Argentina atinge inflação anual de 102,5% em fevereiro, a mais alta em 31 anos
Antes, a maior taxa anual, de 102,4%, tinha sido registrada em outubro de 1991; variação mensal do índice de preços foi de 6,6%
Economia|Mariana Botta, do R7
O IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Argentina referente ao mês de fevereiro registrou variação de 6,6% em relação ao mês anterior, conforme divulgou o Indec (Instituto Nacional de Estadística y Censos) nesta terça-feira (14). Em 12 meses, o índice, que corresponde à inflação oficial do país, teve variação de 102,5%, acima da taxa anual mais alta registrada até então, em outubro de 1991, quando foi de 102,4%.
Este é o 13º mês seguido em que a inflação oficial anual da Argentina tem alta. Nos dois primeiros meses do ano, o índice acumula uma variação de 13,1%.
Em janeiro, a variação mensal foi de 6% em relação a dezembro, e a de 12 meses chegou a 98,8%.
"A inflação é só um pedaço dos problemas da Argentina. O país está com escassez de moeda estrangeira, incapacidade de compra de produtos importados, dificuldade para pagar dívidas, tem maior grau de incerteza [para investidores], com restrição bancária para saque e movimentação de contas", afirma Alexandre Chaia, professor de finanças do Insper e sócio da Carmel Capital.
Ele explica que a inflação é um reflexo do aumento do câmbio, estipulado pelo governo central, e do alto custo dos produtos, motivado pela escassez. "A população não consegue importar os produtos básicos de que precisa, e eles começam a faltar. Essa dificuldade tem elevado o preço médio na Argentina", fala Chaia.
A maior alta da inflação de fevereiro, em todas as regiões do país, foi registrada no segmento de Alimentos e bebidas não alcoólicas, de 9,8% em relação ao mês anterior, devido principalmente ao aumento do preço das Carnes e derivados e de Leite, laticínios e ovos.
O segundo setor com a maior variação no mês foi Comunicação (7,8%), afetado pela alta dos serviços de telefone e internet, seguido por Restaurantes e hotéis (7,5%), puxado pelo aumento em Restaurantes e refeições fora de casa.
No período, também tiveram destaque: na divisão de Saúde (5,3%), o aumento de taxas pré-pagas; em Bebidas alcoólicas e tabaco (5,2%), a elevação no preço dos cigarros; no grupo Transportes (4,9%), a alta nos combustíveis; e, em algumas regiões, em Habitação, água, eletricidade e outros combustíveis (4,8%), o maior custo de serviços de eletricidade e água.
"A Argentina sofre aumento de preços de dois dígitos, com taxas mensais de 6% a 8%, projetando ao ano mais de 100%, fruto de uma política econômica de gastos governamentais desordenados, excesso da carga tributária, baixa competitividade de sua economia, falta de moeda estrangeira forte, que permita importar e criar um mercado mais competitivo, proporcionando baixas nos preços", afirma o professor Aldo Brunhara, doutor em economia e diretor da IBS Américas, escola internacional de negócios do Brasil.
Segundo Brunhara, as classes baixa e média são as que mais sofrem, porque, com a inflação, os salários e rendas são corroídos em torno de 30% de defasagem. "Existe falta de credibilidade, com manipulação das taxas de inflação e com uma economia com mais de sete tipos de câmbio. Por exemplo, 1.000 pesos, a maior nota de dinheiro da Argentina, vale menos de US$ 3", acrescenta o professor.
"A Argentina passa por uma disparada da inflação, que está crescente, mês após mês, gerando uma sensação de perda do poder de compra no consumidor, e isso leva à grande insatisfação social que se vê em relação à economia", diz Chaia.
'Não existe cenário positivo'
Segundo o professor do Insper, o governo argentino estabeleceu 12 tipos diferentes de câmbio, o que penaliza quem quer importar produtos considerados como não essenciais pela administração federal. Para proteger suas economias e manter seu poder de compra, parte da população do país abre contas e transfere recursos para o exterior.
"A Argentina está empobrecendo, e não consegue repor o nível salarial. Apesar de o turismo ter melhorado, ter bastante ida [de turistas] com a retomada pós-pandemia, a situação macroeconômica não está boa", avalia Chaia.
Ele afirma que a inflação já está em um patamar muito alto e continua a crescer, "o que vai acabar levando a juros também altos, com a redução da possibilidade de investimentos. Isso prejudica ainda mais a retomada do crescimento, porque se não há investimento estrangeiro, dificilmente vai ter criação de emprego e geração de renda que faça o país se estabilizar. Não existe cenário positivo", fala o professor.
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A situação econômica da Argentina está bastante complicada e, segundo Chaia, ainda pode se agravar um pouco mais. "O mundo inteiro está subindo os juros para conter a inflação. Além disso, essa quebra do Silicon Valley Bank, nos Estados Unidos, deve aumentar as incertezas em termos de investimentos, o que vai fazer com que se tenha uma aversão a países com potencial de calote, e a Argentina já deu calote antes", diz.
"Não vejo uma solução de curto prazo. A Argentina precisa restabelecer a confiança, retomar investimentos estruturantes, mas e nada disso está acontecendo, não só porque o governo é de esquerda, mas porque a Argentina tem governos populistas há muito tempo, sempre com medidas populistas para tentar conter câmbio, conter preço, e isso só gera mais incerteza nos investidores", analisa o professor do Insper.
Para ele, o problema do país vizinho é "muito mais estrutural". "A Argentina precisa parar de tentar achar soluções de curto prazo, e começar a fazer uma política de contenção de inflação, geração de confiança, arrecadação de recursos internacionais para investimentos estruturantes. Sem isso, eu acho difícil ela sair desse buraco", finaliza Alexandre Chaia.