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Saiba o que aconteceu com os ex-presidentes da Americanas um mês depois do rombo de R$ 20 bilhões

Miguel Gutierrez e Sergio Rial mantêm silêncio e tentam ficar longe de polêmicas, mas são vistos com desconfiança pelo mercado

Economia|Do R7

Com a crise, ex-presidentes da Americanas evitam dar declarações
Com a crise, ex-presidentes da Americanas evitam dar declarações Com a crise, ex-presidentes da Americanas evitam dar declarações

Em meio à crise da Americanas, que preocupa credores, fornecedores, acionistas e consumidores há mais de um mês, os dois últimos presidentes da companhia têm tentando ficar longe de polêmicas. Miguel Gutierrez, 60 anos, e Sergio Rial, 62, evitam falar com a imprensa e quase não são mais vistos no meio empresarial, e ainda não há notícias de que tenham conseguido uma recolocação.

Formado em engenharia e em economia, Gutierrez começou a trabalhar na Americanas no início dos anos 1990 e se tornou diretor em 1998. Em 2001, foi promovido a diretor-superintendente da empresa e, em setembro de 2020, após uma reestruturação, foi designado para o cargo de diretor-presidente do Universo Americanas, resultado da junção das empresas do grupo: a rede física das Lojas Americanas, a plataforma digital, formada pela B2W Digital, e os negócios de logística, a Let’s, e de inovação, a Ame Digital. 

Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez
Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez

Bastante reservado, Gutierrez deu poucas entrevistas ao longo dos anos em que esteve no comando da varejista. Ele não se manifestou publicamente quando, em agosto do ano passado, a Americanas anunciou que seria substituído por Sergio Rial. Permaneceu como diretor-presidente e participou do processo de transição até 31 de dezembro de 2022, quando se desligou da companhia e deixou de ter qualquer relação com ela, o que é confirmado pela Americanas.

Desde então, está em silêncio. Não deu nenhuma declaração nem se preocupou em esclarecer o que teria causado um déficit tão grande no caixa da empresa durante sua gestão. 

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Suspeita-se, inclusive, que ele tenha se mudado para a Espanha.

O sucessor e a divulgação do 'rombo'

Sergio Rial ficou na Americanas por apenas nove dias
Sergio Rial ficou na Americanas por apenas nove dias Sergio Rial ficou na Americanas por apenas nove dias

Rial foi anunciado como sucessor de Gutierrez em 19 de agosto de 2022, por meio de um comunicado ao mercado. A Americanas justificou: "Acreditamos que este movimento de sucessão reforçará a estratégia da companhia de crescimento com rentabilidade, indo ao encontro do nosso propósito de somar o que o mundo tem de bom para melhorar a vida das pessoas".

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Apesar da mudança, na época, a companhia disse que sua estrutura organizacional não seria alterada e continuaria com três CEOs que se reportariam ao presidente, que também cuidaria da área de relações com investidores: um responsável pela plataforma digital, outro pela inovação e fintech e o terceiro, o CFO (diretor financeiro) da companhia.

Logo após esse anúncio, o executivo começou seu trabalho na empresa e fez a transição do cargo com Gutierrez de forma coordenada. Sua contratação foi vista como positiva pelo mercado, em um momento em que as companhias de ecommerce enfrentavam dificuldade devido à queda das vendas.

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Mesmo antes da posse, ele já falava sobre a empresa em seu perfil no LinkedIn:

Formado em economia, com mestrado em direito, Rial assumiu a presidência da Americanas em 2 de janeiro, mas ocupou a posição por apenas nove dias. Ele renunciou ao cargo no dia 11, quando publicou o fato relevante em que anunciava a descoberta de "inconsistências contábeis" de R$ 20 bilhões no balanço da empresa. Com ele, também renunciou André Covre, diretor de relações com investidores, que foi para a Americanas a convite de Rial.

Com a saída dos dois, o conselho de administração da companhia nomeou João Guerra, que era diretor de recursos humanos e tecnologia, para assumir os cargos de presidente e diretor de relações com investidores, de forma interina. O conselho também decidiu criar "um comitê independente para apurar as circunstâncias que ocasionaram as referidas inconsistências contábeis, que terá os poderes necessários para a condução de seus trabalhos”, disse a Americanas, em nota, naquele dia.

Antes de deixar a companhia, Rial enviou uma carta aos funcionários em que alertava sobre a possibilidade de ajustes estruturais, motivados por "lançamentos contábeis inconsistentes", que "não só dizem respeito ao ano de 2022, mas a vários anos passados também".

Sobre seus próximos passos, o executivo afirmou: "Eu continuarei apoiando a outra esteira, focada na reestruturação da situação patrimonial da empresa, apoiando os nossos acionistas de referência, como assessor", disse, ao se referir aos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, donos da 3G Capital, holding de investimentos privados.

