Especialistas veem risco de ‘efeito dominó’ e temem que taxa influencie outros parceiros
Tarifas podem gerar interpretação de que o Brasil se tornou um ator sujeito a riscos geopolíticos e institucionais
Economia|Do R7
RESUMO DA NOTÍCIA
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As taxas de 50% sobre produtos brasileiros importados para os EUA (Estados Unidos da América) tensionaram as relações comerciais entre os dois países, mas também podem criar, na visão de especialistas, um ‘efeito dominó’ com outros parceiros comerciais do Brasil.
Ao contrário do que se percebe na relação bilateral entre EUA-Brasil, na qual um acordo ainda não foi firmado, o governo americano acertou nesta semana arranjos comerciais com o Japão.
Assim, o gigante asiático conseguiu a redução das taxas sobre suas exportações aos americanos e a permanência da indústria automobilística japonesa dentro dos EUA.
João Alfredo Lopes Nyegray, coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUC-PR, explica que, ao observar a imposição unilateral de tarifas por parte dos Estados Unidos, especialmente quando justificadas por argumentos políticos e não econômicos, outros países podem interpretar que o Brasil se tornou um parceiro sujeito a riscos geopolíticos e institucionais.
“Isso tende a minar a confiança na estabilidade regulatória e contratual brasileira, o que afeta diretamente as perspectivas de investimentos externos e compromete a previsibilidade das relações comerciais bilaterais”, afirma.
Já a mestre em Ciências Políticas e Leis Americanas, Jessika Kaminski, ressalta que o chamado “efeito dominó” pode enviar um sinal negativo ao mercado internacional:
“O aumento unilateral de tarifas por parte dos EUA envia um sinal de instabilidade aos demais parceiros comerciais do Brasil, gerando receios quanto à previsibilidade dos acordos. Essa ação pode ser replicada por outros países, seja como retaliação, seja como medida defensiva diante da volatilidade internacional”, destaca.
Estratégias e necessidades
Mesmo com a visão negativa que o anúncio já traz, João Alfredo Nyegray avalia que o caminho a percorrer para reverter a situação não vai na linha da retaliação brasileira.
“O Brasil pode — e deve — tentar abrir canais técnicos e diplomáticos de negociação direta com autoridades americanas mais moderadas, como membros do Congresso, do Departamento de Estado e do setor empresarial que se vê prejudicado com a medida. Uma abordagem híbrida, que combine diplomacia direta, articulação multilateral e apoio regional, parece ser a mais prudente neste momento", completa.
Competitividade
Embora o Brasil tenha diversificado os destinos de suas exportações, Nyegray observa que o país ainda depende dos Estados Unidos como parceiro estratégico em setores de alto valor agregado — especialmente no agroindustrial, em insumos alimentícios e em manufaturas leves.
O tarifaço compromete essa competitividade de diversas formas:
- Aumento do custo relativo: com a tarifa de 50%, os produtos brasileiros chegam mais caros ao consumidor americano, tornando-se menos competitivos em relação a países não tarifados, como México ou Austrália.
- Perda de reputação comercial: o risco regulatório associado ao Brasil pode elevar o chamado “custo Brasil diplomático”, afastando compradores internacionais pela percepção de instabilidade institucional.
- Desalinhamento de cadeias produtivas: produtos brasileiros usados como insumos por empresas americanas podem ser substituídos por concorrentes. Esse realinhamento pode persistir mesmo após eventual reversão das tarifas.
Para Jéssica Kaminski, é necessário focar em três frentes para se proteger de possíveis futuras tarifas:
- Fortalecer acordos multilaterais e regionais, como o Mercosul e o acordo Mercosul-União Europeia (ainda pendente);
- Reforçar cláusulas de estabilidade em futuros acordos bilaterais;
- Ampliar a presença do Brasil em fóruns comerciais internacionais, propondo regras mais rígidas contra o protecionismo arbitrário.
Acordo Japão-EUA
Em entrevista ao Conexão Record News desta quarta-feira (23), Leonardo Trevisan, analista internacional, aponta que um negociador de Tóquio fez oito viagens consecutivas a Washington para discutir as tarifas comerciais impostas pela Casa Branca.
“O Japão em momento nenhum falou em retaliação. Esse ponto me parece importante para a gente analisar as coisas”, comenta
O especialista considera que a nova resolução comercial “vai custar caro” para os japoneses, que terão de investir quantias anuais em torno de US$ 500 bilhões (cerca de R$ 2,7 trilhões, na cotação atual) na economia norte-americana.
Diplomacia
A economista Carla Beni, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), destaca que o Brasil é internacionalmente reconhecido pela postura aberta ao diálogo.
“Essa é a primeira questão. Mesmo quando falamos da Lei da Reciprocidade, o primeiro patamar da lei é o diálogo. O segundo é acionar os organismos internacionais, e só o terceiro é definir, com o comitê, quais seriam as medidas comerciais — e aí, sim, as retaliações a serem aplicadas”, pontuou, em entrevista à Record News nessa quarta-feira (23).
Carla também explica que a situação deve ser pensada em “câmera lenta”, ou seja, passo a passo. Alguns dos principais produtos exportados pelos EUA são manga, pescado, carne e café. Por isso, segundo ela, o empresário deve analisar se a carga já embarcou, se o produto é perecível e se existe a possibilidade de redirecionar para outros compradores internacionais.
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Um possível impacto nos empregos, segundo a especialista, é uma preocupação posterior. “Enquanto tudo isso está acontecendo, não se vê, inicialmente, a necessidade de demissões. No Brasil, temos dois custos muito altos: a demissão e o treinamento. Depois, para recontratar e treinar, sai muito caro”, analisa.
A economista também classifica o cenário atual como um “grande jogo verborrágico”, com muitas ameaças — o que gera preocupação entre países envolvidos e exportadores, mas também pode se tratar de uma estratégia para conseguir negociar.
O professor de economia Hugo Garbe explica que o Brasil é mais dependente economicamente dos Estados Unidos do que o contrário — o que limita a margem de confronto direto.
“O Brasil não tem capacidade econômica para entrar nesse embate com Donald Trump. A diplomacia brasileira precisa ser racional e estratégica neste momento, buscando trazer os EUA à mesa de negociação para tentar reduzir essa tarifa”, afirmou.
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