Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Notícias R7 – Brasil, mundo, saúde, política, empregos e mais

MP quer fim de gestão privada em presídios palcos de massacre no AM

Em documento, MP afirma que modelo adotado é incapaz de resolver mazelas do sistema carcerário estadual. Governo abrirá nova licitação em 60 dias

Cidades|Fabíola Perez, do R7

Pelo menos dois motivos estão por trás das mortes de 55 detentos ocorridas no sistema prisional do Amazonas em apenas dois dias. O primeiro, mais evidente, é a disputa de poder entre as lideranças da facção criminosa FDN (Família do Norte) que teria dado origem à rebelião e à chacina em quatro presídios e no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). O segundo, de acordo com especialistas, menos evidente, é a ineficiência do modelo de gestão privada de presídios adotado pelo estado há alguns anos.

Em janeiro de 2017, vídeos mostrando poças de sangue e decapitações exibidas como troféus após uma suposta ordem dada por uma das lideranças da FDN para acabar com todos os “PCCs” que cumpriam pena nos presídios amazonenses explicitaram a falência do modelo de gestão. Desde então, muito pouco ou quase nada mudou na conjuntura prisional do estado. Em função disso, o Ministério Público do Amazonas recomendou ao governo, na segunda-feira (27), o encerramento do modelo de administração privado dos presídios amazonenses.

O Ministério Público sugere, por meio de um documento com 27 recomendações, que o estado assuma novamente a administração prisional. O órgão aponta a "péssima qualidade da alimentação, dos uniformes, que vinham sendo reutilizados, e da prestação de serviços de forma geral". Na quinta-feira (23), antes mesmo de ocorrer a rebelião, o Grupo de Enfrentamento à crise do Sistema prisional do Ministério Público do Amazonas entrou com uma ação civil pública contra o Estado do Amazonas e a empresa Umanizzare Gestão Prisional e Serviço, responsável pela administração de seis unidades prisionais.

Familiares aguardando liberação de vítimas de massacre
Familiares aguardando liberação de vítimas de massacre

O documento afirma que a empresa “vem descumprindo obrigações contratuais no que tange ao fornecimento de alimentação aos detentos, à prestação de assistência jurídica, psicológica, médica, odontológica, social, material, garantia da segurança interna das unidades e manutenção predial.” A ação civil pública pede a declaração de nulidade do contrato devido à delegação indevida do poder de polícia.


O grupo que entrou com a ação diz ainda que o contrato firmado entre o Estado do Amazonas e a empresa administradora culmina no “atual cenário de violação generalizada e sistêmica aos direitos fundamentais da população amazonense encarcerada.” O texto diz ainda que o modelo de gestão prisional adotado parece revelar ser incapaz de solver as mazelas que se revelam em todo o sistema carcerário estadual.

Os indicadores do sistema prisional do Amazonas são preocupantes. Nas unidades onde as mortes ocorreram - Compaj, CDPM1 (Centro de Detenção Provisória Masculina 1), Ipat (Instituto Penal Antônio Trindade) e UPP (Unidade Prisional do Puraquequara) -, a taxa média de ocupação é de 207,4%. Em todo estado, segundo dados de junho de 2016 do Ministério da Justiça, cada vaga é ocupada por cinco pessoas e mais de 64% dos presos e presas não têm condenação definitiva.


Leia também: Mortes em presídios de Manaus resultam de 'descontrole do poder estatal', diz Moro

A Umanizzare administra atualmente seis unidades prisionais no estado: Compaj, Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM1), Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), Centro de Detenção Provisória Feminino (CDPF) e Unidade Prisional de Itacoatiara (UPI). Os contratos foram firmados entre os anos de 2013 e 2014 com previsão para vencimento entre junho e julho deste ano.


Renovação e nova licitação

Na ação, o Ministério Público pede que o estado não renove o contrato com a empresa prestadora de serviço sob pena de bloqueio de verbas nas contas das empresas contratadas. O contrato com a Umanizzare se encerra no sábado (1), e ainda que o governo dê início a um novo processo licitatório, a empresa deve continuar a gerir os presídios do Amazonas por, pelo menos três meses. No processo licitatório, vale lembrar que qualquer empresa, inclusive a Umanizzare, poderá concorrer.

A previsão do governo do Amazonas é abrir um novo processo licitatório no prazo de 60 dias. No momento, o governo afirma ter iniciado a tomada de preço para substituir a empresa contrata enquanto formula o edital de licitação com novos critérios para abertura da concorrência.

