Um ninho construído há cerca de 30 anos em Amsterdã por galeirões-comuns, aves típicas da Holanda, foi descrito por um pesquisador como uma espécie de “máquina de tempo” feita com lixo plástico. Isso porque o ninho foi feito com 635 resíduos que contam histórias de décadas passadas. Entre os itens, há uma embalagem com anúncio da Copa do Mundo de 1994 e um invólucro de um sanduíche do McDonald’s consumido em 1996.A descoberta foi feita por Auke-Florian Hiemstra, doutorando da Universidade de Leiden e pesquisador do Naturalis Biodiversity Center, que estuda construções animais com materiais artificiais. Especialista em arquitetura animal, Hiemstra já investigou ninhos feitos com plantas falsas e espinhos antipássaros. Ele coleta os materiais apenas fora da temporada de reprodução e incentiva o público a compartilhar observações.“Você folheia esses ninhos como se fossem páginas de um livro de história, descobrindo o passado”, disse Hiemstra em um comunicado. O estudo detalhando a análise do ninho foi publicado na revista científica Ecology no final de fevereiro.O galeirão-comum, ave de plumagem preta e bico branco que pesa cerca de 1 kg, tradicionalmente usa galhos e folhas para construir seus ninhos. Mas em ambientes urbanos, como Amsterdã, os pássaros usam o que encontram pela frente -- nesse caso, plástico. Localizado em uma estaca sob uma doca no movimentado canal Rokin, o ninho foi um dos 15 coletados por cientistas holandeses ao final da temporada de reprodução, em novembro de 2021.Com uma vida média de cinco a 10 anos, os galeirões do Rokin provavelmente utilizaram o ninho por ao menos três gerações, que o utilizaram em cerca de 10 ocasiões para abrigar filhotes, segundo os pesquisadores.A cada temporada, novas camadas foram adicionadas, criando uma acumulação de resíduos humanos ao longo do tempo. Nas partes mais profundas, plásticos dos anos 90, como uma embalagem de chocolate de 94, revelam a presença das aves na cidade desde 1989. Já nas camadas superiores, 15 máscaras faciais descartáveis da pandemia de Covid-19 mostram o impacto recente da crise sanitária.A datação dos materiais é simples: muitos itens trazem prazos de validade ou referências culturais, como eventos esportivos. “A camada mais antiga é tão velha quanto eu. Durante toda a minha vida, um pássaro fez ninho aqui”, disse Hiemstra, que vê na estrutura um reflexo da história das galeirões em Amsterdã.Próximo a uma unidade do McDonald’s, o ninho incorporou embalagens de fast food ao longo das décadas, desde poliestireno de sanduíches dos anos 90 até recipientes recentes de molho. “A ‘arqueologia do McDonald’s’ diz algo sobre nossa cultura do descartável”, aponta o pesquisador. Embora a criatividade das aves impressione, o uso do plástico traz riscos. Hiemstra alerta que itens como máscaras podem se enroscar nas patas dos galeirões, comprometendo a saúde dos pássaros. “O plástico não é adequado para essa engenharia”, disse em um post na rede social BlueSky.Segundo o pesquisador, o ninho agora faz parte da coleção do Museon-Omniversum, em Haia, e integra uma exposição sobre o Antropoceno -- a era geológica marcada pela influência humana no planeta.