A trajetória de Rial

Até estourar a crise da Americanas, Rial era presidente do conselho de administração do Santander Brasil, instituição que presidiu por sete anos e aumentou seu faturamento, o que lhe rendeu sucesso e reconhecimento no mercado.

No dia seguinte à divulgação das inconsistências nos balanços da empresa e de sua renúncia, ele participou de uma reunião com investidores, organizada pelo banco BTG Pactual. Na ocasião, tentou explicar os problemas contábeis anunciados na noite anterior: disse que havia identificado financiamentos bancários que deveriam ter sido reportados como dívida, e que isso acontecia há, pelo menos, sete anos.

No dia 13 de janeiro, Rial promoveu um encontro com representantes das instituições financeiras credoras da Americanas para tratar da crise. Ele apresentou um pedido de desconto nas dívidas da empresa, que foi negado pelos bancos.

A postura do executivo, que não era mais presidente da companhia, mas representava os interesses dos acionistas de referência, desagradou aos representantes das instituições bancárias, pois foi considerada conflito de interesses. A situação foi reportada à presidente do grupo Santander, e Rial acabou sendo pressionado a renunciar à cadeira no conselho do banco espanhol. 

Cerca de dez dias depois de deixar o cargo, Rial publicou uma reflexão de sua atuação na empresa:

Rial afirma que já encerrou seu trabalho de assessoramento aos sócios do 3G e nega ter algum vínculo com os acionistas ou com a Americanas, mas há fortes indícios de que ele continue atuando nos bastidores.

Caso ele realmente não esteja envolvido nos negócios da varejista, o que, afinal, ele estaria fazendo agora? Outra questão que perturba o mercado é: desde quando Rial sabia do rombo financeiro, já que ele começou a trabalhar na empresa entre três e quatro meses antes de tomar posse como presidente? O que explicaria a demora entre o anúncio de sua contratação e a entrada no cargo? 

Sobre esses questionamentos, o executivo encaminhou um comunicado à reportagem do R7, reproduzido a seguir:

"Venho por meio desta resposta, afirmar categoricamente que não há nenhum envolvimento, contrato, ou qualquer outro vínculo meu com a Americanas ou com os seus acionistas de referência. O assessoramento que voluntariamente me propus prestar foi apenas nos primeiros dias após o Fato Relevante, que perdurou apenas até o dia 20 de janeiro, quando foi apresentado o pedido de recuperação judicial da Americanas.

Esclareço ainda que a empresa Rothschild foi contratada logo a seguir, no final de semana seguinte (14/1/23) ao Fato Relevante, bem como a identificação de uma nova CFO com vasta experiência de restruturação, bem como a indicação da Álvarez & Marsal. Tudo isso, visando obviamente que se construísse um cenário de partida minimamente organizado ante o contexto que se estabeleceu com a descoberta e reporte das inconsistências naquele momento. 

Por último, cumpri a lei ao reportar ao mercado o que foi descoberto após informações recebidas de dois diretores nas primeiras reuniões que realizei após tomar posse como novo CEO das Americanas. A Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) dispõe claramente a obrigação de 'divulgar fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia'.

Essa mesma previsão vem reiterada no artigo 3º da Resolução CVM nº 44/2021.

Portanto, quem sustenta que eu deveria manter a descoberta oculta, ou não conhece a lei ou prega o seu descumprimento.

Agradeço pela publicação dos esclarecimentos acima.

Sergio Rial" 

Mesmo sendo visto com desconfiança pelo mercado, hoje Rial ainda faz parte, como presidente, vice-presidente ou membro, dos conselhos de administração das empresas Vibra Energia (desde abril de 2022), BRF (desde março de 2022), Delta Airlines (desde dezembro de 2014) e The Nature Conservancy LACC (desde novembro de 2014).

O executivo começou a carreira no ABN Amro Bank (que foi comprado pelo Santander), no qual ficou de 1984 a 2002, e chegou ao cargo de diretor. Depois, trabalhou no banco de investimentos americano Bear Stearns, até 2004, quando foi contratado pela Cargill, multinacional do ramo de alimentos, onde ficou até 2012.

No mesmo ano, foi para a Seara, onde assumiu o cargo de presidente, e, em 2014, mudou-se para a presidência da Marfrig. Em 2015, foi contratado pelo Santander, onde permaneceu até receber a proposta da Americanas.

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Demissões no alto escalão

Três diretores do mais alto escalão da Americanas e três executivos foram afastados da empresa no dia 3 de fevereiro, por decisão do conselho de administração, durante as apurações do rombo contábil de cerca de R$ 20 bilhões, revelado no mês passado.

Os diretores são: Anna Saicali, que comandava a Ame Digital; Timotheo Barros, diretor das lojas físicas, logística e tecnologia; e Marcio Cruz, diretor de digital, consumo e marketing. 

Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes são os executivos que também foram afastados.

