Enquanto os gigantes estão em recessão na Europa, países menores crescem rápido
Alemanha, antes o motor econômico da zona do euro, luta para sair de uma recessão, ao passo que Grécia e Portugal deslancham
Economia|Liz Alderman e Melissa Eddy, do The New York Times
Atualmente, pode ser observado algo extraordinário na economia europeia: as nações do sul, que quase romperam o bloco monetário do euro durante a crise financeira em 2012, estão crescendo mais depressa que a Alemanha e outros países maiores, que há muito tempo impulsionam o desenvolvimento da região.
Essa dinâmica está reforçando a saúde econômica e impedindo uma degradação maior da zona do euro. Surpreendentemente, os retardatários passaram a líderes. Em 2023, a Grécia, a Espanha e Portugal cresceram mais que o dobro da média da zona do euro, e a Itália não ficou muito atrás.
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Há pouco mais de uma década, o sul da Europa era o centro de uma crise de endividamento da zona do euro, que ameaçava desmembrar o bloco de países que usam a moeda comum. A recuperação das profundas recessões nacionais e os resgates internacionais multibilionários com programas de austeridade rigorosos levaram anos. Desde então, esses mesmos países têm trabalhado para sanar suas finanças, atraindo investidores, reavivando o crescimento e as exportações e revertendo a taxa recorde de desemprego.
Agora, a Alemanha, maior economia da Europa, está prejudicando o desempenho da região, já que luta para sair de uma crise desencadeada pelo aumento dos preços da energia que se seguiu à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Isso ficou claro na terça-feira, quando novos dados mostraram que a produção econômica do bloco monetário do euro cresceu 0,3% no primeiro trimestre deste ano em relação ao trimestre anterior, segundo a agência de estatísticas da União Europeia (UE), a Eurostat. A economia da zona do euro encolheu 0,1% tanto no terceiro quanto no quarto trimestre do ano passado, o que representa uma recessão técnica.
A Alemanha, que responde por um quarto da economia do bloco, quase não evitou uma recessão no primeiro trimestre de 2024, crescendo apenas 0,2%. A Espanha e Portugal se expandiram quase três vezes mais depressa, mostrando que a economia da Europa continua a crescer em dois ritmos diferentes.
Como foi que a Grécia, a Espanha e Portugal saíram na frente?
Em seguida a anos de resgates internacionais e rígidos programas de austeridade, os países do sul da Europa fizeram mudanças cruciais que atraíram investidores, reavivaram o crescimento e as exportações e reverteram o desemprego, que chegou a atingir níveis recordes.
Os governos reduziram a burocracia e os impostos corporativos para estimular os negócios, além de promover mudanças no antes rígido mercado de trabalho, inclusive tornando mais fácil para os empregadores contratar e demitir trabalhadores e diminuindo o uso generalizado de contratos temporários. Tomaram medidas para reduzir as dívidas e os altíssimos déficits, atraindo fundos de pensão e de investimento internacionais para que voltassem a comprar títulos de sua dívida soberana.
“Esses países trabalharam em conjunto depois da crise europeia, sua estrutura está mais sólida e eles estão mais dinâmicos do que antes”, afirmou Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank, em Londres.
Os países do sul também dobraram sua economia de serviços – sobretudo o turismo, que gerou receitas recordes desde o fim das restrições relacionadas ao coronavírus. Além disso, beneficiaram-se de parte de um pacote de estímulo de 800 bilhões de euros implantado pela União Europeia para ajudar as economias a se recuperarem da pandemia.
Então, como funciona essa economia em dois ritmos?
A economia da Grécia cresceu cerca de duas vezes a média da zona do euro no ano passado, impulsionada pelo aumento dos investimentos de empresas multinacionais, como a Microsoft e a Pfizer, pelo turismo recorde e por investimentos em energia renovável.
Em Portugal, onde o crescimento foi liderado pela construção e pela hotelaria, a economia se expandiu 1,4% no primeiro trimestre, em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. A taxa de crescimento da economia da Espanha no mesmo período foi ainda mais acentuada, de 2,4%.
Na Itália, o governo conservador tem restringido os gastos, e o país está exportando mais tecnologia e produtos automotivos, ao mesmo tempo que atrai novos investimentos estrangeiros no setor industrial. Sua economia tem praticamente igualado a taxa de crescimento geral da zona do euro, melhoria significativa para um país que há muito tempo é visto como um entrave econômico.
