Marina Silva foi contra autonomia do Banco Central “num primeiro momento”, diz aliado do PSB
Segundo presidente do PPS, proposta de Campos enfrentou discordância antes de ser aprovada
Eleições 2014|Diego Junqueira, do R7*
A proposta de autonomia do Banco Central, que faz parte do programa de governo do PSB à Presidência da República, enfrentou resistência inicial de Marina Silva quando o tema foi apresentado por Eduardo Campos. A afirmação é do deputado Roberto Freire, presidente do PPS, um dos principais aliados da coligação pessebista na disputa pelo Palácio do Planalto.
— Num primeiro momento, houve uma certa contradição entre Eduardo [Campos] defender um Banco Central independente e Marina não.
Freire não confirmou se os membros da coligação participaram dos debates iniciais sobre o tema, mas garantiu que todos tinham conhecimento da discussão. O tema faz parte do programa de governo de Marina Silva, apresentado na tarde desta sexta-feira (29), em São Paulo.
Aliado do conterrâneo Eduardo Campos, Freire afirma que a visão do ex-governador de Pernambuco sobre o tema prevaleceu nos debates da Coligação Unidos pelo Brasil, formada por PSB, PPS, PPL, PSL, PRP e PHS, além da Rede Sustentabilidade, grupo político da ex-senadora petista.
— Quando isso foi discutido, os partidos sabiam, [e eles] se pronunciaram ou não se pronunciaram. Mas sabiam que isso estava sendo formulado. Nos encontros, essas questões foram debatidas. E prevaleceu a tese de Eduardo Campos do Banco Central independente. Marina também assumiu essa posição após o debate.
Apesar da declaração de Freire, Marina já afirmou que o assunto foi tratado “sem nenhuma divergência”. No dia 21 de agosto, após a primeira reunião como presidenciável com os dirigentes dos partidos coligados, Marina declarou que "esse foi um tema que foi tratado sem nenhuma divergência dentro da nossa equipe econômica e dentro da relação com os demais partidos".
Naquele dia, Marina afirmou que a autonomia do BC é “fundamental para restabelecer a segurança da política macroeconômica". Ela vem reafirmando essa posição desde a morte de Campos.
Ana Carolina Marinho, membro da equipe que elaborou o programa de governo, confirma que o assunto foi debatido de forma “muito democrática” antes de ser incluído no documento.
— Discutimos a proposta com pessoas do PSB, da Rede, com nossos colaboradores, com a sociedade, com várias pessoas antes de tomar essa decisão, que nós acreditamos ser a mais favorável para o Brasil.
Sobre a aceitação da proposta pela campanha, ela afirma que “nada chamou atenção no debate, nada que tenha causado dificuldade”, já que o assunto foi tratado “com muita conversa e muito diálogo”.
Resistência
Atualmente, o Banco Central brasileiro é autônomo operacionalmente, mas sua independência não é formalizada em lei. A proposta do PSB é a de justamente fazer isso, o que é muito bem-visto por agentes do mercado financeiro, críticos do atual governo na gestão do BC.
O programa de governo divulgado sexta pede a independência do Banco Central, "o mais rapidamente possível, de forma institucional, para que ele possa praticar a política monetária necessária ao controle da inflação".
"Como em todos os países que adotam o regime de metas, haverá regras definidas, acordadas em lei, estabelecendo mandato fixo para o presidente, normas para sua nomeação e a de diretores, regras de destituição de membros da diretoria, dentre outras deliberações", informa o documento, acrescentando que o modelo será mais detalhado após as eleições.
O assunto, no entanto, ainda enfrenta resistência interna, como a do presidente do PSB, Roberto Amaral. Em entrevista publicada na quinta-feira (28) pelo jornal Folha de S.Paulo, Amaral afirma que a independência do BC “ainda está em discussão”, já que os socialistas sempre foram “historicamente contra” a proposta.
“O BC tem que ser independente de quê? Dos banqueiros e do capital. O BC americano é independente e olha no que deu”, disse Amaral.
Uma das coordenadoras do programa de governo, Neca Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco, negou que a medida privilegie o mercado financeiro.
— A independência do Banco Central não tem nada a ver com isso [demanda do mercado financeiro]. Isso tem a ver com a postura de Marina, que sempre defendeu a autonomia do Banco Central. [...] Tanto Marina como Eduardo acharam por bem colocar mais do que autonomia. Será necessária a institucionalização do BC.
O candidato do PSDB, Aécio Neves, terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, também se comprometeu com a autonomia do BC, mas disse que formalizá-la em lei é "secundário".
— No nosso governo, até pela história e pela formação daqueles que estarão na área econômica, o Banco Central será independente. A questão se isso vai ser através de uma lei que determine isso, no nosso caso é secundário, porque a independência formal existirá.
Dentro da campanha petista, há oposição clara à proposta. O site Muda Mais, criado pelo PT para defender a reeleição da presidente Dilma Rousseff, publicou um texto no qual critica Marina e Aécio por defenderem a autonomia do Banco Central para conduzir a política monetária no País.
Intitulado "Tem candidato que defende a autonomia do Banco Central: saiba por que isso é ruim para a sua vida", o artigo diz que, atualmente, o BC tem autonomia operacional para atingir as metas determinadas pelo governo.
"Dar ao Banco Central autonomia formal seria dar independência aos diretores do banco, que passariam a ter mandatos soberanos. Essa independência se daria em relação às autoridades que expressam a soberania popular", critica o texto.
* Com Estadão Conteúdo e Reuters