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Colômbia: entenda o que está por trás das manifestações no país

Reforma tributária cancelada pelo governo e desigualdades sociais históricas estão entre os fatores que estão levando pessoas às ruas

Internacional|João Melo, do R7*

A reforma tributária foi estopim para as manifestações na Colômbia
A reforma tributária foi estopim para as manifestações na Colômbia A reforma tributária foi estopim para as manifestações na Colômbia

No último dia 15 de abril, o governo da Colômbia apresentou uma proposta de reforma tributária. Sob o pretexto de 'salvar' a economia do país dos efeitos de uma crise histórica, intensificados pela pandemia do coronavírus, o projeto colocava boa parte do sacrifício nas costas dos mais pobres. A população se revoltou e há manifestações nas ruas há 3 semanas, pioradas pela repressão policial que já deixou pelo menos 50 mortos.

A reforma, chamada de Lei de Solidariedade Sustentável, visava aumentar a arrecadação de impostos por meio do aumento do número de contribuintes. Para que isso fosse possível, o governo de Ivan Duque propôs diminuir o teto do imposto de renda e aumentar os impostos referentes a serviços básicos e ao IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado).

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De acordo com Renata Peixoto de Oliveira, doutora em Ciência Política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e docente da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), a reforma propunha que o IVA incidisse sobre serviços básicos da sociedade colombiana, como energia elétrica e gás, o que afetaria bastante a vida das classes mais populares do país.

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“A população mais carente seria afetada porque haveria a taxação de produtos que para elas são essenciais. Logo, taxar esses serviços e aumentar a proporção de contribuintes com ainda mais tributos afeta diretamente quem já não tem dinheiro para suas necessidades básicas”, destacou a especialista.

Outras razões dos protestos

Após a população ir às ruas e protestar incisivamente contra a reforma tributária, o governo do país decidiu, no dia 2 de maio, retirá-la da pauta do Congresso colombiano. Mas essa decisão não foi o suficiente para fazer com que os manifestantes deixassem de protestar.

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Isso porque, segundo a professora da Unila, a proposição de uma reforma tributária no momento em que a população mais precisa de auxílio, por conta da crise econômica causada pela pandemia, foi o estopim, mas trouxe à tona um longo cenário de desigualdades que assolam a Colômbia há décadas.

"Como as pessoas já estavam nas ruas protestando e se mobilizando, foram reacendidas outras insatisfações. Por conta disso, não podemos ver essas manifestações como reações momentâneas e pontuais, mas, sim, como um desgaste de um modelo econômico neoliberal em vigor desde a década de 80”, afirmou Renata.

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A cientista política completa ressaltando que os processos de privatização oriundos deste sistema econômico fazem com que, até hoje, a população colombiana tenha dificuldades para acessar serviços públicos de saúde e educação, por exemplo.

As manifestações de grande magnitude que tomaram conta de países sul-americanos como Venezuela, Chile, Bolívia e Equador ao longo de 2019 também aconteceram na Colômbia, destaca a especialista, se estendendo até o primeiro semestre de 2020 e tendo como um dos principais atores os ex-guerrilheiros que participaram do processo de paz assinado em 2016 no país.

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“Alguns ex-guerrilheiros que assinaram o tratado de paz estavam tentando se reintegrar à sociedade e tiveram de enfrentar os impactos econômicos da pandemia nos bairros mais carentes. Essas pessoas fizeram manifestações silenciosas colocando lenços vermelhos na janela, que sinalizavam que as pessoas daquela casa estavam pedindo ajuda por estarem passando fome. Como não foram atendidas pelo governo, as pessoas tiraram os lenços da janela e foram às ruas se manifestar e foram duramente reprimidas”, ressalta.

O acordo de paz também tem uma influência no aumento das tensões na Colômbia porque, de acordo com a professora, apenas as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) exerceram seus deveres e obrigações diante do que foi instituído nos documentos, fazendo a deposição de suas armas.

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“O acordo não foi cumprido em sua totalidade pelo Estado colombiano. Por isso há um cenário alarmante em termos de violência política na Colômbia desde então, com centenas de líderes comunitários e políticos sendo assassinados no país, assim como ex-guerrilheiros, que além disso não conseguiram se reinserir na sociedade”, afirma.

Outro motivo que faz com que os protestos sigam acontecendo nas ruas colombianas diz respeito à população indígena do país que, para além das reivindicações pontuais que estão sendo feitas nas manifestações, também levam consigo insatisfações relacionadas a um histórico de desigualdades que assola essa parcela da população há muitos anos.

Segundo Renata Peixoto, a cultura extrativista na Colômbia afeta não somente a fauna e a flora do país, como também as pessoas que vivem nas regiões rurais. Logo, ela destaca que é natural que os indígenas pautem as suas questões anteriores junto com as demandas momentâneas que estão sendo colocadas nos protestos. "Se essa crise afeta as populações urbanas pobres e de classe média, então imagina o que os povos originários estão passando?”

Militarização das ruas e próximos passos

A hostilidade policial em relação às pessoas que estão reivindicando as suas pautas sociais e econômicas também vem chamando a atenção nas manifestações. Entidades colombianas afirmam que esta repressão é reflexo da militarização das ruas do país.

De acordo com o Comitê Nacional do Desemprego, que une diversas entidades que apoiam o movimento, além das pelo menos 50 pessoas que já morreram em meio às mobilizações, outras 578 ficaram feridas (37 devido a lesões oculares), 524 desapareceram e 21 mulheres sofreram violência sexual. O Ministério da Defesa registrou a morte de um militar.

“Essa militarização das ruas, com forças policiais agindo de forma violenta contra cidadãos e cidadãs que estão se manifestando foi um elemento propulsor para que os protestos continuassem, para que mais pessoas aderissem, e também para chamar a atenção da comunidade internacional com pessoas mortas, desaparecidas e até denúncias de abusos sexuais”, ressalta a especialista.

Pelo menos
50 pessoas já morreram durante as manifestações
Pelo menos 50 pessoas já morreram durante as manifestações Pelo menos 50 pessoas já morreram durante as manifestações

Ela acrescenta que as pessoas, às vezes, levam outras pautas a serem reivindicadas durante as passeatas, mas que, a partir do momento que acontece a violência policial, este assunto também passa a ser levantado por quem está presente nas manifestações.

Em relação aos próximos passos a serem dados pelo governo de Ivan Duque, Renata afirma que o caminho mais indicado a ser seguido é o de recuar. “Como passar uma reforma tributária como essa neste momento de crise? O caminho seria perceber que não existe campo para isso e atender as reivindicações.”

“O mais acertado seria entender que não existe apoio e nem campo para fazer uma manobra que avance que aprofunde-se no modelo neoliberal cobrando isso da população mais pobre do país”, completa.

*Estagiário do R7 sob supervisão de Fábio Fleury

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