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'Coletes amarelos' expõem tensões envolvendo políticas ambientais

Aumento de impostos visava promover redução do consumo de combustíveis fósseis, mas medida provocou revolta violenta na França

Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7

'Coletes amarelos': revolta contra 'Tributação Ecológica' sobre combustíveis
'Coletes amarelos': revolta contra 'Tributação Ecológica' sobre combustíveis

Os protestos dos "coletes amarelos", iniciados em 17 de novembro último, na França, atingiu proporções inesperadas pelo governo. O movimento ganhou apoio tanto da direita quanto da esquerda, transformou-se em uma reivindicação coletiva sobre vários temas — como aumento do salário mínimo, o fim da política de austeridade e a renúncia do presidente Emmanuel Macron — e acabou por tocar em uma questão crucial: a resistência de parte da população a políticas de preservação ambiental e contra as mudanças climáticas.

O aumento dos impostos sobre combustíveis fósseis proposto por Macron visava, em última instância, reduzir o consumo de diesel e gasolina e financiar outras ações de redução das emissões de gases poluentes.

Mas o impacto do novo imposto sobre o preço dos combustíveis, em alta desde o fim de 2017, e o efeito cascata sobre o custo de vida dos franceses acabou fazendo da oficialmente chamada "Tributação Ecológica" uma propulsora do movimento de contestação.

Tomando as ruas e promovendo bloqueios em estradas desde 17 de novembro, os "coletes amarelos" receberam o apoio de 70% da população francesa. Em 1 de dezembro, choques violentos entre manifestantes e a polícia foram registrados em Paris e novos protestos marcados para este fim de semana colocam o governo francês em alerta.


Revolta às vésperas da COP

A revolta ocorreu às vésperas da COP24, reunião dos 195 países que fazem parte da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climática, que está sendo realizada na Polônia, entre 3 e 14 de dezembro.


O objetivo do evento é criar um plano de ação para implementar o Acordo de Paris, firmado em 2015, mas que não está sendo cumprido pela maioria dos países, segundo Rubens Benini, de 43 anos, mestre em Engenharia Ambiental pela Univesidade de São Paulo e líder da estratégia de restauração florestal da TNC (The Nature Conservancy) América Latina.

"O mundo vive alguns desafios globais, um dos principais é a questão relacionada às mudanças climáticas. A OMS (Organização Mundial de Saúde) já alertou que a maior causa de doenças está relacionada a mudanças de temperatura. Relatório do TNC mostra que as metas de Paris não estão sendo atingidas. Em vez de um aumento de até 2ºC da temperatura até o fim do século, se continuarmos assim o aumento deverá ser de 4ºC."


A "Tributação Ecológica" de Macron responde ao mesmo tempo a pressões de austeridade fiscal e a uma tentativa de se aproximar mais da meta estipulada pelo Acordo de Paris, visando fomentar a energia limpa e reduzir a quantidade de poluentes na atmosfera.

Retirado do orçamento de 2019 na quinta-feira (6), o tributo elevaria em 6,5 centavos de euro (28 centavos de real) por litro o preço do diesel. Já o preço da gasolina subiria 2,9 centavos (12 centavos de real) por litro.

Além disto, o pacote ambiental incluía uma política mais severa de inspeção veicular, além de suspender os descontos nas contas de gás e eletricidade durante o inverno, quando o consumo aumenta por conta do frio.

Reação popular a políticas climáticas

Protestos violentos aumentaram tensões na França
Protestos violentos aumentaram tensões na França

Mas a reação indignada dos "coletes amarelos" foi um sinal de que, no mundo todo, tal mudança não será fácil. Os hábitos e os rendimentos da sociedade foram constituídos, ao longo do último século, com base no petróleo e gás como matrizes energética.

Em curto prazo, portanto, qualquer política de inibição desta matriz tende a afetar o dia-a-dia das pessoas, não só daquelas que trabalham no setor (caminhoneiros, petroleiros), como as que recebem o alimento na mesa, com o preço do transporte embutido.

Para Benini, essa questão precisa ser articulada com cuidado.

"A conscientização a respeito da necessidade urgente de implementar ações que reduzam a emissão de carbono precisa ser comunicada de uma maneira eficiente. O tema a ser ressaltado é a necessidade de se salvar vidas no futuro. Não basta só aumentar o preço e fazer com que o consumidor ou o trabalhador arquem com este custo."

Segundo o engenheiro ambiental, o estigma ligado à energia limpa tem sido algo que tem prejudicado as mudanças de atitudes. E muitos governos não têm sabido lidar com essa situação, já que, segundo ele, o setor tem maior potencial de geração de empregos do que o petrolífero, por exemplo.

"Há estudos mostrando que o setor da indústria limpa gera muito mais empregos do que o setor de petróleo e gás. É uma lenda dizer que empregos serão perdidos. Há uma força protegendo o consumo de petróleo gás e de combustíveis fósseis, mas a tecnologia da energia limpa já está disponível e evoluiu muito nos últimos anos."

Governos precisam estimular energias renováveis

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Benini ressalta que os governos têm a missão de estimular o uso destas energias renováveis, já que atualmente elas se equiparam aos combustíveis fósseis em termos de potencial energético, com custos menores.

"Há dez anos a energia limpa era muito cara, hoje se sabe que vale a pena, já temos a eficiência, já conseguimos gerar energia solar, eólica ou de biocosmubstives de uma maneira fácil. É só preciso tornar tudo isso acessível ao conhecimento das pessoas."

Muitos governantes, por outro lado, têm sido eleitos com um discurso que minimiza os perigos do aquecimento global. Eles representam a visão de uma sociedade que ainda resiste aos perigos deste fenômeno já comprovado cientificamente.

"Há um questionamento justo em relação à vida de cada um, a preocupação em não ser prejudicado no dia-a-dia. Mas cada governo tem suas escolhas nas políticas públicas, em precisam desenvolvê-las de forma inteligente. Mas não basta somente o governo. A sociedade tem de fazer sua parte. Não adianta ficar no discurso e preferir sempre usar o carro a gasolina em vez de transporte público."

E se isso não mudar, Benini afirma que, em 12 anos, as condições da atmosfera mundial já serão altamente propícias para a proliferação corriqueira de doenças, como as pulmonares. Ele diz, inclusive, que esta é uma das preocupações da COP24: colocar o Acordo de Paris realmente em prática.

"Neste ano houve recorde de emissões de carbono e, se continuar assim, daqui a 12 anos, que é o limite para suportar essa tendência, não vamos estar falando de preços de combustíveis, mas sim de salvar vidas humanas."

Veja a galeria: 'Coletes amarelos' seguem nas ruas apesar de recuo de Macron

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