Questionado se iria manter a privatização dos presídios mesmo após rebeliões e chacinas, o governo afirmou que "encerrar a gestão terceirizada dos presídios em um curto espaço de tempo não é possível em razão, sobretudo, da carência de efetivo." Segundo o governo estadual, "não será possível realizar concurso este ano em razão das limitações orçamentárias."

Veja também: Mortes em presídio de Manaus ocorreram por perfurações e asfixia

Em nota, o governo disse que os gastos com pessoal do poder executivo estadual ultrapassam os 50% da receita do Estado em 2019, superando o limite máximo permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. "O Governo trabalha para reequilibrar as finanças do Estado para, então, planejar a realização de novos concursos, o que inclui servidores para a Seap."

Procurada, a Umanizzare não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Presídio teve rebelião que terminou com dezenas de mortos
Presídio teve rebelião que terminou com dezenas de mortos

Privatização de presídios

O presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Amazonas, Rocinaldo Silva, aponta a terceirização na gestão dos presídios no Amazonas como um dos motivos que levaram à rebelião no Compaj e em outros presídios do estado. “Não se pode terceirizar atividades fim. Tentamos alertar o governo sobre as falhas no sistema de privatização.”

A economista e pesquisadora do Seviju, Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça da Universidade Federal do ABC, Josiane Silva Brito, afirma que a experiência internacional mostra que a adoção da privatização de presídios não traz resultados positivos ao sistema prisional brasileiro. “O nosso sistema já enfrenta uma crise muito complexa e agora passa pela ‘onda da vez’ que é a privatização”, diz.

Segundo a pesquisadora, existem estudos que mostram que em unidades privatizadas, agentes penitenciários recebiam até quatro vezes menos do que em unidades geridas pelo poder público. “A alta rotatividade dos agentes privatizados é resultado da combinação de fatores como os baixos salários, a complexidade da função que exercem, já que são eles que lidam diretamente com os presos e são responsáveis pela manutenção da disciplina e ordem do cotidiano prisional, e a falta de preparo, tendo em vista que passam por menos horas de treinamento, em relação aos agentes públicos.”

O principal argumento que contradiz a suposta eficiência da privatização de presídios, de acordo com Josiane, é o aumento de custos. “A média nacional do custo do preso por mês para o Estado é de R$ 1.300 a R$ 1.700”, diz Josiane. “Na PPP de Minas Gerais, por exemplo, o estado repassa ao consórcio R$ 2.800 por preso mensalmente.”

O governo do Amazonas, explica ela, deveria rever a política de privatização. “Se nada for feito, o sistema prisional ficará vulnerável à disputa de poder que ocorre nas facções. O estado sequer reconhece a existência dos grupos organizados”, afirma Josiane. “Essa crise aponta para um caminho que não deve ser seguido e que aprofundou os problemas do sistema penitenciário.”

Racha na Família do Norte

Uma das principais facções do Amazonas é a FDN (Família do Norte). Criada em 2007, sob comando de José Roberto da Compensa e outras lideranças, a organização passou a ser nacionalmente conhecida em 2017 com rebelião que resultou na morte de 126 presos no Amazonas, em Roraima e no Rio Grande do Norte.

Em 2017, o massacre foi ocasionado pela disputa de poder com membros da facção rival, o PCC. Neste ano, fontes ouvidas pelo R7 apontam que um racha interno pode ter ocasionado a rebelião e as mortes. “É uma guerra interna que agora está extra muros”, afirmou o presidente do Sindspeam.

José Roberto da Compensa teria rompido com João Branco e cada um deles teria mobilizado membros da FDN em direções opostas. A rebelião teria se iniciado no Complexo Penitenciário Anísio Jobim no domingo (27). Hoje, as duas ramificações da facção disputam poder e capacidade de angariar membros.

Nas redes sociais do Estado, existiriam comunicados direcionados aos membros que saíram da FDN e tem interesse em entrar no Comando Vermelho, facção criminosa dominante no Rio de Janeiro com atuação em outros estados. O motivo que teria originado o racha na facção seria a ascensão da mulher de João Branco, conhecida como Sheila. Ela estaria dando ordens de comando em determinados bairros, o que teria irritado membros ligados à José Roberto Compensa.

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.