"O fogo se propagou no momento que joguei água", diz réu da Kiss
Luciano Bonilha, ajudante da banda Gurizada Fandangueira, disse que saiu da boate arrastado e que também quase morreu
Cidades|Fabiola Perez, do R7, em Porto Alegre (RS)
O primeiro a ser interrogado no tribunal do júri, nesta quinta-feira (9) foi Luciano Bonilha, ajudante da banda Gurizada Fandangueira. O réu, que prestava serviços como ajudante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentou no dia 27 de janeiro de 2013, quando ocorreu o incêndio que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos, disse que o fogo na boate se alastrou quando ele jogou água para tentar reduzi-lo.
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“Quando foi instalado tudo [artefatos pirotécnicos] na frente do palco e atrás da cortina, quando abriu começa a banda com o gaitaço. Tocaram quatro músicas e uma introdução de gaita. Eu introduzo a munhequeira na mão do Marcelo. Daí eu apertei, tirei a luva da mão dele e fui fazendo. No lugar que eu estava era muito apertado. Eles continuaram tocando por uns três minutos e eu ouvi que disseram ‘Luciano está pegando fogo’. Era bem azul o fogo. O fogo se propagou no momento que eu joguei água.”
Luciano afirma que os artefatos pirotécnicos eram montados ao lado do palco e um dos objetos era dado ao Marcelo de Jesus do Santos. “O Danilo e os músicos não iam querer se queimar, eles não iam querer colocar em risco seus instrumentos.” No dia 27 de janeiro, Luciano conta que colocou a munhequeira no vocalista da banda.
“Eu vi o rapaz pegar o extintor debaixo do bar e alcançar para o Marcelo. Eu estava do outro lado, o Marcelo pegou o extintor e não funcionou, achei que o Marcelo não sabia usar o extintor. Não tinha o lacre, era xoxo. Nós só saímos porque eu ouvi alguém gritar ‘sai, sai’”. Segundo ele, tinham 26 microfones.
Luciano disse no tribunal do júri que chegou a atuar em 14 apresentações da banda. Dessas, em nove ele diz que foram utilizados artefatos pirotécnicos. “Não conhecia a banda. Na boate Kiss, foram três ou quatro shows. No palco novo, foram duas vezes”, disse. O ajudante disse que conheceu o sócio Elissandro Spohr no dia 26 de janeiro de 2013, quando os músicos faziam o ensaio para a apresentação no dia 27.
“Fiz todo o meu trabalho. Eu e o Danilo andávamos sempre juntos. Acredito que o Danilo não ia me colocar na situação que eu estou de estar preso. Eu acredito que o Danilo não ia me levar para dentro de uma casa se fosse proibido. Não foi avisado [revestimento de espuma e rebaixamento do teto]. Se acreditava que tudo era seguro”, relatou ao juiz. Luciano afirmou que quem pediu que ele comparasse o objeto utilizado pela banda na apresentação foi Danilo Jaques. “Ele me designou para comprar. Eu tinha outras obrigações muito mais séria do que comprar aquilo para ele. Eu comprei o que o Danilo disse. O disparador ele comprou na internet. Só apareceu caixa depois que apareceu o sinistro. Vinha individual na sacola.”
Origem humilde
Luciano, que nasceu em Porto Alegre, relatou que começou a trabalhar aos 12 anos. “Lavei carro, trabalhei num supermercado, trabalhei numa empresa de frangos. Trabalhava de office boy e sempre sonhei que eu poderia trabalhar nesse ramo de som”, lembra. Ele disse ao juiz que conheceu Danilo Jaques, líder da banda Gurizada Fandangueira, em um evento e começou a prestar serviços para ele. “Minha esposa disse “vai com o pé direito que minha vida vai mudar”.
O ajudante do grupo musical diz que suas atividades eram levar água e transportar os instrumentos da banda. “Queria saber tocar uma guitarra, um baixo. Mas eu dava um suporte em cima do palco. Quando aconteceu isso [incêndio] e disseram que eu era produtor, eu não era, eu não desenhava aquilo que tinha que ser para o show. Costumo dizer ‘não chame esse guri de produtor, vocês não têm noção da responsabilidade que é’”.
Mensagem aos familiares
Após um interrogatório que durou cerca de uma hora, os advogados de defesa começaram a fazer perguntas ao réu, que aproveitou a ocasião para se referir aos familiares das vítimas da tragédia. “Queria dizer que o coração dos pais não está entendendo a minha dor, mas eu não tenho como entender a dor deles. Se eu tivesse morrido lá, eu tenho aqui a maior joia da minha vida, que é a minha mãe. Esses pais não têm mais o abraço dos filhos, o carinho. Eu digo que hoje estou sentado aqui, tenho a consciência tranquila que não foi o meu ato. Para tirar a dor dos pais, eu tô pronto, me condene.”
Luciano disse ainda que se separou da mulher após o incêndio e que hoje vive com a mãe, Maria Odete Marília Leão. “Eu perdi minha família. Ela não entendeu meu lado, minha angústia, eu não consegui mais viver uma vida de casal. Um dia ela disse: ‘tu vai ter que resolver a sua vida’. Eu sai com as minhas roupas, eu moro hoje num lugar que as pessoas não me conhecem. Meu choro é dentro de casa. Até isso a Kiss me fez perder”, disse.
“Hoje estou sentado, não posso chorar, não posso rir. Eu sou um morto vivo, então. Para o Ministério Público, que achei que ia defender o povo, eu sou um cidadão do bem, foi mais fácil um erro de português meu, do que procurar a minha história. Desde que aconteceu essa tragédia eu só fiz ‘trabalhar, trabalhar, trabalhar’. Por fim, Luciano Bonilha pediu aos jurados que se imaginassem em seu lugar. Na plateia do plenária, uma familiar das vítimas gritou “assassino” enquanto o réu deixa o júri.