Relatório aponta que general Cid usou estrutura da Apex para negociar joias nos EUA
Agência, ainda, afirma que pai do ex-ajudante de ordens recebeu corretor que transportou os objetos de Orlando para Miami
Brasília|Do R7
O relatório da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) apontou a “prática de delitos e graves desvios de conduta” durante a gestão do general Mauro Lourena Cid à frente do escritório. No documento, a empresa atesta que o pai do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) utilizou a estrutura da instituição para receber o corretor de imóveis que transportou as joias, no âmbito do suposto esquema de venda ilegal de presentes presidenciais. Além disso, a Agência atestou a presença de funcionários fantasmas e uma “resistência explícita de Cid ao resultado eleitoral” de 2022.
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As investigações foram realizadas por técnicos da empresa, que está localizada nos Estados Unidos. Ao todo, 16 pessoas foram ouvidas e documentos internos foram analisados. Segundo as apurações, Cid utilizou o celular funcional para tirar as fotos obtidas pela Polícia Federal, que mostram o reflexo no general com um dos presentes supostamente desviados.
Veja os principais pontos descobertos:
Uso da estrutura para receber joias presidenciais
Celular e computador funcional
Já demitido do cargo, o general utilizou o celular funcional para compartilhar fotos das joias e objetivos de artes atribuídos ao ex-presidente Bolsonaro. A constatação foi feita a partir de mensagens obtidas pela Polícia Federal. Cid deixou o cargo no dia 3 de janeiro de 2023, e as imagens teriam sido enviadas um dia depois. Segundo depoimentos, o militar tirou as fotos no gabinete que ocupava como chefe do escritório. O mesmo aparelho celular, segundo o relatório, continuou a ser usado até o dia 7 de fevereiro, inclusive para conversar com o filho, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, coronel Mauro Cid.
O celular foi devolvido, mas os dados foram apagados de maneira irregular por um servidor. Já o notebook funcional, só foi entregue em 17 de janeiro. “Em ambos os casos, foi contrariado o procedimento padrão de devolução e apagamento dos dados de equipamentos da ApexBrasil, que devem ter sua integridade atestada e seus dados apagados por uma empresa prestadora de serviços de tecnologia contratada da Agência”, disse o relatório.
Crachá e Wi-fi
O documento também afirma que o general manteve o crachá de acesso ao prédio da instituição até o dia 9 de janeiro. Três dias antes, Cid recebeu um e-mail com uma senha para conectar com a rede Wi-fi do local.
“O relatório da Comissão concluiu que ficou comprovada a presença de Mauro Cid no EA [escritório] semanas após a sua demissão, tempo suficiente para agir conforme seus interesses e afastar qualquer evidência.”
Corretor no gabinete oficial
Um exame feito na agenda do general mostrou que em 1º de agosto de 2022, ele recebeu no gabinete o corretor de imóveis Cristiano Piquet, da Piquet Realty, que confessou à PF ter transportado uma mala de joias do ex-presidente Bolsonaro de Orlando para Miami, cidade onde fica o escritório da Agência.
Segundo a Apex, depoimentos revelaram ainda a frequência de pessoas alheias aos negócios da instituição no gabinete, sem registro em agenda. Depois da sua exoneração, o general esteve no escritório acompanhado da mulher e do filho Mauro Barbosa Cid, tendo ficado trancados na antiga sala por algumas horas.
‘Resistência explícita ao resultado eleitoral’
Os depoimentos colhidos pelos técnicos da Apex também mostraram que o general manifestava repetidamente aos funcionários uma convicção de que “mesmo após eleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tomaria posse e de que ele continuaria em seu cargo à frente do escritório”. Na avaliação da comissão, tal expectativa pode ser lida a partir da ruptura institucional que, na ocasião, articulava-se em setores militares e que culminou na tentativa golpista de 8 de janeiro de 2023.
O documento também afirma que no dia 3 de dezembro de 2022, Cid visitou o acampamento montado em frente ao QG do Exército, em Brasília. Ele estava acompanhado por dois funcionários, apontados como os “os servidores mais próximos do general”.
Agenda de “baixo perfil”
A análise da agenda também apontou, segundo o documento da Apex, que Cid “jamais fez proposições voltadas à exportação ou captação de investimentos. Não solicitou relatórios, tampouco avaliou resultados”. Segundo relatos unânimes, o general aprovava todas as propostas levadas a ele, sem aprofundar conteúdos, sugestões ou reparos.
Anexo consular
As investigações internas mostraram que escritórios da Apex em Miami ganhou a condição diplomática de “anexo consular”. Na prática, ela dá aos dirigentes do escritório benefícios e imunidades concedidas a diplomatas, como, por exemplo, maiores facilidades para obtenção de vistos. “A direção da ApexBrasil já iniciou tratativas junto ao Ministério das Relações Exteriores para rever esse status”, ressaltou o relatório.
Funcionário fantasma
As apurações da Comissão a contratação do médico de Jair Bolsonaro, que segundo relatos colhidos, foi imposto à equipe, contratado pela sede em Brasília e expatriado por meio de instrumentos de excepcionalidade em abril de 2022. Segundo o relatório, o médico não desenvolvia nenhuma atividade profissional que mantivesse ligação com o cargo de assessor, e nem frequentava as dependências do escritório. “O fato configura uma contratação fraudulenta.”, afirma.
Falta de controle
Os fatos constatados pela agência apontam para “a negligência do general Lourena Cid em suas funções à frente do [escritório de] Miami”. Entre os pontos identificados, estão a desobediência às Instruções Normativas da Agência sobre home office e teletrabalho, a falta de controle de frequência ou acesso ao escritório.
Próximos passos
As conclusões obtidas no relatório vão ver enviadas para o STF (Supremo Tribunal Federal), TCU (Tribunal de Contas da União) e a PF (Polícia Federal). Por meio de nota, a diretoria da Apex decidiu fazer uma “uma intervenção no escritório de Miami, designando temporariamente para seu comando servidora da Agência qualificada e experiente, com a missão de avaliar todos os aspectos de sua funcionalidade operacional e negocial e propor completa reestruturação. Este trabalho encontra-se em fase de conclusão”, concluiu.