Aprendizagem em matemática para alunos de 10 anos volta ao nível de 2013
Crianças não conseguem resolver problemas simples de adição e subtração; retrocesso foi causado pela pandemia de Covid
Educação|Do R7
Os estudantes brasileiros de dez anos de escolas públicas e particulares voltaram à aprendizagem em matemática que tinham em 2013 por causa da pandemia de Covid-19. Atualmente, eles não conseguem resolver problemas com adição e subtração de cédulas e moedas, em reais, por exemplo, ou que envolvam a metade e o triplo de números naturais.
Em português, a regressão dos alunos de 5º ano foi menor. Em todas as séries avaliadas houve queda, tanto em português quanto em matemática. Os resultados foram divulgados nesta sexta-feira (16) pelo MEC (Ministério da Educação), e se referem a uma prova feita em 2021 com 5,3 milhões de alunos do país, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).
Esta é a principal avaliação de educação do Brasil e traz pela primeira vez o retrato oficial do retrocesso causado pelas escolas fechadas e o ensino remoto.
Apesar da importância, há ressalvas de especialistas por causa do índice de participação ter sido baixo justamente em virtude da crise da Covid-19.
"A realização foi um grande desafio, esforço conjunto entre União, estados e municípios. A aplicação foi exitosa", disse o ministro da Educação, Victor Godoy.
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A ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Maria Helena Guimarães de Castro, presente à coletiva no MEC, afirmou que, pelas peculiaridades da pandemia e diferenças entre redes, "os dados deste ano não poderiam ser comparados".
O Brasil foi um dos países que deixou seus alunos por mais tempo em casa durante a crise sanitária. A maioria dos estados reabriu suas escolas só em agosto de 2021, mesmo assim com esquemas de rodízio de presença nas aulas.
O Saeb é uma prova bienal, de português e matemática, que deve ser realizada por todos os alunos dos 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do médio no Brasil, desde os anos 1990.
Por causa da pandemia, o índice de comparecimento no Brasil foi de 71,25%, segundo o Inep. A participação maior foi dos estudantes do 5º ano, com 76,9%. A porcentagem geral é considerada muito baixa para alguns estatísticos. O último exame havia sido em 2019 e teve 80,99% dos alunos do país.
As médias mais baixas foram registradas no 5º ano, cujas crianças começaram a pandemia com 9 anos (4º ano), muitas vezes no processo final da alfabetização. Em português, a queda foi de 6,6 pontos, equivalente a metade de um ano escolar.
As crianças pequenas são também menos autônomas para acompanhar o ensino remoto que os adolescentes. Por outro lado, elas voltaram em peso às escolas, o que não ocorreu no ensino médio – muitos jovens tiveram de trabalhar e abandonaram os estudos.
A nota registrada no ensino médio, com quedas menores, pode ter ocorrido pela menor participação de estudantes no Saeb, já que foi de 61,4%. Mesmo assim, em matemática, a queda foi de 8,73 pontos.
Isso significa que eles não conseguem determinar um valor reajustado de uma quantia a partir de seu valor inicial e do percentual de reajuste. A média também caiu a níveis que eram registrados em 2013.
No 9º ano do ensino fundamental, assim como nos outros avaliados, a maior queda também foi em matemática.
Ao longo dos anos, os alunos brasileiros vinham melhorando a aprendizagem medida pelas avaliações nacionais. Na última prova, em 2019, o ensino médio havia registrado uma alta histórica. No 5º ano, a média era de 214,64 em português e de 227,88 em matemática. No 9º ano a nota de português havia sido de 262,3 e a de matemática, 265,1.
Dessa forma, os meninos e meninas de 14 anos conseguiam deduzir qual era o tema e a ideia principal em notícias, crônicas e poemas e localizar informações explícitas em crônicas e fábulas. E ainda analisar dados em uma tabela simples e em gráficos de linha com mais de uma grandeza.
