STF decide validar grampos autorizados por Moro em 2004
Os ministros mantiveram, por 6 a 4, sentenças do ex-juiz federal sustentadas por interceptações
Brasília|Emerson Fonseca Fraga, do R7, em Brasília
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta quinta-feira (17), manter a possibilidade de renovações sucessivas de interceptações telefônicas, mas apenas quando a medida for "necessária, adequada e proporcional". Foram 6 votos contra e 4 a favor do relatório de Gilmar Mendes, que acabou sendo parcialmente derrotado 'de virada'.
O processo julgado é relacionado à Operação Sundown, realizada em 2004 pela Polícia Federal para apurar a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, corrupção, descaminho, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha no Paraná por pessoas ligadas ao grupo Sundown, dos empresários uruguaios Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern, que fabricava motos e bicicletas.
A investigação teve a participação do ex-procurador da República Deltan Dallagnol e escutas autorizadas pelo ex-juiz federal Sergio Moro, que na época atuava na 2ª Vara Federal de Curitiba. Os dois ficaram conhecidos pela Operação Lava-Jato.
Os ministros do STF declararam a constitucionalidade da prorrogação sucessiva das escutas por mais de 30 dias. A Lei 9.296/1996 prevê que a interceptação telefônica pode ser determinada por meio de decisão fundamentada do Judiciário, se for indispensável como meio de obter provas, e pode durar até 15 dias, renováveis por mais 15.
As provas obtidas por grampos telefônicos relacionados ao caso, que duraram mais de dois anos, sem interrupção, haviam sido declaradas nulas pela Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2008, no julgamento de um habeas corpus. A PGR (Procuradoria-Geral da República) recorreu ao Supremo para reverter a decisão por meio de recurso extraordinário (625.263/PR), que só agora foi julgado. A decisão do tribunal torna válida a condenação dos dois réus.
Votos dos ministros
O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, entendeu que as escutas podem ser prorrogadas por diversas vezes, mas que a autorização judicial para a extensão do prazo não deve ser padronizada e sem ligação com a situação concreta. "A decisão que autoriza a renovação da interceptação deve ser motivada em elementos concretos, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações a partir das informações coletadas", afirmou. Todos os ministros concordaram com essa parte do voto.
Sobre a Operação Sundown, o ministro entendeu que a nulidade deveria ser mantida pelo fato de que as autorizações para os grampos foram genéricas, parte em que foi vencido. "A falha da fundamentação da prorrogação não foi algo eventual, mas uma deficiência que permeou todo o período, especialmente o primeiro ano de interceptações. Nesse contexto, tenho [...] que as interceptações são nulas, por deficiência de fundamentação", alegou.
Acompanharam o voto de Gilmar Mendes os ministros Dias Toffoli, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski. Alexandre de Moraes abriu divergência e recebeu a adesão de Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, André Mendonça (que mudou o voto no meio do julgamento para aderir ao colega) e o presidente da Corte, Luiz Fux. Luís Roberto Barroso declarou-se suspeito e não votou.
Moraes entendeu que há a possibilidade de renovações sucessivas das interceptações telefônicas. Ele disse que regras contrárias a isso poderiam invalidar grandes condenações.
"Interceptação telefônica já é, hoje, um meio muito inútil de prova. Essa é a verdade. A partir dos aplicativos — WhatApp e, agora, o famoso Telegram —, é muito difícil alguém ser capturado em uma interceptação telefônica. Tem que ser muito amador, realmente, para que possa ser capturado. Hoje, a dificuldade de interceptar o crime organizado é muito grande. [...] Dependendo da tese, nós vamos ter uma enxurrada de ações tentando anular o que era eficaz. A interceptação telefônica só em filme e série norte-americana é que se pega no primeiro fim de semana. [...] São meses, meses... Às vezes anos. Esse prazo não é excessivo."
"Não é possível exigir que, a cada 30 dias, para renovar, fale: olha, nos outros 30 dias eu peguei alguma coisa, então agora eu posso continuar. Se pegou, não precisaria nem continuar. Na verdade, a continuidade disso [...] se dá exatamente porque, apesar da base probatória que permitiu ao juiz deferir a interceptação, ela ainda não foi eficaz, porque é um meio de prova dificílimo", afirmou.
No caso concreto, Moraes votou pela modificação da decisão do STJ e validação das provas obtidas. Segundo ele, as interceptações "foram fundamentais, imprescindíveis, não só para a denúncia, mas também para o recebimento da denúncia. Ou seja, tá demonstrando aqui uma investigação bem-feita".
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PGR (Procuradoria-Geral da República)
Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, que representa a PGR — órgão que recorreu das declarações de nulidade da Operação Sundown —, os períodos de escuta não devem ser limitados. Segundo Medeiros, a decisão impossibilitaria a apuração de fatos que surgem durante a investigação. "Só se faz uma escuta telefônica quando temos um agente criminoso com fortíssimos indícios a seu respeito."
"Imaginemos o que é o Estado ter que perseguir a máfia, com o direito de uma bala de prata de 30 dias ou 60 dias de escuta. O que é isso senão uma renúncia ao dever do Estado de proteger a sua sociedade?", questionou.
Defesa
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, que representa o empresário Rolando Rozenblum Elpern, defendeu a ideia de que a nulidade das escutas seja mantida pelo STF. De acordo com Kakay, as interceptações telefônicas abrangeram conversas que não tinham relação com as investigações, a exemplo de diálogos com familiares dos investigados. "É mais do que falta de fundamentação. São os policiais dizendo que não têm nenhum indício, e o doutor procurador insistindo em renovar e o doutor juiz insistindo em determinar que fosse feita a renovação", alegou.
Conforme defende José Carlos Cal Garcia Filho, advogado de Isidoro Rozenblum Trosman, a legislação versa que "não será autorizada a interceptação telefônica se não houver indícios veementes de crimes — de autoria de crimes ou participação em crimes — e se os crimes não forem suficientemente graves, punidos com reclusão".
O jurista citou o ex-ministro do STJ Nilson Naves para defender que o prazo de interceptação telefônica seja "razoável". "Se não de 30 dias — embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei — por que não os 60 dias do Estado de defesa (Constituição, artigo 136). Ou por que não razoável prazo — desde que, é claro, nesse caso, tenhamos exaustivamente fundamentada [decisão]."
Tese de Gilmar Mendes
Apesar de ter tido o relatório rejeitado pela maioria, quatro teses do ministro Gilmar Mendes sobre as interceptações telefônicas foram acatadas pelo plenário. São elas:
"1 - A medida de interceptação telefônica pode ser prorrogada por períodos sucessivos de 15 dias, enquanto for necessária, adequada e proporcional;
2 - A fundamentação das prorrogações deve cotejar o material interceptado com as hipóteses investigativas trabalhadas. É necessário que se demonstrem os resultados que ainda podem ser aportados pelo meio de investigação em andamento, para justificar a necessidade de sua prorrogação;
3 - A decisão que autoriza a renovação de interceptação deve ser motivada em elementos concretos, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações a partir das informações coletadas até o momento e os potenciais resultados ainda esperados. Assim, são ilegais motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto;
4 - Os critérios consolidados na presente tese não se aplicam automaticamente aos casos já decididos. A averiguação da validade constitucional das sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas, para fins de decretação de eventual nulidade, deve ser realizada caso a caso pela respectiva autoridade competente, se não preclusa a matéria. Ficam ressalvados ainda os processos já transitados em julgado."