Ex-presidente da Americanas diz que teve dificuldade de obter informações na empresa
Sérgio Rial deixou o cargo ao anunciar um rombo de R$ 20 bilhões, após dez dias no comando da varejista
Economia|Do R7, com Reuters
O ex-presidente da Americanas Sérgio Rial disse que teve dificuldade de obter informações da gestão anterior da varejista durante a transição no comando da empresa. A declaração foi feita a uma comissão do Senado, nesta terça-feira (28).
Além disso, ele afirmou que, ao descobrir o rombo contábil na companhia, precisava extrair os dados "a conta-gotas" do departamento de contabilidade.
Junto de Rial, também participaram da audiência o atual presidente-executivo da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Ferreira, e outras figuras do mundo financeiro.
"O presidente anterior [Miguel Gutierrez], que tem vasta experiência, como eu já mencionei, não fez a sua sucessão", disse Rial aos senadores. Ele lembrou que foi anunciado como presidente-executivo da companhia em agosto de 2022 para assumir o posto em 1º de janeiro deste ano.
"Era uma pessoa com características de CEO, tendo estado na empresa há tanto tempo, centralizador, no sentido de que as informações eram muito bem controladas, vamos dizer, por ele juntamente com sua diretoria", disse Rial sobre Gutierrez, que atuou na Americanas por cerca de 30 anos — aproximadamente 20 na presidência-executiva.
Rial alegou que teve 21 reuniões com Gutierrez, que teria expressado preocupação com a possibilidade de dualidade no comando da empresa no período de transição.
Além disso, o ex-líder da varejista contou ter visitado um único centro de distribuição da companhia e algumas poucas lojas com o então presidente da empresa.
"Nunca, nunca de maneira que eu pudesse entender prospectivamente o tamanho do desafio, principalmente financeiro, que eu encontraria", relatou.
Segundo Rial, Gutierrez não quis que o executivo participasse da reunião de fechamento do ano da companhia. O ex-comandante da companhia classificou a medida como "pouco comum".
"Até o dia 26 de dezembro [de 2022], não se sabia prospectivamente o que seriam os resultados da Americanas para 2022. Na realidade, não sabemos até hoje. Na realidade, o quarto trimestre, até agora, não foi publicado", disse.
A Americanas anunciou na semana passada o adiamento da publicação de seus resultados do ano passado, previstos para esta semana. A decisão ocorreu em meio ao processo de apuração dos números no âmbito da recuperação judicial.
Não foi possível obter um comentário de Gutierrez de imediato. De acordo com a assessoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), ele estava entre os convidados para a sessão, mas não foi encontrado para receber o convite.
A empresa auditora da Americanas, a PwC (PriceWaterhouseCoopers), também foi convidada, mas decidiu não mandar um representante.
Sérgio Rial disse ter tomado conhecimento do rombo contábil na empresa em 4 de janeiro, quando dois diretores disseram a ele que a dívida bancária da Americanas não havia sido devidamente contabilizada na rubrica "bancos" do balanço.
"Ou seja, a dívida bancária da empresa, que, no terceiro trimestre, era de 19 bilhões de reais... A dívida bancária dessa empresa se torna 35, 36 bilhões de reais, com um patrimônio líquido de 16. E, a partir daquele momento, eu tenho absoluta consciência de que a empresa tinha uma estrutura patrimonial de insolvência", revelou.
A partir daí, Rial buscou entender a origem das incongruências e, novamente, enfrentou dificuldades em obter informações.
"Do dia 4 ao dia 11 [de janeiro] eu não recebi algo no papel, eu não recebi algo como fosse um mapa, eu extraía as informações a conta-gotas, dia após dia, de maneira incessante com o ex-diretor financeiro. Não havia uma predisposição, 'deixa eu lhe explicar tudo o que aconteceu, deixa eu lhe explicar tudo como aconteceu e por que aconteceu'. Nada disso", disse.
Acionistas principais
Rial também tentou tirar uma eventual responsabilidade dos três principais acionistas da Americanas: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
O executivo afirmou que eles demonstraram choque e surpresa com a revelação do rombo na companhia. Ele disse ainda ter certeza de que os principais acionistas "continuarão a dar credibilidade à empresa".
Na mesma audiência, o atual presidente da varejista, Leonardo Coelho Pereira, defendeu o plano de recuperação judicial da companhia. Manifestou, ainda, confiança no sucesso da medida.
"O fundamental é: existe possibilidade de recuperação desse ativo", disse Pereira, que afirmou que a Americanas "aguentou muita malcriação nestes últimos 20, 30 anos".
Ele disse que a auditora PwC continua a atuar na companhia, mas agora com uma "auditoria sombra" que está sendo realizada pela Deloitte.
Pereira acrescentou que não pode fazer prejulgamento sobre o que ocorreu na empresa e que cabe a ele assegurar a manutenção da Americanas, além de aguardar o resultado das investigações.
Questionado sobre a possibilidade de fraude, ele disse que "talvez seja essa a conclusão, mas eles precisam terminar o trabalho."
Leonardo Pereira disse ainda que o departamento financeiro da Americanas foi reconstruído e que ele vem trabalhando para refazer o balanço da companhia. "Hoje nós temos duas auditorias fazendo a checagem dos números."
"A Americanas, depois da recuperação judicial, não pode errar mais", acrescentou.
Escândalo
A Americanas protaganizou um dos maiores pedidos de recuperação judicial da história recente do país. Em janeiro, a varejista anunciou ter um rombo de R$ 20 bilhões por "inconsistências contábeis".
No procedimento, o valor devido aos credores já passa dos R$ 43 bilhões, superando o número divulgado no início deste ano.