O governo de Jair Bolsonaro é acusado por estados e municípios de não ter dado qualquer ajuda para manter a educação funcionando nos momentos em que era necessário isolamento. Não houve coordenação federal, apoio técnico ou investimentos em equipamentos e conectividade do MEC (Ministério da Educação) para que as escolas públicas pudessem ensinar seus alunos de modo remoto. Os esforços foram feitos por estados e cidades, com a ajuda de entidades do terceiro setor durante toda a pandemia.
Possível falha
Para a presidente executiva do Todos, Priscila Cruz, "os alunos que fizeram a prova [Saeb] são os que estavam mais vinculados com a escola, não tiveram de sair durante a pandemia para trabalhar. Houve então, de certa forma, uma seleção dos estudantes", diz
Estudantes mais vulneráveis podem não ter participado. Entre os adolescentes, os que tiveram de trabalhar também podem não ter feito o Saeb porque já tinham abandonado a escola.
Para ela, o MEC errou ao tentar fazer um exame censitário e não um amostral neste ano de pandemia, como alertaram diversos especialistas no ano passado. Dessa forma a seleção dos alunos teria critério estatístico e não aleatório, como ocorreu.
"A avaliação deste ano não pode ser comparada com outros, tudo foi excepcional por causa da pandemia", completa.
Problema global
Outros países, como os Estados Unidos, divulgaram também recentemente resultados de retrocessos históricos na aprendizagem dos alunos durante a pandemia.
Neste mês, os EUA mostraram que a nota de matemática dos alunos recuou ao que era registrado em 1999 também durante a pandemia de Covid-19. Em Leitura (equivalente ao português no Brasil), o resultado foi semelhante ao que havia em 2004. O retrocesso foi classificado como "histórico" no país e o maior registrado em 30 anos.
Voltando ao Brasil, a nota no Saeb e a taxa de aprovação formam o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que também foi divulgado nesta sexta-feira (16). O Estadão ouviu diversos especialistas que alertaram que o Saeb este ano expressa mais fielmente o resultado da educação brasileira do que o Ideb por causa das distorções causadas pelo período de pandemia, porque ele considera somente a aprendizagem dos alunos.
Mesmo assim, até o resultado do Saeb tem ressalvas. Em 2020, por causa da Covid-19 e com escolas fechadas, as redes de ensino foram incentivadas a não reprovar alunos pelo CNE (Conselho Nacional de Educação). Era uma forma de evitar o abandono e também não prejudicar alunos que não poderiam ser bem avaliados estando em casa, em ensino remoto.
O procedimento se repetiu em 2021 em muitos lugares. Em 2019, antes da pandemia, a taxa de aprovação no Brasil era de 95,1% no 5º ano, de 89,9% no 9º ano e de 86,1% no ensino médio. Já em 2021, elas subiram respectivamente para 97,6%, 95,7% e 90,8%.
Ao ser considerada na fórmula que calcula o Ideb, o índice sobe mesmo que a aprendizagem das crianças tenha piorado. Há estados, como Sergipe, em que a diferença é extrema: de 75%, em 2019, para 98% de aprovação em 2021.
Especialistas explicam que redes de ensino que demoraram a voltar ao presencial podem ter esticado as políticas de aprovação automática por mais tempo, por causa da dificuldade em avaliar ou até em localizar alunos.
Outras, que se esforçaram para sair do ensino remoto, podem ter reprovado mais. Para o Todos pela Educação a "situação atípica de distorção das taxas de aprovação dos estudantes durante a pandemia praticamente invalida comparações gerais sobre a evolução do Ideb nas redes".
Nas escolas privadas, apenas uma amostra dos alunos participa tradicionalmente. As provas foram feitas em novembro e dezembro de 2021 por 5,3 milhões de crianças e adolescentes do país.
Este era o último ano para qual o MEC estipulou metas de aprendizagem lá em 2007, quando o Ideb foi criado. A partir do ano que vem, o índice precisa ser repensado, assim como o Saeb que deve considerar a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
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