Na comunicação da decisão do conselho, a empresa não informou o nome dos substitutos, mas disse ter detectado "lideranças internas e externas que darão continuidade aos negócios e às operações". 

Segundo a Americanas, os seis foram afastados "de todas as suas funções e atividades na companhia e suas controladas" enquanto durarem as apurações. Entretanto, o afastamento não representa "antecipação de juízo".

Na alta cúpula da companhia ficaram o atual presidente-executivo, João Guerra, que assumiu após a revelação das inconsistências contábeis, e a diretora financeira de relações com investidores, Camille Loyo Faria, também contratada depois que a crise veio à tona.

A força de Beto Sicupira

Depois de 40 anos, em novembro de 2021, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto (Beto) Sicupira e Marcel Telles deixaram o controle da Americanas. Eles disseram, na época, que, com a decisão, reforçavam seu "compromisso com a visão de longo prazo como norteadora da geração de valor futura". Desde 1983, os três são sócios e os maiores acionistas da varejista.

Se a estrutura societária foi simplificada, na gestão da empresa, entretanto, houve pouca mudança. Miguel Gutierrez continuou no comando e, segundo relatos de diretores e ex-funcionários, ele sempre foi muito próximo de Beto Sicupira e fazia questão de seguir todas as ordens do acionista.

O sócio de Lemann e Telles tinha um papel tão ativo na gestão da empresa que a expressão "ordem do Beto" se tornou frequente na Americanas e era usada na resolução de questões corriqueiras, que nem caberiam ao conselho, segundo contam profissionais da empresa.

Sabe-se que não havia autonomia no alto escalão e que o executivo não tomava nenhuma decisão sem pedir a permissão de Sicupira. O ex-presidente da Americanas chegava a interromper reuniões para telefonar para o "patrão" antes de tomar decisões importantes.

Anna Saicali, Timotheo Barros e Márcio Meirelles, os três diretores afastados no início do mês, também eram do grupo do acionista. Documentos internos e ações jurídicas mostram que o bilionário, que hoje lidera as negociações com bancos credores, era quem, na verdade, administrava a empresa.

Além disso, os relatos dão conta de que Gutierrez reproduzia o comportamento grosseiro de Sicupira, o que pode explicar a sintonia que havia entre os dois e como o executivo se manteve no cargo por tanto tempo. 

As coisas mudaram no meio do ano passado, quando Sicupira e Gutierrez começaram a se estranhar, o que coincide com a época em que foi anunciada a substituição do executivo por Sergio Rial. Os dois teriam ficado sem se falar durante todo o segundo semestre de 2022.

O que diz o grupo 3G Capital

Donos do grupo 3G Capital, Lemann e Sicupira estão entre as pessoas mais ricas do mundo, segundo a lista da revista Forbes. O valor exato da fortuna deles, entretanto, é desconhecido, por se tratar de uma informação confidencial, que não é aberta ao público.

Donos da maioria das ações da Americanas, eles só se manifestaram sobre a crise na empresa 11 dias depois da divulgação do rombo, por meio de uma nota enviada a jornalistas. Nela, os empresários afirmam que jamais tiveram conhecimento da dívida e que nunca admitiriam nenhuma manobra ou dissimulação contábil na companhia.

Veja a nota dos empresários:

NOTA PÚBLICA

No dia 11 de janeiro de 2023, por meio de “fato relevante”, a Americanas S.A. tornou pública a existência de significativas inconsistências em sua contabilidade. Desde então, sempre com transparência e imediatismo, vários esforços vêm sendo feitos para o correto tratamento dos desafios que hoje se colocam à empresa.

Usamos dessa mesma clareza para esclarecer de modo categórico e a bem da verdade que:

1) Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país.

2) A Americanas é uma empresa centenária, e nos últimos 20 anos foi administrada por executivos considerados qualificados e de reputação ilibada.

3) Contávamos com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC. Ela, por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade.

4) Portanto, assim como todos os demais acionistas, credores, clientes e empregados da companhia, acreditávamos firmemente que tudo estava absolutamente correto.

5) O comitê independente da companhia terá todas as condições de apurar os fatos que redundaram nas inconsistências contábeis, bem como de avaliar a eventual quebra de simetria no diálogo entre os auditores e as instituições financeiras.

6) Manifestamos mais uma vez nosso compromisso de integral transparência e de total colaboração em tudo o que estiver ao nosso alcance para esclarecer todos os fatos e suas circunstâncias.

7) Lamentamos profundamente as perdas sofridas pelos investidores e credores, lembrando que, como acionistas, fomos alcançados por prejuízos.

8) Reafirmamos o nosso empenho em trabalhar pela recuperação da empresa, com a maior brevidade possível, focados em garantir um futuro promissor para a empresa, seus milhares de empregados, parceiros e investidores e em chegar a um bom entendimento com os credores.

Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira

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