as situações em que filhos ou tutores ficam com a aposentadoria deles. Essa previsão, caso passe a estar na lei, abriria espaço, segundo ela, para que idosos alvos desse tipo de violência percam a casa com mais facilidade.

Isso só beneficia as instituições financeiras

(Ione Amorim, economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec)

Professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) do Rio de Janeiro, o jurista Gustavo Kloh ressalta que o texto "vai criar uma hipótese simplificada para que as pessoas renunciem ao bem de família". "Toda moradia tem proteção, e a pessoa só perde nos casos excepcionados pela Lei da Impenhorabilidade. Com o projeto, a pessoa vai renunciar à proteção do bem de família”, diz.

Kloh explica ainda que o projeto vai facilitar a consolidação da propriedade em alienação em nome do credor. "Hoje, o credor pega o imóvel e vende, mas esse procedimento vai ser simplificado. O projeto simplifica tudo. E o que simplifica é besteira? Não. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando um banco vai tomar um imóvel, a polícia coloca a pessoa para fora e pronto. A gente não vai chegar a isso, mas está tirando um monte de garantias que as pessoas têm sob esse pretexto de que vai ser mais fácil o acesso ao crédito", relata.

A alegação do Ministério da Economia é que o novo marco torna mais eficiente o uso de garantias para a concessão de crédito e que isso "vai contribuir para a diminuição de juros e o aumento da concorrência ao reduzir barreiras de entrada no setor", possibilitando que a população tenha acesso a financiamentos mais baratos.

O professor ressalta que não há comprovação de que isso vai acontecer de fato. "A ideia é que ofereçam taxas de juros menores à pessoa que topar a cláusula de renúncia ao único imóvel familiar. Mas isso vai se tornar real? Ou os juros vão continuar altos e só liberarão o crédito para quem assinar a cláusula? Eu sou pessimista. Vai ser igual à cobrança de bagagem, com a promessa de que iria cair o preço da passagem. É claro que não iria cair”, avalia.

Está tirando um monte de garantias que as pessoas têm sob esse pretexto de que vai ser mais fácil o acesso ao crédito

(Gustavo Kloh, jurista e professor da FGV do Rio de Janeiro)

Ele também aponta o receio de que não haja clareza na tomada de empréstimo e muitas pessoas acabem concordando em dar a casa como garantia sem sequer perceber. "Não dá para ser aquela coisa de internet, que não vê direito e clica na caixinha. Tem que ficar muito explícito que a pessoa está renunciando ao único imóvel da família. A renúncia não se presume", afirma.

Professor de direito econômico da UnB (Universidade de Brasília), Othon de Azevedo Lopes diz que o projeto abre uma porta para o superendividamento. "É um risco muito grande dentro da nossa realidade. Boa parte dos tomadores de empréstimo no Brasil são pessoas com uma instrução modesta e que poderiam, de forma desavisada, tomar esses empréstimos [dando suas casas como garantia] sem uma consciência completa da gravidade da decisão", explica.

Já a especialista em direito imobiliário Ana Carolina Osório defende a ideia de que o projeto apenas corrige trechos da legislação e concede mais segurança jurídica às operações. A advogada não acredita que as mudanças ampliem a possibilidade de penhora de um imóvel de família e ressalta que o banco fixa os juros com base no risco envolvido. Assim, a matéria, para ela, visa reduzir esse risco, para diminuir os juros e movimentar a economia.

"Quando se demora a executar uma dívida, os juros aumentam. Eles querem voltar a estimular a hipoteca. Mas, para isso, os bancos precisam ter um procedimento mais célere, sem a intervenção do Judiciário, para vender o imóvel e conseguir o crédito emprestado. É semelhante a como ocorre com a alienação fiduciária. Se você não realiza o pagamento, faz a conversão da propriedade para o banco, que leva o imóvel a leilão", explicou.

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