“Esses países estão corrigindo seus excessos e apertando o cinto. Antes da crise, estavam vivendo além de suas possibilidades, e agora estão entrando em forma. Como resultado, estão mais enxutos e mais fortes”, disse Schmieding sobre as economias do sul da Europa.
O que houve na Alemanha?
Ao longo de décadas, a Alemanha cresceu de forma constante, mas, em vez de investir em educação, digitalização e infraestrutura pública durante esses anos de expansão, se tornou complacente e perigosamente dependente da energia russa e das exportações para a China.
Como consequência, houve dois anos de crescimento quase nulo, colocando o país em último lugar entre seus pares do Grupo dos Sete (G7) e os países da zona do euro. Quando medida em relação ao ano anterior, a economia do país encolheu 0,2 por cento no primeiro trimestre de 2024.
A Alemanha é responsável por um quarto da economia total da Europa, e o governo alemão previu na semana passada que sua economia cresceria apenas 0,3% no ano. Os economistas apontam para problemas estruturais, incluindo o envelhecimento da força de trabalho, os altos preços da energia e dos impostos e o excesso de burocracia, que precisam ser resolvidos para que haja uma mudança significativa. “Basicamente, a Alemanha não fez a lição de casa quando estava indo bem, e agora está de recuperação”, comparou Jasmin Gröschl, economista sênior da Allianz, sediada em Munique.
A Alemanha também baseou sua economia na exportação, modelo dependente do comércio internacional e das cadeias de suprimentos globais que foram interrompidas por conflitos geopolíticos e pelas crescentes tensões entre a China e os Estados Unidos – seus dois principais parceiros comerciais.
E quanto às outras grandes economias da Europa?
Na França, segunda maior economia da zona do euro, o governo recentemente baixou suas expectativas. A economia do país cresceu 1,1% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado.
As finanças francesas estão piorando: o déficit atingiu o nível recorde de 5,5% do PIB, e a dívida chega a 110 por cento da economia. O governo anunciou recentemente que precisaria dispor de cerca de 20 bilhões de euros extras neste ano e no próximo.
Os Países Baixos só recentemente saíram de uma leve recessão que se abateu no ano passado, quando a economia se contraiu 1,1%. O mercado imobiliário neerlandês foi especialmente afetado pela política monetária mais rígida na Europa.
Juntas, as economias alemã, francesa e neerlandesa respondem por cerca de 45 por cento do PIB da zona do euro. Enquanto estiverem se arrastando, o crescimento geral será limitado.
Será que o sul da Europa é capaz de manter o ritmo?
Sim – pelo menos por enquanto. As altas taxas de juros começaram a arrefecer seu crescimento, mas o Banco Central Europeu, que define as taxas para todos os 20 países que usam o euro, sinalizou que poderia reduzi-las em sua próxima reunião de políticas, no início de junho.
A inflação na zona do euro ficou estável em 2,4% no ano até abril, informou o Eurostat na terça-feira, depois de uma campanha agressiva do Banco Central para esfriar os preços descontrolados no ano passado.
Isso deve aquecer o turismo, um dos principais vetores de crescimento na Espanha, na Grécia e em Portugal. Essas nações também vão se beneficiar cada vez mais dos esforços para diversificar sua economia, promovendo-a como um novo destino para investimentos internacionais em manufatura e tecnologia.
A Grécia, a Itália, a Espanha e Portugal – que representam, em conjunto, cerca de um quarto da economia da zona do euro – também foram fortalecidos pelos fundos de recuperação da UE, com bilhões de euros em subsídios e empréstimos de baixo custo destinados à digitalização econômica e à energia renovável.
Mas, para garantir que esses ganhos não sejam passageiros, economistas afirmam que os países devem aproveitar o impulso e aumentar ainda mais a competitividade e a produtividade. O desemprego ainda é alto, embora tenha diminuído drasticamente desde a crise, enquanto os ganhos salariais para muitos empregos não conseguiram acompanhar a inflação.
Os países do sul europeu também ainda estão fortemente endividados, o que levanta questões sobre a sustentabilidade de suas finanças saneadas. A Alemanha, por outro lado, tem um limite autoimposto de quanto pode financiar sua economia por meio de empréstimos.
“Esses investimentos vão ajudar a fortalecer a economia desses países para o futuro. Mas imaginar que eles vão desafiar a Alemanha e a França como potências da Europa é ir longe demais”, disse Bert Colijn, economista do ING Bank, especializado na zona do euro.
c. 2024 The New York Times Company