Julgamento de El Chapo expõe ligações entre a política e o tráfico
Subornos e escalada de violência em meio à guerra às drogas alimentaram corrupção e controle do Estado sobre a população, afirma especialista
Internacional|Fábio Fleury, do R7
O julgamento de Joaquín 'El Chapo' Guzmán, nos EUA, começou a expôr publicamente as ligações íntimas entre o narcotráfico e a política no México.
A única testemunha a depor em quase duas semanas de audiências já confessou ter subornado diversos nomes ligados ao governo e à segurança pública do país, a mando do chefão.
Jesús 'El Rey' Zambada, irmão do sócio de Chapo no comando do cartel de Sinaloa, Ismael 'El Mayo Zambada', declarou diante do júri ter subornado funcionários de diversos cargos e escalões do país.
'Bode expiatório'
Logo na abertura do julgamento, a defesa de Guzmán afirmou que pretendia provar que seu cliente seria apenas um 'bode expiatório' e que Zambada teria subornado dois presidentes mexicanos para permanecer livre.
O juiz federal Brian Cogan, responsável pelo caso, criticou as declarações do advogado e pediu que ele se concentrasse em defender seu cliente das acusações por 17 crimes diferentes. Chapo pode pegar até prisão perpétua ao fim do julgamento.
Depoimento cancelado
Durante a última semana, fatos ocorridos fora da sala de audiência chamaram a atenção dos jornalistas: reuniões entre acusação, defesa e juiz a portas fechadas.
Estas reuniões deveriam ser sigilosas, mas a transcrição de uma delas vazou, mostrando que os advogados de Chapo foram impedidos de fazer perguntas a El Rey sobre pagamentos que ele teria feito a políticos.
Mais tarde, Zambada contou que levou pessoalmente duas malas com mais de US$ 3 milhões (cerca de R$ 11 milhões) em dinheiro para o ex-secretário de Segurança Nacional do México no governo do ex-presidente, Felipe Calderón.
Leia também
A testemunha também chegou a dizer que pagou uma propina de US$ 5 milhões (cerca de R$ 18 milhões) a um homem chamado Regino.
A suspeita era de que ele seria Gabriel Regino, ex-subsecretário de Segurança Pública da Cidade do México em 2005, quando o prefeito era o presidente eleito do México, Andrés Manuel López Obrador, que assume o cargo no próximo dia 1º de dezembro.
Quando a defesa de El Chapo quis questionar El Rey sobre as ligações entre Regino e López Obrador, a promotoria fez uma objeção, que o juiz manteve, encerrando o interrogatório. Segundo o juiz, a ideia era evitar que o foco do julgamento saísse de Chapo.
Perspectivas para o México
Para a jornalista canadense Dawn Paley, professora da Universidade Autônoma de Puebla, no México, a relação entre o governo e o tráfico deve ser elucidada no país justamente a partir da posse do novo presidente, Manuel López Obrador.
Ele é o primeiro presidente eleito em décadas por um partido fora do núcleo de direita formado pelo PRI e pelo PAN, que governam o país desde a década de 1950.
"Com dez dias no cargo, em 2006, Felipe Calderón declarou a guerra às drogas. Embates sociais estavam no auge e, a partir disso, o país teve a maior onda de violência desde a Revolução Mexicana, com centenas de milhares de mortes", afirma Paley.
Controle da sociedade
Utilizar os militares para reprimir o narcotráfico fez com que o Estado tivesse um maior controle sobre setores que exigiam mudanças no país, segundo ela.
"A guerra às drogas serviu para limitar não apenas movimentos sociais, como qualquer tipo de organização comunitária, mobilidade social, direitos, foi um modo de conter e controlar a sociedade", afirmou a pesquisadora.
Segundo ela, isso foi mantido no governo de Enrique Peña Nieto. "É importante ficar de olho no que diz o presidente López Obrador. Algumas de suas falas estão convergindo para o centro, mas é uma chance de mudar de verdade o país", disse ela.