Três anos após tragédia, região de Mariana ainda tem desemprego alto
Em dados atuais, o desemprego de Mariana está em 22,7%, segundo o Sine (Sistema Nacional de Emprego). Antes, o número não passava de 6%
Economia|Thais Skodowski, do R7
Três anos após o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), os moradores da região estão longe de se desvincular da tragédia. Não bastasse o luto pelas 19 vítimas e os danos ambientais imensuráveis, a alta taxa de desemprego também assombra os moradores.
Em dados atuais, o desemprego de Mariana está em 22,7%, segundo o Sine (Sistema Nacional de Emprego). Antes de novembro de 2015, o número não passava de 6%. A situação se repete em outros municípios e distritos que também dependiam da receita gerada pela mineradora.
Marlete Deusdethi Barros, 44 anos, mora no distrito Antônio Pereira, que pertence a Ouro Preto (MG) e fica entre Mariana e a barragem. Marlete conta que depois do rompimento da barragem, foi demitida do cargo de encarregada de alojamento de uma empresa que prestava serviços à Samarco. “O distrito inteiro está sofrendo, a gente sobrevivia aqui com as vagas geradas direta ou indiretamente pela mineradora”, diz.
Após um ano, Marlete conseguiu um novo emprego, mas diz que mais da metade da população onde mora sobrevive de bicos. “Como tem aqui a mineração e extração de ouro e de pedras, as pessoas aqui vão para o garimpo, pegar manualmente, já que não pode maquinário. Elas vão garimpar topázio”, conta. “É um risco de soterramento, afogamento e de outros problemas de saúde”, complementa. Além dela, o marido, filho e irmãos também perderam o emprego à época.
Quando a tragédia aconteceu, a Samarco tinha 3 mil funcionários trabalhando diretamente na empresa. Incluindo os trabalhadores indiretos, o total era de 6 mil. Atualmente, apenas 1.060 mantiveram as funções.
É por isso que, apesar de tamanho estrago deixado pela mineradora, o retorno das atividades da Samarco é clamado pela população próxima à barragem do Fundão. Protestos em frente à empresa, cartazes com “Volta Samarco” pendurados em comércios e páginas no Facebook como “Justiça sim, desemprego não” dão a dimensão da busca por empregos.
As 5 lições ignoradas após tragédia de Mariana
O prefeito de Mariana, Duarte Junior (PPS), destaca a perda de receita do município com a paralisação das atividades da mineradora. “Nós tivemos uma queda de receita muito alta. Mariana perdeu em média quase 30% de sua receita, isso em valores financeiros chega R$ 70 milhões por ano. A cidade tinha uma receita em torno de R$ 307 milhões e hoje estamos arrecadando em torno de R$ 240 milhões.”
No entanto, ainda não há previsão para o retorno das atividades da empresa. A Samarco alega que precisa de duas licenças para voltar a operar: a primeira, referente a um novo local para a disposição de rejeitos (Cava Alegria Sul); e a segunda, relativa ao LOC (Licenciamento Operacional Corretivo) do Complexo de Germano, localizado em Mariana e Ouro Preto (MG). Mesmo assim, quando voltar, o número de funcionários será menor do que antes da tragédia, já que o local funcionará de maneira diferente.
Crise na mineração
O rompimento da barragem ocorreu em meio a uma crise do segmento da mineração no Brasil e no mundo. O preço do minério estava em queda, por causa do freio no crescimento econômico da China.
A retração dos preços e investimentos gerou redução de gastos e funcionários. A crise, porém, foi agravada com o desastre.
De acordo com o Departamento Nacional de Produção Mineral, o setor de extração de minério tem um fator multiplicador de 3,6 postos de trabalho sobre a indústria de transformação mineral. Isso significa que, a cada vaga fechada, outras três são ameaçadas.
Municípios dependentes
Com isso, munícipios próximos às barragens são marcados pela depedência econômica em relação à mineradoras. A estrutura de instalação de empresas deste segmento acaba criando uma armadilha.
“Toda a economia da cidade passa a girar em torno da empresa, para prestação de serviços e para empresas terceirizadas e tudo mais. Então tem os efeitos indiretos dos postos de trabalho, além das pessoas que vão para lá para trabalhar e vivem na cidade”, aponta o pesquisador Tádzio Peters Coelho, do Centro Ignácio Rangel de Estudos do Desenvolvimento.
