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Matança no Ceará: jovens previam invasão do CV em abrigo, diz juiz

Facção teria ajuda de outros internos para achar adolescentes de grupos rivais

Cidades|Giorgia Cavicchioli, do R7

Juiz Manuel Clístenes recebeu denúncias de jovens
Juiz Manuel Clístenes recebeu denúncias de jovens Juiz Manuel Clístenes recebeu denúncias de jovens

Antes de chacina que aconteceu na segunda-feira (13) no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, em Fortaleza, no Ceará, jovens relataram à Justiça que estavam sofrendo ameaças e foram específicos ao dizer que o CV (Comando Vermelho) iria invadir o abrigo e matar adolescentes que morassem em regiões dominadas por facções rivais.

As denúncias foram feitas à Vara da Criança e do Adolescente há ao menos três meses, que comunicou o Estado sobre os riscos que os internos estavam correndo. A coordenadora do centro, segundo juiz Manuel Clístenes, titular da 5ª Vara, também foi avisada em uma audiência. Porém, ela teria refutado a possibilidade de algo do tipo acontecer.

O R7 entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará para fazer questionamentos sobre as denúncias. Até o fechamento desta reportagem, o órgão não se manifestou.

A reportagem também entrou em contato com o centro para falar com a coordenadora. Porém, ela não atendeu às ligações.

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Em entrevista ao R7, Clístenes afirma que os jovens que denunciaram o medo de ficar no centro foram devolvidos às famílias e que os adolescentes que foram mortos na chacina não tinham denunciado as ameaças.

Leia a entrevista completa:

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R7 — Um grupo de mães afirma que o risco era denunciado desde agosto. A Vara da Criança e do Adolescente recebeu essas denúncias?

Manuel Clístenes — Eu recebi algumas. Na primeira denúncia que eu recebi, eu determinei que a diretora fosse chamada. Fizemos uma audiência extensa e a diretora refutou a acusação que o adolescente fazia. Diante disso, eu determinei a suspensão da medida socioeducativa. Foi o primeiro caso.

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R7 — O que a diretora disse?

Clístenes — Ela disse que não havia o menor risco, a menor possibilidade [de invasão]. Embora já reconhecesse que os adolescentes, [por receio], não estavam saindo de ônibus. Eles não estavam mais transitando pelas ruas do entorno do centro porque eles tinham medo de alguma represália. Eles só estavam saindo de lá do centro em carros particulares.

R7 — Mas ela não assumiu o risco de invasão?

Clístenes — Ela descartou completamente essa possibilidade. Depois disso, a gente ficou alerta para a situação e foram surgindo outros casos. A última [das denúncias] foi na semana passada, no dia oito. A juíza que estava no meu lugar recebeu um jovem que disse isso e seguiu a mesma linha.

R7 — O que aconteceu com esses jovens que denunciaram?

Clístenes — Todos esses jovens que relataram que foram ameaçados e que poderiam ser mortos lá no centro tiveram a medida suspensa e foram devolvidos para a família deles. Nenhum deles permaneceu no centro. Eles foram entregues à família.

R7 — Quantos jovens?

Clístenes — Eu não tenho bem certeza. Foram talvez de quatro a seis jovens que foram devolvidos.

R7 — Todos eram do centro em que aconteceu a chacina?

Clístenes — Todos eles eram desse centro. A gente só recebeu denúncia de invasão desse centro. Como a coisa se repetiu, quando a história foi ganhando força, a gente resolveu comunicar as autoridades maiores do Estado. No primeiro comunicado, a gente chamou a diretora do centro. Tivemos uma audiência longa lá em agosto e ela refutou completamente. Mas ela reconheceu que os jovens não estavam mais transitando no local.

Adolescente morto tinha tatuagem relacionada à facção
Adolescente morto tinha tatuagem relacionada à facção Adolescente morto tinha tatuagem relacionada à facção

R7 — Qual era a facção que estava fazendo ameaças?

Clístenes — O Comando Vermelho é a facção acusada de ter praticado a chacina.

R7 — Os jovens relataram especificamente uma invasão?

Clístenes — Eles eram muito específicos. Eles não falavam: “na hora da saída vão me matar”, ou “vão matar fulaninho de tal”. Eles foram muito específicos em dizer: “olhe, vão invadir o centro e jovens que estão dentro vão ajudar os invasores a identificar quem reside nos bairros onde a facção [CV] tem facções rivais”.

R7 — Os jovens ameaçados eram de qual facção?

Clístenes — A maioria [dos internos] não tem qualquer ligação com facção criminosa. Essa medida de semiliberdade exige uma responsabilidade muito grande do adolescente. O indivíduo que é faccionado não tem condições de fazer parte de uma medida como essa. Ele, simplesmente, sai e não volta.

