Entenda como funciona a urna eletrônica e o que garante a segurança das eleições
Do momento em que eleitor aperta o 'confirma' até a computação do voto, há um caminho que envolve códigos, chaves e fiscalização
Eleições 2022|Hellen Leite, do R7, em Brasília
Segundo a Justiça Eleitoral, do momento em que o eleitor aperta o botão "confirma" até o voto ser computado e contabilizado, há um longo caminho que envolve códigos criptografados, software exclusivo, chaves de urna, assinaturas digitais, cadeia de segurança em hardware e fiscalização. São 30 camadas de proteção que, segundo o órgão, garante que as urnas são invioláveis. (Confira o infográfico mais abaixo.)
VEJA COBERTURA COMPLETA DAS ELEIÇÕES 2022 NA PÁGINA ESPECIAL DO R7
A blindagem contra fraudes começa pela arquitetura e programação do equipamento. Para evitar que as informações sobre o voto individual do eleitor ou o conjunto dos votos depositados em uma mesma máquina sejam expostos, a Justiça Eleitoral utiliza algoritmos próprios, além da criptografia digital, que também reforça a segurança das urnas.
Leia também: Novas urnas eletrônicas terão criptografia reforçada, diz TSE
O professor Jorge Henrique Cabral, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), explica que essa proteção é essencial para a segurança da votação. "A criptografia é um conjunto de manipulações matemáticas fundamentalmente baseadas em números primos. As criptografias chamadas assimétricas garantem que as assinaturas digitais são autênticas. Já as simétricas embaralham tanto as informações que só quem consegue desembaralhar é quem tem uma chave. É como se fosse um cadeado eletrônico", explica. A urna eletrônica tem os dois tipos de criptografia.
Esse código criptografado é instalado no coração do sistema operacional de cada urna eletrônica. Isso porque uma forma de atacar o equipamento urna seria inserir pegadinhas na central do sistema operacional. "No entanto, quando o kernel do Linux, o sistema operacional da urna eletrônica, é criptografado, há uma garantia de que aquele é um sistema específico, com data e versão que podem ser comprovadas que são autênticas", detalha o especialista.
Tecnicamente falando%2C o conjunto de elementos da urna eletrônica dá uma integridade muito forte ao sistema. Não é um computador convencional.
A urna eletrônica possui seu próprio código-fonte, uma linguagem de programação que faz com que o equipamento execute comandos sobre o que fazer e o que apresentar. Toda essa estrutura, destaca Cabral, "reduz imensamente a possibilidade de ataque".
Desde a primeira eleição informatizada, em 1996, já foram fabricadas 1.042.118 urnas. Parte das que serão utilizadas neste ano são novas, modelo UE2020, e tiveram o processo de licitação concluído pelo TSE na última sexta-feira (22). Esse modelo possui um processador 18 vezes mais rápido que o da versão anterior. O teclado foi aprimorado e a bateria terá duração por toda a vida útil do equipamento, o que diminui os custos de manutenção.
Passo a passo do voto
Existe um longo caminho que envolve a tecnologia da Justiça Eleitoral, a atuação dos mesários e a fiscalização da sociedade para levar o seu voto da urna até a totalização. O voto só entra na urna eletrônica que tem o software lacrado pela Justiça Eleitoral. Todos os programas do equipamento são codificados pelo TSE e assinados digitalmente em cerimônia pública.
No dia da eleição, tudo começa com a impressão da "zerésima", a prova de que não há nenhum voto registrado na urna. A emissão desse documento é acompanhada por fiscais dos partidos.
Após a sua identificação, o eleitor digita os números dos candidatos escolhidos, verifica os dados e as fotos dos concorrentes e clica no botão "confirma". Em seguida, as informações do voto são embaralhadas em uma tabela, denominada Registro Digital do Voto (RDV), o que torna ainda mais difícil identificar quem votou em quem.
O RDV é um arquivo que grava os votos tal como digitados pelo eleitor na urna, empregando os meios tecnológicos necessários para a garantia do sigilo da votação. Durante todo o dia de votação, os votos são registrados em duas memórias — uma interna e outra externa —, que podem ser removidas, caso seja preciso substituir a urna.
Ao final da votação, os votos registrados na urna são apurados, e é gerado o boletim de urna (BU), que é um extrato dos votos registrados para cada candidato ou legenda, contendo também os votos nulos e em branco.
Além da composição dos votos, o boletim de urna registra a seção eleitoral, as informações da urna (como a correspondência — número que associa a urna à respectiva seção) e o número de eleitores que votaram.
No BU e demais arquivos de resultados da urna, não há correspondência entre o eleitor e o voto. São impressas cinco vias obrigatórias do arquivo, assinadas pelo presidente da seção eleitoral e por representantes ou fiscais dos partidos políticos presentes.
