Reunião de chanceleres do G20 foi positiva para Brasil, apontam especialistas
País preside grupo que reúne as principais economias do mundo e quer reformar os organismos multilaterais, como a ONU
Brasília|Plínio Aguiar, do R7, em Brasília
Especialistas consultados pela reportagem apontam que é positivo o saldo para o Brasil, que sediou nesta semana, no Rio de Janeiro, a reunião dos chanceleres do G20, grupo que reúne as principais economias do mundo. O encontro ocorreu nos dias 21 e 22 de fevereiro e contou com a presença de 45 delegações, incluindo diversos países e organizações internacionais.
De acordo com o Itamaraty, o governo brasileiro teve 17 reuniões bilaterais com os seguintes países: Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, França, Indonésia, Japão, México, Rússia, Turquia, União Africana, Angola, Egito, Noruega e Portugal. O governo também se encontrou com a ONU. Os eventos ocorreram em horários alternativos aos das sessões oficiais, segundo a pasta.
A secretária de Europa e América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, embaixadora Maria Luisa Escorel, argumentou sobre a relevância de encontros desse tipo. "Às vezes, nas bilaterais se discutem até coisas mais importantes do que durante o plenário. São grandes oportunidades para discutir os interesses comuns, sejam questões bilaterais, questões regionais ou questões globais. São oportunidades em que as duas autoridades estão mais próximas, de uma maneira mais privada, em que se sentem mais à vontade para tocar nos assuntos mais sensíveis", disse.
Como anfitrião da agenda, o Brasil não solicita as bilaterais, mas recebe os pedidos via Itamaraty. As reuniões bilaterais realizadas pelo Brasil tiveram a presença de Vieira e do negociador principal do Brasil no G20, Mauricio Lyrio.
Os principais temas são os relacionados à própria agenda do fórum. As reuniões bilaterais duram entre trinta minutos e uma hora, tempo mais enxuto devido à dinâmica dos encontros de chanceleres. Os representantes dos países têm a oportunidade de destacar quais os temas de maior importância para suas nações e de adiantar intervenções que serão feitas nas sessões gerais, por exemplo.
A professora de direito da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso afirma que as decisões, recomendações e agenda do G20 têm impacto global. Juntos, os países são responsáveis por 85% do PIB (Produto Interno Bruto), mais de 75% do comércio e quase dois terços da população mundial. "Qualquer pauta que seja definida e incluída na pauta de trabalho do grupo na verdade vai ditar a agenda internacional", disse.
"O saldo do encontro dos chanceleres é muito positivo, principalmente para o Brasil, que tentava emplacar pautas de interesse na agenda internacional, como a reforma de instituições e organismos multilaterais. É um tema que estava na agenda do G20 nos anos anteriores, mas que agora vai para a pauta principal. E o presidente Lula tem defendido essa medida, numa espécie de porta-voz dessa agenda", argumenta Maristela.
O professor de relações internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rodrigo Amaral também vê saldo positivo da agenda do G20. "Havia a expectativa para uma eventual represália após a fala de Lula sobre Israel e que comparou ao Holocausto, mas não. O único aspecto nessa questão é do presidente brasileiro com Israel, que é ator da guerra", disse.
"É uma reunião, nem tanto de avanço, mas sim de apresentação, dos objetivos da presidência brasileira à frente do G20. O que podemos observar é que a estratégia da política externa é de colocar o Brasil como a liderança do sul-global e, mais do que isso, emplacar a agenda interna no cenário internacional", avalia Amaral.
Uma das intenções brasileiras é de reformar as instituições multilaterais, como a ONU. Para o professor da PUC-SP, há um cenário de inviabilidade. "Quando observamos o Conselho de Segurança, por exemplo, temos um cabo de guerra, em que Estados Unidos está de um lado, a Rússia e China de outro. Então mudar isso será um passo difícil, e o lado brasileiro está tentando agregar ao máximo diversos atores internacionais para emplacar a medida."
A embaixadora Maria Luisa Escorel destacou que as pautas apontadas como prioritárias pelo Brasil na presidência do G20 são consenso entre os participantes, com destaque ao tema da reforma da governança global. "À luz da situação do mundo em termos geopolíticos, da questão dos conflitos que vêm se multiplicando e se agravando, não há como escapar de uma reforma da governança global, seja do Conselho de Segurança da ONU, seja das organizações financeiras. É preciso encontrar soluções para que a comunidade internacional esteja mais preparada para lidar com essas questões tão sensíveis que vem afetando o mundo inteiro", afirmou.
Em seu discurso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, defendeu a necessidade urgente de reforma na governança global e da importância de ações concretas para instaurar a paz em regiões que estão em conflito. "Vários países reiteraram a sua condenação da guerra na Ucrânia, como tem acontecido desde 2022 após o início do conflito, e que ocorreram durante as presidências da Indonésia e da Índia. Grande número de países, de todas as regiões, expressou a preocupação com o conflito na Palestina, destacando o risco de alastramento aos países vizinhos. Vários demandaram, ademais, a imediata libertação dos reféns em poder do Hamas", afirmou Vieira.
"Nesse contexto, houve diversos pedidos em favor da liberação imediata do acesso para ajuda humanitária na Palestina, bem como apelos pela cessação das hostilidades. Muitos se posicionaram contrariamente à anunciada operação de Israel em Rafah, pedindo que o governo de Israel reconsidere e suspenda imediatamente essa decisão. Destacou-se, ademais, virtual unanimidade no apoio à solução de dois estados como sendo a única solução possível para o conflito entre Israel e Palestina", acrescentou.
Em relação à reforma da governança global, o ministro argumentou que todos concordaram com a necessidade da medida nas principais instituições multilaterais, como a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O objetivo brasileiro é dar maior representante aos países em desenvolvimento e de fortalecer mecanismos de solução de controvérsias.
Durante a agenda, o Brasil apresentou uma proposta de realização de uma segunda reunião de chanceleres do G20, desta vez em setembro, na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nos Estados Unidos. "Será a primeira vez que o grupo se reunirá dentro da sede das Nações Unidas, em sessão aberta para todos os membros da organização, para promover um chamado à ação em favor da reforma da governança global", disse Vieira.
Participaram da agenda do G20 no Rio de Janeiro autoridades dos seguintes países: Brasil, Índia, África do Sul, União Africana, Argentina, Austrália, Canadá, China, União Europeia, França, Alemanha, Indonésia, Itália, Japão, México, Coreia do Sul, Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos da América. A lista segue com as nações convidadas, sendo Angola, Bolívia, Egito, Nigéria, Noruega, Paraguai, Portugal, Singapura, Espanha, Emirados Árabes Unidos e Uruguai.