Coelho também explica que o segmento acaba boicotando alternativas econômicas.
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“O que acontece em geral nessas regiões é que os investimentos públicos e também os privados são direcionados a partir de certo momento onde eles vão ter uma taxa de retorno maior, que é prestando serviços para mineração. Então, vai criando todo um organismo econômico que gira em torno dessa mineradora e quando surgem alternativas econômicas não é atrativa instalá-la se ela não for relacionada à mineração”.
Há também toda a estrutura política e até mesmo o status gerado por trabalhar na empresa, conforme explica o pesquisador.
“A mineradora vai eleger representantes políticos financiados por ela e que vão representar os seus interesses e, que, por sua vez, vão manter a estrutura política de dependência. Geralmente o que a gente vê via de regra é que essa dependência só termina quando há uma grande tragédia, como a de Brumadinho ou de Mariana, ou quando não se torna mais atrativo explorar aquela jazida”, conclui.
Promessas não cumpridas
Apesar de reconhecer a importância da volta das atividades da Samarco, o prefeito de Mariana, Duarte Junior, reclama das promessas não cumpridas pela empresa.
“De forma alguma nos fecha os olhos para entender que a empresa é totalmente responsável pela tragédia e por mais que seja um nome fictício, porque o dono da Samarco é Vale e BHP, nós entendemos que o poder Judiciário precisa fechar esse processo e os responsáveis devem ser punidos. A barragem não construiu do nada, ela foi construída por homens, então alguém é responsável por essa tragédia”, diz.
Duarte Junior também acusa a Fundação Renova, entidade responsável pela mobilização para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, de atuar como advogada da Samarco. De acordo com o prefeito, até o momento, a Prefeitura de Mariana não recebeu o reembolso de despesas ocasionadas pelo desastre referentes ao mês de novembro de 2015 a abril de 2016.
“Nós de Mariana entramos em ação na Inglaterra, porque lá existe algo chamado tributos cessantes. A empresa se ela causa tragédia, ela mesmo não estando operando, ela tem obrigação de manter os tributos municipais. Aqui no Brasil não existe esta lei”, explica.
“Para a minha supresa, a Renova quando soube da ação na Inglaterra, me procurou e disse ‘prefeito, nós só vamos te pagar se tirar a ação na Inglaterra’”, conta.
Por nota, a Fundaçao Renova afirmou que “mesmo com a falta de comprovação dos gastos extraordinários por parte de 90% dos municípios atingidos, a Fundação, as prefeituras e Câmara Técnica negociaram uma definição de uma metodologia para viabilizar o ressarcimento. Dessas negociações, chegou-se ao valor de R$ 53 milhões, a ser distribuído entre 39 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Um total de 19 municípios assinou o acordo resultante do longo processo de discussão. Quanto ao restante, a Fundação Renova segue em negociação, conforme estabelece o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) celebrado em março de 2016”.
Ainda segundo o prefeito de Mariana, no TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta) ficou acordado o desenvolvimento de outros setores para manter a economia da cidade.
“O próprio programa do TTAC diz sobre o distrito industrial. Nós temos condições para procurar por empresas de tecnologia, do ramo têxtil. O problema é que a Renova que é constituída para nos apoiar, não faz as coisas não saírem do papel”.
A entidade informou que “tem desenvolvido ações para dar condições de um crescimento sustentável e que também reforcem os cofres públicos. Em dois anos e meio de operação da Fundação em Mariana, a receita municipal arrecadou mais de R$ 13 milhões em ISS (Imposto Sobre Serviços). Somente em 2018, foram cerca de R$ 8 milhões em ISS recolhidos. A expectativa é que esses números sejam superados em 2019, com o avanço da reconstrução de Bento Rodrigues e o início das obras de Paracatu de Baixo”.
A nota também explica que a fundação garante 73% de mão de obra local nas ações de reparação. A previsão é que, no pico das obras, a reconstrução das comunidades empregue 2 mil pessoas. Há também fomento à economia local, com estímulo à saúde financeira de micro e pequenos negócios e ao turismo.