Tarifaço de Trump revela custo de deixar ideologia interferir na economia, alertam economistas
Especialistas dizem que governo precisa blindar interesses econômicos para evitar isolamento e prejuízos de longo prazo
Brasília|Do R7, em Brasília

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa geral de 50% sobre todos os produtos brasileiros expôs o risco de deixar disputas políticas e ideológicas se sobreporem aos interesses econômicos. Para especialistas ouvidos pelo R7, o episódio mostra como o governo brasileiro acabou dando margem para que questões internas — como o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) — fossem usadas como justificativa para uma retaliação comercial que não encontra sustentação técnica.
“Há poucos dias, Trump comentou que iria aumentar as tarifas com relação aos membros do Brics, e logo no dia seguinte ele apresenta uma carta ao Brasil aumentando em 50% as tarifas, que não têm nenhum viés econômico. Porque o argumento é de que haveria por parte do Brasil práticas antidemocráticas, inclusive mencionando o nome do ex-presidente brasileiro. Então, mostra que, de fato, não é a questão econômica, é uma questão mais ampla, geopolítica”, avalia o economista e professor de mercado financeiro da UnB (Universidade de Brasília) César Bergo.
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Bergo destaca que, além do tom agressivo, a carta enviada por Trump revela uma postura de “colocar o Brasil no corner”, enquanto a maior potência mundial usa tarifas para forçar concessões políticas.
Para o economista Hugo Garbe, o melhor caminho é manter uma postura pragmática, focada em proteger interesses comerciais, evitar ruídos desnecessários e não usar a política externa como extensão de disputas ideológicas, como discursos sobre a criação de uma moeda alternativa para enfraquecer o dólar.
“O Brasil não deveria entrar nessa dividida. Está fazendo mal para a economia brasileira e para o Brasil”, avalia. “É imprescindível manter canais abertos para negociação diplomática, evitando que a escalada se torne irreversível”, acrescenta.
Para Bergo, o impacto mais imediato deve atingir setores como o agronegócio, responsável por boa parte das exportações brasileiras aos EUA, sobretudo commodities. Apesar disso, ele lembra que o Brasil pode redirecionar parte dessa produção para outros mercados, como China e União Europeia.
Bergo também avalia que o pano de fundo pode incluir uma reação americana à crescente aproximação entre Brasil e China, o que amplia o componente geopolítico de uma decisão que, em tese, deveria ser técnica.
“É necessário que o atual governo blinde o Brasil desses ataques através do campo diplomático, deixando a calma permear as atitudes para que a gente possa, de alguma forma, encaminhar os interesses do Brasil”, pontua.
Risco de isolamento e reputação em jogo
Na mesma linha, Garbe destaca que a contaminação ideológica das relações comerciais pode ter efeitos ainda mais profundos do que o impacto imediato de uma tarifa pontual.
Para ele, o maior dano está na erosão da previsibilidade, um dos pilares que sustentam o comércio internacional e atraem investimentos.
“Quando divergências ideológicas se sobrepõem aos interesses econômicos concretos, cria-se um ambiente de incerteza que mina a confiança mútua, fragiliza contratos internacionais e inibe o planejamento de longo prazo das empresas. Isso não apenas afeta o Brasil no curto prazo, com medidas tarifárias pontuais, como também compromete sua reputação como parceiro confiável no sistema multilateral de comércio”, afirma.
Garbe ressalta que o caminho mais racional seria o governo recorrer imediatamente à OMC (Organização Mundial do Comércio), usando os mecanismos de solução de controvérsias previstos nos acordos internacionais — e, em paralelo, manter canais abertos para negociação diplomática.
“A política externa, nesse contexto, deve ser instrumento de Estado, não de governo, o que exige distanciamento emocional e precisão técnica.”
O economista alerta ainda que o uso de disputas políticas internas como justificativa para sanções comerciais, embora não seja regra, tende a se repetir num mundo cada vez mais marcado pela “geoeconomia de confronto”.
“O caso brasileiro é ilustrativo: a retórica adotada por lideranças políticas, ao se alinhar ou se opor explicitamente a projetos internacionais, acaba sendo interpretada como provocação ou desafio. Quando isso ocorre, o comércio — que deveria ser terreno de cooperação — passa a ser utilizado como instrumento de retaliação ou barganha política. Isso sinaliza um enfraquecimento do arcabouço normativo que sustentou o comércio internacional nas últimas décadas, baseado em regras e previsibilidade.”
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