Entenda os motivos que explicam o apoio da Rússia a Nicolás Maduro
Fatores financeiros e geopolíticos influenciam no apoio que o presidente russo Vladimir Putin tem dado ao colega venezuelano, segundo especialistas
Internacional|Fábio Fleury, do R7
Isolado perante uma grande parte dos países do mundo, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conta com um importante aliado estrangeiro em sua luta para manter-se no cargo: o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Antes mesmo de explodir a atual crise da ajuda humanitária, o governo russo vinha ajudando Maduro a contornar as duras sanções econômicas impostas contra o regime pelos EUA de Donald Trump.
Em dezembro, durante uma visita a Moscou, Maduro anunciou investimentos russos de US$ 6 bilhões (cerca de R$ 22,5 bilhões). Nos dias seguintes, aviões militares enviados por Putin chegaram a Caracas, em demonstração de apoio.
Na última semana, enquanto Maduro e seu governo recusavam doações dos EUA e outros países como o Chile e fechavam as fronteiras com a Colômbia e o Brasil, toneladas de medicamento chegaram da Rússia.
Apoio geopolítico
Mas o que pode explicar essa tomada de posição de Putin, em um momento em que a maior parte da comunidade internacional se apressa em condenar Maduro e reconhecer o líder do parlamento, Juan Guaidó, como autoproclamado presidente interino do país?
Para Victor Jeifets, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Petesburgo (Rússia), existe um motivo financeiro e outro geopolítico para o posicionamento de Putin em relação à Venezuela.
"Eu não definiria como um simples apoio a Maduro. Nos discursos de Putin e seus ministros não existe uma defesa da política interna dele. O que a Rússia apoia é a legitimidade do governo Maduro e considera Venezuela um aliado geopolítico. Os EUA claramente querem aumentar sua influência na Venezuela e na América Latina toda. A Rússia não pode ficar assistindo isso acontecer", analisou, em entrevista ao R7.
- Acompanhe a cobertura da crise na Venezuela no R7 -
De acordo com o professor, a escalada na disputa EUA-Rússia lembra a Guerra Fria da segunda metade do século XX. "Nesse cenário, mesmo sendo Maduro um aliado debilitado internacionalmente, não se abandona um aliado facilmente", explica.
A questão financeira
Além da disputa por espaço no cenário mundial, a Rússia possui muitos investimentos na Venezuela, especialmente nos últimos anos e, de acordo com Jeifets, isso tem um peso importante nas decisões de Putin.
"A Venezuela é hoje o terceiro maior parceiro comercial da Rússia na América do Sul, depois do Brasil e da Argentina. Não chega a ser uma balança comercial favorável ao comércio russo, mas é muito dinheiro. A Rússia investe no petróleo e transfere tecnologias de extração para a Venezuela", relata.
Leia também
O conflito entre o governo Maduro e a Assembleia Nacional da Venezuela, controlada pela oposição desde 2016, é um fator importante, detalha o professor. E isso é importante para entender também porque a China se mostra favorável ao regime venezuelano.
"Nem todos os contratos de investimento estariam protegidos pelas leis internacionais, já que o governo Maduro fechou acordos que não foram aprovados pela Assembleia Nacional, e por isso estão em uma zona de risco. Se Maduro cair, eles podem ser anulados. É a mesma posição da China, nenhum dos países quer perder seus investimentos. No caso da Rússia, são de cerca de US$ 17 bilhões (cerca de R$ 63 bilhões), é um valor muito grande", diz.
Não haveria um componente ideológico nisso. "Acredito que a Rússia poderia ter negócios com qualquer governo venezuelano. No Brasil, por exemplo, a situação não mudou após a saída de Dilma Rousseff. Mas, obviamente, dava vantagens ao comércio com a Rússia e a China e não há garantias de que elas seriam mantidas em caso de uma mudança de regime", finaliza.
Parceria antiga
Na análise de Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a parceria da Rússia com a Venezuela é antiga e envolve diversos fatores.
"São relações econômicas importantes, que vêm desde o tempo do Hugo Chávez, especialmente vendas de armamentos e veículos. Há também o interesse russo de conquistar mercados em áreas não comuns", afirma.
O posicionamento russo também pode ser entendido como uma resposta à interferência dos EUA, ainda no governo Barack Obama, durante o conflito com a Ucrânia, que culminou com a anexação da Crimeia, em 2014. "Putin dá um recado claro, mostra que ele também pode interferir na América Latina", alerta.