Cubanos de São Paulo desejam liberdade à ilha e falam de saudade
População cubana na capital paulista chegou a crescer mais de 350% em três anos. Imigrantes abordam preconceito e vantagens de morar na cidade
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
“Que as pessoas ganhem mais liberdade, que possam se manifestar sem ter medo, mas não percam o acesso universal à educação, à medicina social e o incentivo à cultura.” É esse o desejo do cubano Carlos Suarez, que mora na cidade de São Paulo, para os conterrâneos que continuam em Cuba.
Com 58 anos, Suarez vive na capital paulista desde 2006. Ele lembra pouco da vida em Havana, onde nasceu — já que, antes mesmo de completar 10 anos, se mudou com a família para Miami, nos Estados Unidos, fugindo das restrições do governo de Fidel Castro.
“Me recordo de morar no mesmo prédio que meu tio e ver um guitarrista famoso ensaiando em frente ao nosso apartamento. Antes de chegarmos aos EUA, meu pai, que era espanhol, já havia ido a Cuba no início do século 20 para escapar da ditadura de Francisco Franco. Ele teve má sorte duas vezes”, conta, rindo.
A decisão de se mudar para São Paulo se deu após o casamento com a paulistana Katia Maria Pimentel, que conheceu na Flórida. Dos Estados Unidos, Suarez só sente falta da convivência diária com a filha e os netos — que continuam vivendo por lá.
“Eu gosto muito dessa energia que existe aqui, de ter muita gente, estar no meio dessa loucura. Não gosto de clima de interior ou de praia”, confessa.
Cubanos no centro
No centro da capital paulista, ele é proprietário de uma loja de LPs com a mulher: “Eu tenho a possibilidade de trabalhar neste mercado e ter clientes aqui porque a cidade conta com muito mais pessoas do que em Miami”.
Em uma das paredes do estabelecimento, é ainda possível ler um papel com as inscrições “cubano com mucho orgullo” ao lado de uma pequena bandeira de Cuba.
Apesar do momento polarizado que marca o Brasil, Suarez garante não ter sofrido, pessoalmente, nenhuma manifestação de preconceito. “As pessoas me associam mais com os americanos. Geralmente, entram na loja e dizem ‘oi, você é cubano, que legal, buena vista!’”, conta.
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Além de trabalhar, Suarez mora no centro de São Paulo.
Dados obtidos pelo R7 com a Coordenação de Políticas para Migrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo mostram que ele não está sozinho. Em 2016 — data do último levantamento da pasta junto à Polícia Federal —, havia 2.274 cubanos morando na capital paulista. Aproximadamente 58% deles (cerca de 1.320) residiam na região central da cidade.
Da ilha à capital paulista
A população cubana cresceu significativamente em São Paulo nos últimos anos, impulsionada pela vinda dos profissionais cubanos do programa Mais Médicos. Em 2013, eram apenas 501 nascidos na ilha caribenha morando na capital paulista, de acordo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. O aumento foi de 353% até 2016.
Embora seja impossível precisar em que grau o número de cubanos em São Paulo se alterou após o fim da parceria entre Brasil e Cuba no Mais Médicos, a Secretaria Municipal de Saúde divulgou que 72 cubanos deixaram de participar do programa na rede municipal até o início de dezembro de 2018.
Proximidade e solidariedade
Diferentemente de Carlos Suarez, a cubana Alicia Arteaga, que trabalha como figurinista e mora em São Paulo há quatro anos, diz já ter sofrido preconceito por conta de sua nacionalidade — especialmente no mercado de trabalho.
“As pessoas acabam recebendo você como turista e não como alguém que vai viver aqui e que tem necessidades básicas. Essa é a maior dificuldade”, revela.
Ainda assim, Alicia — que tem 34 anos e também nasceu em Havana — afirma ter escolhido a vida paulista por causa do maior preparo da cidade no acolhimento aos imigrantes.
“Em São Paulo, como o fluxo de imigrantes é maior, a cidade parece mais aberta para nós”, comenta. Formada em sociologia e história da arte, ela conta que veio inicialmente para atuar na direção de um filme gravado no Brasil e acabou ficando. Voltar para a ilha caribenha, entretanto, é um desejo.
“Morro de saudades da minha família — a gente passa muito tempo separado. Quando você sai de Cuba, a opinião que se tem é de que a ilha é muito fechada para o mundo e o mundo também muito fechado para ela. Mas depois desse tempo morando fora, posso dizer que lá não existe tanto problema de aceitação entre as pessoas como há aqui”, acrescenta.
“Os cubanos são mais diretos e sinceros. Por ser um lugar que já passou por muita dificuldade econômica, as pessoas ficam mais próximas e solidárias”, conclui.