Kiss: engenheiro, segurança e vítima são ouvidos em 5º dia de júri
Este já é considerado o maior julgamento da história do Rio Grande do Sul e um dos mais longos do país
Cidades|Fabíola Perez, do R7, em Porto Alegre (RS)
Com um momento de descontração para assistir ao segundo tempo do jogo entre Corinthians e Grêmio, os jurados do Tribunal do Júri do caso da boate Kiss ouviram, neste domingo (5), o depoimento de três pessoas: o engenheiro Thiago Mutti, que era testemunha de defesa do réu Mauro Hoffmann e passou a ser informante, o sobrevivente Delvani Brondani Rosso e a ex-segurança Doralina Peres.
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O primeiro dos depoimentos, de Thiago Mutti, levou cinco horas e meia. Já as oitivas das duas vítimas foram menos extensas. O juiz Orlando Faccini Neto chegou a pedir às partes que repensem suas estratégias de interrogatório para que o julgamento tenha continuidade sem se prolongar mais do que o esperado. Este já é considerado o maior júri da história do Rio Grande do Sul e um dos mais longos do país.
“Estava tudo dentro das normas”
Mutti depôs na condição de informante por responder a um processo por falsidade ideológica. Disse que a irmã era sócia da boate em 2009. Segundo ele, sua função era visitar a casa noturna na condição de engenheiro.
“A boate Kiss, em 2009, foi aberta como empresa em sociedade. Foi aprovada nos Bombeiros e estava tudo dentro das normas, ela já inaugurou com o PPCI [Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios]. Em 2009, todos os proprietários tentaram fazer da forma mais coerente”, afirmou. “Quando abre um negócio, a gente espera que seja um sucesso”, complementou.
Ao contrário disso, Mutti disse que a abertura foi um “fracasso”. O engenheiro afirmou que a reforma demorou mais do que o previsto e que deu prejuízo à irmã.
“Como demorou o processo, minha irmã decidiu fazer mestrado. Meu pai se desentendeu com o Alexandre [Costa], que era o sócio principal da boate. Meu pai quis correr, eu também não quis ficar nesse negócio. O Alexandre não quis comprar a parte da minha irmã porque estava mal”, explicou.
Em 2009, os proprietários da boate eram Elton Cristiano Uroda, Alexandre Costa e a irmã de Thiago Mutti. O engenheiro disse também que chegou a oferecer a parte da sociedade da irmã a Mauro Hoffmann, mas, segundo ele, o réu não aceitou a proposta feita. A negativa teria ocorrido, de acordo com o informante, porque o estabelecimento tinha dívidas.
O engenheiro afirmou que Kiko (Elissandro Spohr), até então músico, ofereceu um carro usado, um Volkswagen New Beetle, no valor de R$ 45 mil e uma quantia de R$ 10 mil. Segundo o engenheiro, Kiko disse que só pagaria quando o alvará de funcionamento da Prefeitura de Santa Maria saísse. Em janeiro de 2010, conforme Mutti, Elissandro Spohr já estava trabalhando na boate junto com o sócio Alexandre Costa.
“Fui caindo e me despedindo”
O segundo depoimento prestado neste domingo ao Tribunal do Júri do caso da boate Kiss foi de Delvani Rosso, sobrevivente do incêndio que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos. A testemunha comoveu boa parte da plateia de familiares e vítimas.
“Quando eu comecei a inalar [a fumaça], meus joelhos foram ficando fracos, fui perdendo a força”, afirmou. “Quando eu fui caindo, fui me despedindo da minha família, dos meus amigos, pedindo perdão por alguma coisa que eu tivesse feito. Caí no chão e sentia queimar, e me debrucei com as mãos no rosto”, disse.
No decorrer do depoimento do sobrevivente, cerca de dez mães deixaram a plateia. O presidente da Associação de Familiares e Vítimas abaixou a cabeça e chorou. Quando o juiz Orlando Faccini Neto perguntou ao depoente se o incêndio havia deixado nele sequelas físicas ou psicológicas, Delvani ergueu parte da camiseta para mostrar as costas com marcas de queimaduras.
“Meu irmão conseguiu sair e começou a entrar para salvar as pessoas. Ele tirou a camisa, estava rastejando por baixo da fumaça. Os homens ele puxava pelo cinto e as meninas pelo cabelo porque, se puxasse pelo braço, arrancaria a pele”, descreveu. Delvani relatou ainda que ficou em coma por 30 dias.
“Eu era um prisioneiro do meu corpo, só conseguia pensar e tentar entender o porquê de tanta dor e sofrimento. Emagreci 20 kg, desaprendi a caminhar. Não conseguia tomar um copo de água.”
"Sinto carinho pelo Kiko"
A segurança Doralina Peres foi a terceira pessoa a depor no Tribunal do Júri do caso da boate Kiss neste domingo. Ela, que trabalhava como funcionária de uma empresa de segurança que prestava serviço à boate, foi levada ao julgamento como vítima apresentada pela defesa de Elissandro Spohr. Sem dar detalhes sobre a noite em que ocorreu o incêndio, Doralina declarou que perdeu cinco colegas de trabalho, duas mulheres e três homens.
“Não lembro de muita coisa, só me lembro de muitos gritos, queria voltar para o fundo achando que era briga, começaram a me empurrar e eu desmaiei”, afirmou ela. Doralina trabalhou na casa noturna por dois anos e oito meses. A ex-segurança disse que na noite do incêndio o estabelecimento estava “cheio”.
Doralina disse ainda que ficou quase 30 dias internada no hospital. “Tive problemas pulmonares e precisei fazer enxertos na perna”, afirmou ao juiz. A vítima trabalhava fazendo a revista dos frequentadores e declarou que recebia as orientações de um chefe, e não diretamente de Elissandro Spohr. Ao final do interrogatório da defesa de Spohr, o advogado do réu, Jader Marques perguntou qual era o sentimento da funcionária por Kiko.
“Continua o mesmo sentimento de amizade. Eu tenho carinho por ele, não vou dizer que não sinto nada, que não gosto dele, ele sempre foi uma pessoa amiga da gente.”