Quatro bacias da Amazônia têm alto risco de contaminação por mercúrio, alerta estudo
Dados foram coletados em parte pelo Observatório do Mercúrio, desenvolvido em colaboração entre o WWF-Brasil
Cidades|Victoria Lacerda, do R7, em Brasília
Um estudo conduzido pelo WWF-Brasil aponta que pelo menos quatro bacias hidrográficas na Amazônia apresentam níveis de contaminação por mercúrio acima dos limites de segurança. As bacias dos rios Tapajós, Xingu, Mucajaí e Uraricoera, que incluem territórios indígenas afetados pelo garimpo ilegal, foram identificadas com alta exposição ao mercúrio.
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Utilizando modelagem matemática e análises recentes, o estudo revelou a propagação da substância na maior floresta tropical do planeta. A análise apontou a seguinte porcentagem de sub-bacias com níveis de mercúrio acima dos limites de segurança:
- Bacia Uraricoera: 57,8%
- Bacia Mucajaí: 54%
- Bacia do Tapajós: 51,7%
- Bacia do Xingu: 48,2%
Esses dados foram coletados em parte pelo Observatório do Mercúrio, desenvolvido em colaboração entre o WWF-Brasil, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e outras instituições, que mediram a concentração de mercúrio em peixes, destacando os riscos para comunidades que dependem da pesca, como indígenas e ribeirinhos. O mercúrio, usado na mineração ilegal de ouro, é liberado nas águas e transportado pelos rios, com concentrações que aumentam ao longo do fluxo do rio.
Efeitos do garimpo e das hidrelétricas
Especialista em conservação do WWF-Brasil, Marcelo Oliveira ressaltou a relação entre o mercúrio e as atividades de mineração. Segundo ele, as características aquáticas da Amazônia e a construção de hidrelétricas podem amplificar a disseminação de metilmercúrio, um composto altamente tóxico.
“A poluição por mercúrio é ligada à mineração e a características dos ecossistemas aquáticos. A construção de reservatórios para hidrelétricas, por exemplo, aumenta as áreas de metilação de mercúrio, agravando o problema ambiental”, explica Oliveira.
A contaminação afeta especialmente os povos indígenas, que têm o peixe como alimento essencial. Segundo o estudo, 49,4% das áreas estão em risco para homens que consomem pescado, e para populações indígenas, a taxa sobe para 49,6%.
A modelagem usada para avaliar o mercúrio foi o sistema SERAFM, desenvolvido pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Esse método analisa aspectos como concentração de mercúrio no ambiente, características do ecossistema e informações sobre a cadeia alimentar e os diferentes organismos presentes.
Avanço do garimpo e impactos na legislação ambiental
Dados do MapBiomas indicam que o garimpo em terras indígenas aumentou 265% entre 2017 e 2022, ocupando 25,2 mil hectares. As Terras Indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami estão entre as mais impactadas. Na Terra Yanomami, sete rios e três afluentes já apresentam níveis elevados de contaminação por mercúrio.
Os pesquisadores também chamam atenção para a necessidade de atualização da legislação brasileira, já que as normas atuais não são suficientes para proteger as populações locais dos riscos de exposição ao mercúrio.
Em 2022, um estudo em parceria com a Fiocruz mostrou que 75,6% dos moradores de Santarém (PA) analisados tinham níveis de mercúrio acima dos limites seguros.
Outro estudo de 2022 mostrou que 21,3% dos peixes comercializados em feiras e mercados na região Norte apresentavam contaminação além dos limites estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde e pela Anvisa.
Desafios e lacunas de dados
A falta de dados amostrais é um dos grandes desafios para entender a contaminação por mercúrio na Amazônia, segundo o analista ambiental Vitor Domingues, um dos autores do estudo do WWF-Brasil. “A modelagem nos ajuda a enfrentar essa escassez de dados e a entender melhor a dinâmica do mercúrio em um bioma tão complexo e sensível como a Amazônia”, destacou.
A pesquisa ressalta que, apesar dos esforços, ainda é difícil mensurar a extensão completa dos impactos do mercúrio na Amazônia. O Observatório do Mercúrio oferece dados sobre os pontos de contaminação nos principais rios amazônicos, incluindo Amazonas, Tapajós, Xingu, Negro, Madeira, Purus, Jiparaná e Tocantins.