R7 — Eles tinham medo?

Clístenes — Um jovem foi muito enfático. A ponto de dizer para que a gente determinasse a internação dele. Ele falou: “Olha, pode me internar, mas não me mande para esse centro”. Demostrou o desespero dele.

R7 — Todas as denúncias foram feitas pessoalmente?

Clístenes — Isso. Adolescentes e pais dos adolescentes [fizeram as denúncias]. Os pais também demostraram um desespero muito grande.

R7 — Nenhum dos jovens que morreu na chacina denunciou ameaças?

Clístenes — Nenhum deles. A maioria dos jovens não se sente ameaçada. Mesmo ele sendo faccionado, ele não se sente ameaçado.

R7 — O senhor já foi nesse centro?

Clístenes — Várias vezes. Esse ano fui umas quatro vezes lá. Eu conheço vários centros pelo Brasil afora. Esse é um dos melhores. É uma referência. Mas o local onde o centro está, é muito inadequado. Ele está praticamente ao lado de uma favela. E essa favela é dominada por essa facção [CV].

R7 — O centro que foi atacado é considerado um centro modelo?

Clístenes — É considerado um centro modelo. Além disso, tem uma série de vantagens para os adolescentes: eles podem sair todos os dias para estudar e trabalhar. Eles saem nos finais de semana para ficar com a família. Como o indivíduo troca esse conforto por um centro onde ele vai ficar fechado no mínimo seis meses? Quando a gente se deparou com esse tipo de situação, no nosso modo de pensar, a gente entendeu aquela ameaça como real.

R7 — De que forma o Estado foi comunicado?

Clístenes — Foi comunicado por duas maneiras: em reunião e pelos termos de audiência.

R7 — Que providências foram tomadas em relação às denúncias?

Clístenes — A gente comunicou e aí o Estado tem que tomar as providências. O Estado é que é o gestor. O Estado teria que abrir um inquérito policial para apurar isso aí ou abrir um procedimento interno, administrativo, providenciar um reforço na segurança.

R7 — A Vara se reuniu com autoridades. O que elas disseram depois da chacina?

Clístenes — Eles disseram que já tinham melhorado alguma coisa em relação à segurança, mas que tinham sido tomados de surpresa pelo tamanho da ação. Eram muitos homens armados, com armas de grosso calibre. [As medidas de segurança] teriam sido insuficientes para conter o tamanho do problema que aconteceu. O que a gente precisa apurar, e eu vou apurar é o número de jovens que se evadiram dos centros socioeducativos. Eu recebi a informação de que houve uma evasão muito grande nesse período. Parte desses jovens se evadiram porque se sentiram amedrontados.

Chacina foi no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca
Chacina foi no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca Chacina foi no Centro de Semiliberdade Mártir Francisca

R7 — Quais medidas estão sendo tomadas agora?

Clístenes — A partir desse novo fato, em uma reunião que nós realizamos, ficou decidido que o centro vai ficar fechado por uma semana. A juíza editou uma portaria para que ficasse fechado por 30 dias. O Estado se comprometeu de, em uma semana, apresentar um projeto e ações efetivas, mostrando que o centro tem condição de funcionar. Na segunda-feira, nós vamos nos reunir com os agentes do Estado e vamos avaliar o que foi feito essa semana e vamos ver se o centro vai ter condições de retomar as atividades.

R7 — Esse tipo de brigas entre facções cresceu recentemente?

Clístenes — Eu observo que houve um acirramento entre as facções muito grande. Esse acirramento se deu a partir do final do ano passado. Esses incidentes foram crescendo em número.

R7 — Quais são as principais facções da região?

Clístenes — Aqui no Ceará a gente vai ter CV (Comando Vermelho), PCC (Primeiro Comando da Capital), GDE (Guardiões do Estado) e FDN (Família do Norte). O que a gente percebe é que o PCC e esse GDE têm uma espécie de respeito. Uma parceria. Eles são unidos, ou não são desunidos. E o FDN juntamente com o Comando Vermelho também não estão em guerra. Agora, as duas contra as outras duas estão em guerra total.

R7 — Em quais regiões estão cada uma?

Clístenes — Os territórios deles são muito pequenos. São totalmente fragmentados. Em determinados bairros, eles têm as facções subdivididas em 6, 8 blocos... o mesmo bairro é dominado por diversas facções. Uma facção domina 10 quarteirões. Então saiu dessa área, já entra na área de uma outra facção. Isso torna a vida dessas pessoas um verdadeiro inferno. Essa guerra, hoje, afeta a comunidade toda. Jovens que moram em uma área dominada por essas facções não podem em hipótese nenhuma frequentar em pedaços dominados por outras facções.

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