Senadores articulam lei para proibir empréstimos do BNDES a projetos no exterior
O assunto ganhou destaque após Lula sinalizar a volta de financiamentos no exterior com foco em gasoduto na Argentina
Brasília|Bruna Lima, do R7, em Brasília
O Senado começa o ano legislativo, em 1º de fevereiro, com articulações para barrar financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a governos estrangeiros e a projetos em outros países. A proposta chegou a ser aprovada pela Comissão de Assuntos Econômicos, mas teve a tramitação interrompida no fim do ano passado.
Para que o projeto de lei volte a ser discutido, é necessário o aval de um terço dos senadores. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que vai encabeçar a corrida pelas assinaturas. Segundo ele, o assunto ganhou relevância com a sinalização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de propor novos financiamentos no exterior com recursos do BNDES.
"Considero uma afronta querer fazer obras lá deixando de fazer aqui. Então este projeto acaba com essa farra", justificou Valério, lembrando que os governos PT financiaram "obras no exterior, principalmente Cuba e, agora, Argentina, em detrimento da população brasileira".
Em viagem à Argentina, Lula afirmou que iria fazer esforços para que a instituição financeira voltasse a financiar projetos em países do continente sul-americano. "Vamos criar condições para fazer o financiamento para ajudar o gasoduto [na Argentina]. Acho que pode e é necessário que o Brasil ajude no financiamento a outros países. É isso que vamos fazer dentro das condições econômicas do nosso país", declarou.
O BNDES já liberou recursos para países investigados pela Lava Jato e há histórico de inadimplência. Até setembro de 2022, havia pagamentos não realizados, por exemplo, por Moçambique (R$ 627 milhões), Cuba (R$ 1,1 bilhão) e Venezuela (R$ 3,5 bilhões).
Quando há inadimplência do devedor, o BNDES pode ser ressarcido pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que cobre calotes em operações de empresas nacionais fora do país. O FGE já devolveu ao banco aproximadamente R$ 5 bilhões — o que significa que ainda faltam R$ 100 milhões.
A origem dos recursos que alimentam o FGE é brasileira. Compõem o fundo, por exemplo, o resultado das aplicações financeiras dos recursos do BNDES, as comissões decorrentes na prestação de garantia e recursos do Orçamento da União.
O R7 questionou o BNDES sobre a data em que os valores serão cobertos integralmente. O banco afirmou que o ressarcimento será feito na íntegra, mas não especificou quando.
De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, "não há risco de prejuízo", já que "os acordos do BNDES têm garantias e seguros e há uma larga tradição de receber o que emprestou". Além disso, segundo a pasta, "o financiamento é feito para empresas brasileiras que vão exportar e gerar empregos aqui no Brasil".
Especialistas opinam
Os esforços de Lula para ampliar os empréstimos a projetos no exterior são vistos com "preocupação" pelo jurista Ives Gandra. Para o advogado, o foco do BNDES deveria ser o crescimento interno. "Temos de atrair investidores estrangeiros para o Brasil, não levar empresas para o exterior. Ele fala de financiamento brasileiro para a Argentina, quando, na verdade, precisamos investir no Brasil. Nosso país tem fome e precisa de empregos", afirma.
Gandra destaca, ainda, o caráter político da questão. "Todos estamos lutando e aprendendo, inclusive o próprio governo federal, que não podemos aceitar atentados contra a democracia. Temos de preservar a democracia brasileira, e para isso é melhor trabalhar com outras democracias. Então, há punição aqui [pelos atos extremistas de 8 de janeiro], mas pretende fazer negócios com ditaduras", argumenta.
A advogada Maria Victoria Hernandez Lerner, ex-assessora da presidência do BNDES, explica que a linha de crédito com atuação no exterior não descumpre os objetivos do banco. "O banco fomenta o desenvolvimento de empresas brasileiras. É importante ressaltar que o desembolso de recursos do BNDES para a infraestrutura, no Brasil, é da ordem de 36%, enquanto o apoio a exportações de bens e serviços brasileiros a países estrangeiros totaliza 1,3% dos desembolsos totais do banco", afirma.
Oposição no Congresso se articula
A base aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pretende apoiar em peso a proposta no Senado a fim de barrar futuros empréstimos. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chamou a tentativa de Lula de "caridade com o chapéu alheio". "É no mínimo temerário deixar que esses empréstimos e financiamentos sejam feitos como nas primeiras gestões do PT, sem critérios técnicos e sem garantias reais. Empréstimo por amizade é doação e é também irresponsabilidade", declarou.
Na Câmara, o assunto também tem apoio. A deputada Paulo Belmonte (Cidadania-DF) reforçou apoio à articulação que ocorre no Senado. "Como vice-presidente da CPI do BNDES, investiguei os prejuízos dos empréstimos para os brasileiros. Não podemos permitir que aconteça novamente", disse.
Neste movimento de travar os empréstimos, o deputado Vicentinho Júnior (PP-TO) anunciou que também vai apresentar um projeto alterando a Lei das Estatais. A ideia é fazer com que o BNDES só possa fazer empréstimos externos para obras quando as do Brasil estiverem "em dia". "Não faz sentido investirmos fora sem antes cuidarmos daqui", justificou.