Veja mensagens obtidas pela PF sobre negociação de cartão de vacinação falso de Cid e familiares
Ex-ajudante de ordens teria afirmado que profissionais 'esqueceram de colocar' dados da mulher dele no sistema do SUS
Brasília|Rafaela Soares e Gabriela Coelho, do R7, em Brasília
O ex-ajudante de ordens do governo Bolsonaro Mauro Cid articulou com contatos de dois estados para conseguir falsificar o registro de vacinação dele e da família. A informação aparece no relatório final da Polícia Federal sobre a investigação da inserção de dados falsos no sistema de SUS (Sistema Único de Saúde). Cid chegou a alegar, como mostra uma das conversas obtidas pelos investigadores, que teriam esquecido de colocar os dados da mulher dele no programa (veja prints das conversas abaixo).
Etapa 1 - Falsificação do cartão de vacinação da Covid-19
Segundo o relatório, Cid procurou o sargento Luiz Marcos dos Reis para obter o documento já preenchido com as supostas doses aplicadas na mulher, Gabriela Santiago Cid.
A partir do pedido, o militar enviou um arquivo com o nome "cartão arquivo de vacinação" da Secretaria de Saúde de Goiás. O documento afirmava que Gabriela havia recebido as doses nos dias 17 de agosto e 9 de novembro de 2021.
Por meio da geolocalização do celular, a PF confirmou que a mulher de Cid estava em Brasília nas duas datas. O cartão foi assinado e carimbado pelo médico e sobrinho do militar, Farley Vinicius de Alencar.
Registros de conversas obtidas pela PF também mostram que o médico afirmou que copiou o lote das vacinas de um cartão de vacinação de uma enfermeira.
Etapa 2 - Tentativa de inserir dados falsos no sistema Conect SUS
No segundo momento, Cid procurou o segundo-sargento do Exército Eduardo Crespo Alves para colocar os dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. Em transcrições, Crespo afirma que a ação estava em andamento. A ideia era subir os dados pelo sistema do Rio de Janeiro.
No dia 24 de novembro de 2021, o militar manda outra mensagem para Cid afirmando que uma pessoa não identificada não estava conseguindo colocar os dados porque o lote da vacina não foi enviado para a região.
Cid diz que o suposto responsável esqueceu de cadastrar a suposta aplicação da vacina em sua esposa. Em outra troca de mensagens, ex-ajudante de ordens afirma que Gabriela teria sido vacinada em Brasília.
Com a dificuldade para colocar os dados, Cid e Marco dos Reis solicitam mais uma vez a ajuda do médico Farley Vinicius de Alencar. Desta vez, a ideia era enviar cartões de vacinação em branco, para que colocassem o lote dos imunizantes que estava no Rio de Janeiro.
A iniciativa acaba demorando muito, já que Cid e a família iriam viajar para os Estados Unidos. Crespo chega a pedir desculpas ao ex-ajudante de ordens pela demora, mas Cid afirma que já teria conseguido por "com outros contatos".
Etapa 03 - Outros contatos e inserção de dados falsos no sistema do SUS
A tentativa bem sucedida de realizar a fraude no sistema foi iniciada pelo ex-militar Ailton Barros. Em novembro, Barros pediu para Cid checar se um código havia sido enviado para o celular da esposa. Segundo a PF, a chave seria da conta gov.br de Gabriela.
Ailton repassou a numeração, e dados da operadora de celular mostram que a conta da mulher de Cid foi acessada pelo IP de Marcelo Fernandes de Holanda, localizado no Rio de Janeiro. A PF localizou no celular dele um print com informações de Gabriela na plataforma do Ministério da Saúde.
O relatório mostra diversas conversas entre o ex-militar e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em uma delas, Ailton Barros afirma que acredita "que pelo menos uma delas [tentativas para inserir os dados] deverá dar bingo aqui do Rio".
Dias depois, foi registrado no sistema que Gabriela teria recebido a primeira dose da vacina dia 25 de agosto de 2021 e a segunda em 15 de outubro de 2021. Os imunizantes teriam sido aplicados em posto médico sanitário de Xerém, no município de Duque de Caxias (RJ).
Os dados só foram inseridos no sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações em novembro do mesmo ano.
Etapa 04 - Filhas e entrada nos Estados Unidos
As filhas de Cid e o próprio militar também constam no sistema como imunizados contra a Covid-19. A PF encontrou indícios de que a aplicação não teria acontecido, já que mensagens mostram que a rotina da família em Brasília permanecia normal.
A PF elenca uma conversa de Cid com o contato "Liliane Cid", possivelmente sua cunhada, sobre possíveis exigências para viagens. O ex-ajudante de ordens da presidência chega a afirmar que não iria tomar as vacinas. "Eu não vou tomar, nem as crianças. As vacinas ainda estão em fase de teste. 'Tô' fora", afirma.
Cid voltou a ser irônico com a fala de Bolsonaro relacionando a vacina com a possibilidade do paciente virar um jacaré. Uma delas, em um grupo que a PF acredita ser formado por familiares, o militar afirma que não vai ser cobaia humana.