Crise hídrica, inflação e conflitos políticos justificam recessão técnica
Economia brasileira encolheu pelo segundo trimestre seguido, guiada pela queda de 8% do setor agropecuário
Economia|Alexandre Garcia, do R7
Os momentos de instabilidade política, a inflação em patamares elevados, a falta de insumos para produção de bens e a pior crise hídrica dos últimos 91 anos são alguns dos elementos que explicam o encolhimento de 0,1% da economia nacional no terceiro trimestre. O resultado pôs o Brasil novamente em uma recessão técnica após um período pouco superior a um ano.
O dado negativo, divulgado nesta quinta-feira (2) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foi guiado pela queda de 8% na produção agropecuária e pelo desempenho nulo da indústria. Nem mesmo o alta de 1,1% dos serviços, setor responsável por mais de 70% da economia, foi capaz de reverter o cenário.
Para Fábio Astrauskas, economista e professor do Insper, a recessão técnica (dois trimestres consecutivos de queda da atividade econômica) tem origem na crise institucional, que provocou uma desvalorização do real acima da média e ocasionou uma inflação elevada.
“A pandemia é um pano de fundo importante para explicar os impulsionadores da crise econômica, não apenas no Brasil, como também no mundo todo. No Brasil, entretanto, houve falta de habilidade política e econômica para ler corretamente o cenário de pandemia. Isso agravou as condições de crise interna”, aponta ele.
Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos, explica que os desempenhos ruins dos setores da indústria e da agropecuária e o salto dos serviços já eram previstos. “Já era um movimento esperado, de acordo com a evolução da pandemia”, diz ela.
“Ao ficarem isoladas, as pessoas redirecionaram parte da renda delas para a aquisição de bens, e vimos o varejo e a indústria bombando, porque a renda das famílias foi mantida e algumas tiveram até ganhos maiores devido ao pagamento do auxílio emergencial”, afirma Rachel.
Ao analisar especificamente os entraves da indústria, a chefe de economia da Rico cita a falta de insumos para produção e os temores pela pior crise hídrica dos últimos 91 anos. “Estamos vivendo uma crise de suprimentos que afeta a produção industrial no mundo inteiro.”
“Temos o nosso próprio microcosmo, que foi bastante afetado pela crise hídrica, que já melhorou bastante, mas houve um auge de incerteza em relação ao fornecimento de eletricidade e o próprio aumento do custo da energia, o que afeta muito a produção”, completa Rachel.
“O encarecimento dos insumos e outros problemas na cadeia produtiva, além da crise energética, vêm afetando o setor industrial”, destaca a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
Diante das dificuldades, a indústria trouxe crescimento apenas nos ramos de construção (3,9%) no terceiro trimestre. As áreas de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (-1,1%), indústrias de transformação (-1%) e indústrias extrativas (-0,4%) amargaram perdas.
Agronegócio
Guiado por desempenho ruim do agronegócio, o resultado negativo que pôs o Brasil novamente em uma recessão técnica foi consequência, principalmente, do encerramento da safra de soja, que também acabou impactando as exportações. Rebeca explica que a colheita é muito concentrada nos dois primeiros trimestres.
“Como a soja é a principal commodity brasileira, a produção agrícola tende a ser menor a partir do segundo semestre. Além disso, a agropecuária vem de uma base de comparação alta, já que foi a atividade que mais cresceu no período de pandemia e, para este ano, as perspectivas não foram tão positivas, em ano de bienalidade negativa para o café e com a ocorrência de fatores climáticos adversos na época do plantio de alguns grãos”, afirma Rebeca.
Rachel de Sá, da Rico, destaca ainda que fenômenos climáticos foram responsáveis por “safras muito ruins” no período compreendido entre julho e setembro. “Apesar do preço das commodities em alta, as safras não foram boas em termos de produção”, lamenta.