Comparação com rainha e inflação alta: os desafios dos novos rei e primeira-ministra do Reino Unido
Liz Truss assumiu o Parlamento britânico dias antes de Elizabeth 2ª morrer e deixar o trono para o filho mais velho, Charles
Internacional|Lucas Ferreira, do R7
A nova primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, foi empossada pela rainha Elizabeth 2ª na última terça-feira (6), dois dias antes da morte da monarca. Charles, então príncipe de Gales, agora se torna rei do Reino Unido, assumindo o trono que foi da mãe por 70 anos.
Esta semana única na história britânica acontece em um cenário econômico conturbado causado pela saída da União Europeia — chamada de Brexit — e pela pandemia do novo coronavírus. Além de minar as finanças do Reino Unido, a Covid-19 gerou o escândalo das festas ilegais de Boris Johnson, que deterioraram a imagem do ex-primeiro-ministro.
A morte de Elizabeth e a saída de Johnson, todavia, podem ser um recomeço de que o Reino Unido precisava. O professor de relações internacionais da Facamp (Faculdades de Campinas) James Onnig conta ao R7 que vê a chegada de Charles 3º e Truss como “um ciclo que se inicia”.
“Foi uma coincidência bastante única: uma nova primeira-ministra, morte da rainha, um novo rei. Um novo ciclo que se inicia. Acho que o Reino Unido está encarando assim”, afirma Onnig.
Em entrevista ao R7, o professor de relações internacionais da ESPM Demétrius Pereira enxerga a passagem do trono de Elizabeth 2ª para Charles 3º como a oportunidade de atrair curiosos ao Reino Unido e, assim, potencializar o turismo na região.
“A renovação da monarquia pode trazer, talvez, até turistas para o Reino Unido, que têm curiosidade de saber como isso acontece. Também pode ter aí consequências econômicas positivas e, por um lado, pode até ajudar [o reino]”, diz Pereira.
Energia, Ucrânia e Brexit serão o norte de Truss
Com o desafio claro de retomar a confiança dos britânicos no Partido Conservador, Truss ainda precisa lidar com outras questões sensíveis à sociedade do Reino Unido. O alto custo de vida na Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales tem pressionado cada vez mais os líderes políticos nacionais.
Parte dos problemas econômicos se dá pela crise energética que o Reino Unido vive. A lenta transição para as energias limpas e o esgotamento das grandes reservas de gás e petróleo do mar do Norte contribuem para o cenário de perda do poder de compra da população.
“O Reino Unido tem energia eólica, grandes usinas eólicas também no mar, mas isso demora para dar resultado, então é muito mais difícil para Truss conseguir um resultado imediato”, destaca Onnig.
Outro recurso que poderia ser usado pela primeira-ministra para baixar o preço das matrizes energéticas seria a importação do gás russo, mas pelas sanções impostas a Moscou por conta da guerra na Ucrânia, essa segunda porta se fechou para Truss.
Em um dos primeiros pronunciamentos ao povo do país após assumir a liderança política, a nova chefe do Parlamento britânico se posicionou contra a Rússia, o que, na visão de Pereira, pode mostrar um pulso mais rígido diante do conflito no Leste Europeu.
“[Truss vai] lidar com a guerra na Ucrânia, que tem efeitos econômicos bastante graves na economia europeia. Ela se posicionou na área de relações exteriores sendo bastante dura em relação à Rússia. Então os britânicos agora devem endurecer a posição em relação aos russos para que a Ucrânia seja livrada dessa guerra”, explica o professor da ESPM.
Uma outra questão que se arrastou nos últimos anos no Reino Unido foi o Brexit. A negociação para a saída do país do bloco econômico foi o estopim para a queda da ex-primeira-ministra Theresa May e ascensão do ex-premiê Johnson. Mais de cinco anos após o referendo que sacramentou a ruptura, Truss ainda precisará construir os novos caminhos para o país.
“O Reino Unido está aprendendo a viver sem a União Europeia. Aliás, isso também pegou forte na questão das tarifas, das taxações, que ficaram cada vez maiores e até o setor de transporte, com o preço do frete, gerando, inclusive, descontentamento entre os caminhoneiros. Truss vai ter que enfrentar isso também com muito pulso firme porque também é um calcanhar de Aquiles”, detalha Onnig.
Uma vida de preparação para ser rei
Nunca um herdeiro do trono do Reino Unido esperou por tanto tempo para assumir a coroa britânica. Aos 73 anos, Charles foi visto como o próximo rei por mais de 70 anos, tempo em que Elizabeth 2ª comandou a família real de maneira discreta e firme.
Ao príncipe Charles do País de Gales coube se preparar para a sucessão e uma vida de altos e baixos, marcada, principalmente, pelo ativismo ambiental e pelo casamento com a princesa Diana, que continua sendo lembrada até os dias de hoje.
“Charles tem como carta na manga ter atuado muito nas questões ambientais e isso vai expô-lo como um líder mundial, coisa que os britânicos adoram. Agora, ele tem que seguir a discrição que a mãe seguia. Porque a monarquia é muito discreta e, apesar de haver mil fofocas sobre eles, a família real mesmo não se expõe”, explica Onnig.
Para Pereira, a comparação de Charles 3º com Elizabeth 2ª e outros reis e rainhas será inevitável. Ainda assim, o professor da ESPM acredita que o novo chefe da monarquia britânica tem aprendido muito durante as sete décadas como sucessor ao trono.
“Charles vai ser muito comparado com a mãe e com os demais antecessores, mas ao mesmo tempo ele está bastante preparado. Ele ficou se preparando por muitos anos, foi o príncipe de Gales que ficou mais tempo [com esse título].”
A pressão para o novo rei, neste momento, será o próprio filho William, herdeiro direto ao trono após a morte de Elizabeth 2ª. Para a opinião pública, o novo príncipe de Gales traz à coroa uma renovação e modernidade que Charles, aos 73 anos, não pode fazer.
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Ainda assim, para Pereira não há ninguém melhor que Charles para manter a estabilidade da monarquia, tão bem protegida pela rainha durante 70 anos de reinado.
“Charles parece ter amadurecido bastante [como príncipe de Gales], já tinha assumido várias funções da mãe, então parece ser a pessoa realmente mais adequada para o cargo no momento.”
Onnig, por sua vez, acredita que o reinado de Charles será uma grande preparação para a chegada de William, querido pelo povo britânico junto com a esposa Kate e os três filhos.
“Charles vai ser governante, ser rei, por um tempo. Porque na minha modesta opinião tudo está preparado para ele abdicar o mais rápido possível para o filho dele, para ter de novo um jovem que pode governar por muito tempo”, conclui o professor da Facamp.