Sem dar detalhes, Lula diz que Brasil é soberano e vai taxar big techs norte-americanas
Iniciativa seria resposta às últimas medidas anunciadas por Trump, como taxação extra e investigação por suposta violação comercial
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou nesta quinta-feira (17) que o Brasil vai taxar as grandes empresas norte-americanas de tecnologia, conhecidas como big techs. Sem dar detalhes da nova tarifa, o petista destacou que o Brasil é “soberano” e voltou a criticar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
“Este país só é soberano porque o povo brasileiro tem orgulho deste país. A gente vai julgar e vai cobrar imposto das empresas americanas digitais. Nós não aceitamos que, em nome da liberdade de expressão, sejam usadas para fazer agressão, mentira, para prejudicar. Violência contra criança, ódio entre as crianças, violência contra as mulheres, contra os negros, contra LGBTQIA+... Aqui, a gente não vai permitir, porque o dono do Brasil é o povo brasileiro”, afirmou, em evento da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Goiânia (GO).
Entre as big techs, estão empresas como Google, Amazon e Meta, responsável pelas redes sociais WhatsApp, Facebook e Instagram.
Na semana passada, Trump anunciou que vai taxar em 50% todos os produtos brasileiros comprados pelos EUA.
Dias depois, a Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) anunciou a abertura de uma investigação sobre o Brasil (leia mais abaixo) por supostas práticas comerciais desleais, envolvendo o Pix e medidas brasileiras de controle de desmatamento ilegal.
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Tarifaço de Trump
A medida tarifária tem vigência, de acordo com o republicano, a partir de 1º de agosto. A determinação, segundo Trump, é em resposta a uma suposta “censura” praticada pelo Brasil contra empresas norte-americanas e em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — que é, nas palavras do republicano, vítima de uma “caça às bruxas”.
Lula voltou a criticar Trump e pediu novamente que o norte-americano respeite o Brasil. O petista afirmou, ainda, que a carta do republicano (leia mais abaixo) foi “desrespeitosa” e declarou que não aceitará ordens de “um gringo”.
“Quando o cara truca [jogo de baralho], a gente tem que escolher, eu corro ou eu grito seis na orelha dele”, comparou.
“Eu estou jogando. O Brasil gosta de negociação, respeita negociação, dialogo, não tem contencioso com nenhum país do mundo, mas um cara, que nasceu em Caetés [PE], chegou em São Paulo com 7 anos, comeu pão pela primeira vez com 7 anos, sobreviveu criado por uma mãe com 8 filhos e chegou à presidência da República, não é um gringo que vai dar ordem a este presidente”, destacou.
Comitê de negociação
Após o anúncio de Trump, Lula determinou a criação de um comitê interministerial para discutir a tarifa.
O grupo de trabalho é chefiado pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, também reúne empresários e o setor produtivo.
O trabalho do governo federal busca reverter a taxação de Trump — desde a última terça (15), Alckmin tem se reunido com os setores produtivos impactados, além de representantes do agronegócio e empresas norte-americanas.
“Eu nasci aprendendo a fazer negociação. Tenho certeza que o presidente americano jamais negociou 10% do que eu negociei na minha vida, jamais. Então, se tem uma coisa que eu sei na vida é negociar. E é por isso que Brasil é defensor do multilateralismo”, destacou, ao afirmar que a carta de Trump foi “desrespeitosa”.
“E nos intimando. A carta não fala em negociação. A carta é: ‘Ou dá, ou desce’”, criticou Lula.
Apesar do esforço, a gestão do petista não descarta aplicar a Lei da Reciprocidade, recém-aprovada pelo Congresso Nacional e regulamentada por decreto de Lula nesta semana.
O Executivo também cogita acionar a OMC (Organização Mundia do Comércio), da qual Brasil e EUA fazem parte.
“Estamos com muita tranquilidade. Meu vice e o ministro das Relações Exteriores [Mauro Vieira] estão negociando há mais de dois meses. Nada é conseguido na marra, mas tudo é conseguido numa boa conversa, numa boa disputa de conhecimento. Vamos responder da forma mais civilizada possível e da forma que um democrata responde”, acrescentou.
Carta a Lula
Em carta, enviada nominalmente a Lula na semana passada, Trump anunciou que, a partir de 1º de agosto, vai taxar em 50% todos os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos.
O texto foi publicado em uma rede social do presidente norte-americano.
Segundo o republicano, a medida é uma resposta direta a supostos ataques do Brasil à liberdade de expressão de empresas norte-americanas e à forma como o país tem tratado Bolsonaro.
Além de inelegível até 2030, o ex-presidente é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.
Para o líder norte-americano, o julgamento e as investigações que envolvem o ex-presidente brasileiro configurariam uma “caça às bruxas” que deveria “terminar imediatamente”.
Investigação dos EUA
A apuração, anunciada pelos Estados Unidos, será feita com base na Seção 301 do Ato de Comércio, de 1974.
Segundo a USTR, a medida visa apurar se atos, políticas e práticas do governo brasileiro em áreas como comércio digital, serviços de pagamento eletrônico, como o Pix, tarifas preferenciais, combate à corrupção, proteção de propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e controle de desmatamento ilegal são injustificáveis ou discriminatórios e impõem restrições ao comércio norte-americano.
A investigação questiona práticas brasileiras em seis frentes:
- Comércio digital e serviços de pagamento eletrônico: o governo norte-americano avalia que o Brasil possa estar retaliando empresas de tecnologia dos EUA por não censurarem discursos políticos, além de restringir sua atuação no país;
- Tarifas preferenciais: os EUA alegam que o Brasil concede tarifas mais baixas a alguns parceiros comerciais competitivos globalmente, o que colocaria exportações americanas em desvantagem;
- Combate à corrupção: há preocupações com a suposta falta de aplicação de medidas anticorrupção e de transparência, o que violaria normas internacionais de combate a subornos;
- Propriedade intelectual: o Brasil é acusado de não oferecer proteção e aplicação eficazes dos direitos de propriedade intelectual, o que prejudicaria trabalhadores americanos de setores baseados em inovação e criatividade;
- Mercado de etanol: os EUA afirmam que o Brasil recuou de compromissos de oferecer tratamento praticamente livre de tarifas para o etanol norte-americano, aplicando agora tarifas substancialmente mais altas;
- Desmatamento ilegal: segundo o USTR, o Brasil estaria falhando na aplicação de leis contra o desmatamento ilegal, o que impactaria negativamente a competitividade de produtores americanos de madeira e produtos agrícolas.
A Seção 301 do Ato de Comércio autoriza o governo norte-americano a investigar e responder a práticas consideradas injustificáveis ou discriminatórias por governos estrangeiros.
Como parte do processo, os EUA solicitaram consultas com o governo brasileiro e marcaram uma audiência pública para 3 de setembro. Interessados em participar devem enviar comentários por escrito e pedidos para falar na audiência até 18 de agosto.
Caso a investigação confirme as alegações, o governo dos EUA poderá adotar medidas de retaliação, como novas tarifas ou restrições comerciais, para proteger seus interesses.
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