Leia também: TSE abre testes de sistema de segurança das urnas eletrônicas
As cinco vias têm destino certo: a primeira é afixada na porta da respectiva seção, para dar publicidade ao resultado; três são juntadas à ata da seção e encaminhadas ao respectivo cartório eleitoral; e a última é entregue aos representantes ou fiscais dos partidos. Se for necessário, é possível imprimir mais vias.
Depois dessa etapa, o BU e demais arquivos de resultados da urna são gravados na mídia de resultados, que é diretamente encaminhada para um centro de transmissão, que pode ser o próprio cartório eleitoral, o local de votação ou a sede do respectivo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Em locais de difícil acesso, a transmissão é feita por satélite. De lá, os votos seguem um longo caminho em um canal exclusivo e protegido que somente a Justiça Eleitoral tem acesso para serem totalizados e apresentados à sociedade.
Todo esse processo pode ser fiscalizado pelos próprios cidadãos por meio dos BUs, afixados nas seções eleitorais e disponibilizados na internet. O boletim conta com um QR Code, para o cidadão verificar com rapidez os resultados da seção. As organizações que representam a sociedade podem ainda solicitar uma auditoria. Entre as novidades implantadas pelo TSE para este ano de 2022, está a antecipação do boletim de urna, que será disponibilizado na internet quando os resultados chegarem aos servidores do TSE.
No software de votação, não há intervenção humana em nenhuma etapa do registro dos votos ou da apuração do resultado da seção. O BU, assinado digitalmente, contido na mídia do resultado, somente pode ser decifrado pelo sistema de totalização da Justiça Eleitoral. Após o encerramento da urna, com a emissão do BU e a gravação dos arquivos de resultados na mídia de resultado, a urna é embalada e guardada.
Para as eleições deste ano, houve a maior produção da história das máquinas de votar: as UE2020 correspondem a 21,6% de todas as 1.042.118 urnas fabricadas desde 1996 até hoje. Rafael Azevedo, coordenador de Tecnologia Eleitoral da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE, conta que a equipe da unidade inspecionou por algumas vezes a fabricação de alguns módulos em Manaus (AM) e acompanhou todas as fases de montagem final e procedimentos de segurança dos equipamentos em Ilhéus (BA).
"O processo de fabricação é mais complexo do que o da maioria dos equipamentos eletrônicos. O nível de qualidade exigido na linha de produção e na auditoria do TSE é maior do que o empregado no mercado de eletrônicos, tudo visando a maior qualidade possível e estabilidade de um processo tão crítico como o de votação", afirma o coordenador.
A auditoria do processo de votação por parte do TSE é extenuante e demanda um comprometimento grande da equipe durante muitos meses%2C em revezamento e longe de suas famílias.
A segurança e o isolamento das urnas, garante o TSE, vêm desde o processo de fabricação. O único cabo que ela possui é o de energia e, se for necessário, ela poderá ficar ligada somente na bateria por mais de dez horas, por exemplo, caso falte luz. As urnas também saem da fábrica sem operação e, para que entrem em funcionamento, são necessários alguns procedimentos, como o de verificação da certificação digital.
Auditoria das urnas
O sistema eletrônico de votação passa por diversas etapas de auditoria realizadas antes, durante e após as eleições. Um dos eventos mais relevantes para atestar o grau de confiança das urnas eletrônicas é o Teste de Integridade, que ocorre nos tribunais regionais eleitorais (TREs) no mesmo dia da eleição, e é acompanhado por empresa de auditoria externa.
O processo consiste em uma espécie de conferência, cujo objetivo é verificar se o voto depositado é o mesmo que será contabilizado pelo equipamento. O teste simula uma votação normal e leva em consideração as circunstâncias que podem ocorrer durante o pleito.
O teste segue o mesmo rito de uma seção eleitoral comum, como emissão da zerésima (documento que comprova não haver nenhum voto na urna antes da votação) e impressão do boletim de urna, relatório impresso que contém a apuração dos votos armazenados no equipamento.
Todo o processo é filmado, conta com a participação de entidades fiscalizadoras e pode ser acompanhado por qualquer pessoa interessada no local de realização do teste. Muitos TREs, inclusive, transmitem os Testes de Integridade ao vivo pela plataforma YouTube.
As urnas eletrônicas já foram testadas por terceiros em vários momentos. Em 2015, por exemplo, o PSDB fez uma auditoria nos sistemas de votação, apuração e totalização de votos das eleições 2014. O documento final confirmou que não foi verificada nenhuma evidência de que houve adulteração de programas, de votos ou mesmo qualquer indício de violação ao sigilo do voto das eleições em questão.