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Cadê o cofrinho? Brasileiro vai ter que enfrentar crise sem poupança e endividado

Saques da caderneta de poupança superam depósitos enquanto inadimplência sobe

Economia|Fernando Mellis e Raphael Hakime, do R7

Dois em cada três brasileiros não têm qualquer reserva de dinheiro
Dois em cada três brasileiros não têm qualquer reserva de dinheiro

Guardar dinheiro é um desafio para muita gente: apenas um em cada três brasileiros possui algum tipo de reserva. Enquanto isso, os últimos dados, divulgados em maio, apontam que cerca de 60% das famílias estavam endividadas em abril. Juntos, esses dois cenários são propícios para deixar qualquer um com dor de cabeça. O Brasil está passando por dificuldades na economia, com crescimento do desemprego, inflação e juros altos. Dívidas e falta de poupança neste momento exigem inteligência para não ficar no vermelho.

Todos os meses, sobram para a diarista Ana Maria Coelho cerca de R$ 1.300. Era com essa quantia que ela sempre pagava o cartão de crédito, até se enrolar.

— Eu tinha muitas parcelas. Tudo era parcelado, roupa, remédio, presentes. Chegou um dia que comecei a pagar o mínimo do cartão e depois disso nunca mais consegui me livrar da dívida.

Ana Maria admite que sempre soube da importância de guardar dinheiro, mas preferia usar o que sobrava para o consumo da família. Agora, pagando uma dívida que tem mais de R$ 1.000 só de juros, ela se queixa. 


— [O cartão] faz uma falta danada. Parece que estou proibida de comprar. Mas acho que no fundo eu tinha que passar por isso. Nunca mais vou me enrolar tanto quando puder usar o cartão de novo.

O grande medo de Ana Maria sempre foi ficar com o nome sujo, algo que tem aumentado nos últimos meses no Brasil. Segundo o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), entre março e abril, a inadimplência cresceu 3,39% no País: 535 mil pessoas passaram a ter restrições para obter financiamento. O Banco Central registrou 4,6%.


A Serasa registrou aumento de 2,26% de cheques sem fundos em abril. A consultoria afirmou que esse foi o pior índice registrado no mês desde 1991 (início da série histórica). No mesmo mês, quase 60% das famílias brasileiras estavam endividadas, segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio).

Os próximos dois anos devem ser difíceis na economia e isso afeta toda a sociedade. Pessoas com menor renda são as mais vulneráveis, segundo o professor Sérgio Almeida, da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo). Ele diz que o momento exige diminuir o consumo e pensar em guardar dinheiro.


— O comportamento mais adequado para minimizar os problemas que você pode ter com a crise é não comprar nada a prazo e cortar gastos. Aí tem que ver quanto entra de renda e quais são os gastos. O pagamento de dívidas do passado tem que ser honrado. E aí tem que cortar despesas que não são essenciais. O ideal é que guarde pelo menos uma parte do dinheiro que sobra.

Começar guardando pouco dinheiro já é um bom começo
Começar guardando pouco dinheiro já é um bom começo

Poupança

O índice de poupança no Brasil é muito baixo: cerca de 14% de todas as riquezas produzidas. Enquanto isso, na China, por exemplo, esse índice é de 30%.

Juntar dinheiro todo mês era um hábito da pensionista Regina Camargo, de 76 anos. “Mesmo que fosse pouquinho, eu sempre depositava”, conta. Mas a filha ficou desempregada no começo do ano e ela teve que sacar todas as economias para ajudar: R$ 5.000. Agora, conta que não conseguiu mais engordar a poupança.

— Eu não sei o que aconteceu, mas não me sobra nem R$ 50, está tudo mais caro. Por enquanto, estou com as contas apertadas, mas ainda consigo pagar tudo. Só que não sei o que vou fazer se as coisas continuarem subindo de preço.

O movimento que Regina fez (retirar dinheiro da poupança) foi o mesmo de milhões de brasileiros desde o começo do ano. Resultado disso, acaderneta de poupança teve sucessivos saldos negativos (cerca de R$ 40 bilhões a mais em saques do que depósitos).

O diretor-executivo da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), Miguel de Oliveira, diz que, além da necessidade de uso desse dinheiro, o rendimento da poupança é muito baixo e acaba consumido pela inflação.

— A poupança rende hoje 0,62% ao mês contra 0,82% de um fundo de renda fixa. Em 12 meses, a poupança acumula uma alta de 7,25% contra 10,20% dos fundos. A dificuldade na renda das famílias, agora agravada pela escalada do desemprego, que começa a pipocar e crescer, isso vai fazer com que as pessoas saquem dinheiro da poupança para complementar o orçamento.

José Vignoli, educador financeiro do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), afirma que é preciso ser perseverante quando o assunto é poupar.

— Tem que acreditar no dinheiro no tempo. É muito comum as pessoas falarem que só conseguem guardar pouco ou não conseguem. Pouco ou muito, é preciso ter a habitualidade de guardar dinheiro. Você precisa colocar no seu orçamento o quanto se propõe a guardar.

O professor da FEA-USP acrescenta que “guardar valores pequenos é um bom começo”.

— As pessoas que têm uma renda mais baixa vão gastar todo o dinheiro com consumo e não dá para ser muito diferente. Mas seria possível, em tese, ter R$ 10 reservados para a poupança. O importante é o hábito.

Impostos e contas deixam as pessoas no vermelho e viram piada

Ajustes

Enquanto o governo corta nos gastos públicos, cabe à população fazer o mesmo. Para enfrentar o cenário econômico que está por vir, a classe média vai ter que mudar alguns hábitos de consumo, segundo especialistas. Vignoli fala em se precaver.

— Se você dá o passo maior que a perna, a chance de ficar inadimplente é muito maior. Claro que há situações incontroláveis, como perder o emprego, mas se há planejamento, poupança, o desastre fica menor.

É imprescindível acompanhar os gastos diários. Uma forma de fazer isso é olhar o extrato do banco e do cartão de crédito, pelo menos uma vez por semana. Lá, dá para saber quais despesas consomem mais do orçamento e diminuí-las ou cortar de vez.

O foco desses pequenos gestos deve ser sempre o futuro, algo em que, segundo Miguel de Oliveira, o brasileiro não pensa muito.

— Se pensasse no futuro, se soubesse que depender da Previdência é complicado, ele faria seu pé de meia. Já foi pior, mas ainda estamos longe do que ocorre em outros países.

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