O que está por trás da mudança de discurso do Talibã?
Para professor da Unicamp, as recentes declarações do grupo são estratégicas e não devem ser tomadas como verdade
Internacional|Sofia Pilagallo*, do R7
Desde que o Talibã invadiu o palácio presidencial em Cabul, no último domingo (15), e assumiu o controle do Afeganistão após quase 20 anos, o mundo vem aguardando com apreensão as cenas dos próximos capítulos da crise política e humanitária que assola o país.
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O grupo fundamentalista é conhecido por violar os direitos humanos e aplicar penas severas àqueles que infringem a lei islâmica, como cortar as mãos de ladrões, executar assassinos em público, esmagar homossexuais sob muros e apedrejar mulheres adúlteras.
Na primeira entrevista coletiva concedida pelo Talibã desde a tomada do poder, realizada na terça-feira (17), um porta-voz do grupo afirmou que, diferentemente de como ocorreu no período de 1996 até 2001, ninguém será perseguido e meninas e mulheres poderão exercer seus direitos, como estudar e trabalhar, mas "à luz da lei islâmica".
Para o professor de Direito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Luís Vedovato, que estuda a crise do Afeganistão pelo viés dos direitos humanos, as declarações não vieram como nenhuma surpresa e não devem ser tomadas como verdade.
"Este não é o momento de o Talibã assumir qualquer outra postura que não seja essa. Se um porta-voz faz uma declaração indicando que haverá, sim, violações dos direitos humanos, seria muito mais fácil mobilizar o mundo contra o grupo agora do que daqui a algum tempo, quando o governo já estivesse estabilizado", afirma.
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Vedovato ressalta ainda que o Talibã tem plena consciência de que sua permanência no poder está ligada, acima de tudo, a sustentação econômica do grupo — o que significa, necessariamente, fazer pontes e alianças com outros países. Até o momento, China e Rússia, duas das maiores potências do mundo, já sinalizaram apoio ao novo governo.
Os países que reconheceram o Talibã como governo do Afeganistão no passado — Emirados Árabes, Arábia Saudita e Paquistão — eram mal vistos pelo resto do mundo e não conseguiam estabelecer relações comerciais com nenhuma outra nação. Depois dos ataques às torres do World Trend Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, apenas o Paquistão continuou a reconhecer o grupo como um governo legítimo.
"O Talibã precisa mudar essa imagem internacional se quiser ter o apoio de outros países e continuar se mantendo financeiramente. Eu duvido muito que qualquer nação teria reconhecido o novo governo caso eles tivessem indicado que continuariam a violar os direitos humanos", diz.
Como deve ser a nova gestão?
O professor da Unicamp acredita o Talibã está agora diante de uma nova formação e que tem como objetivo um projeto de poder que não está meramente ligado a ideologia ou a religião. Ele imagina, portanto, que o grupo se utilizará de discursos mais amenos para conseguir se sustentar e garantir um país funcional economicamente, mas que a proteção aos direitos humanos ainda seguirá ameaçada.
O porta-voz do grupo disse que o governo ainda está sendo formado e que as leis só serão decididas uma vez que todos os cargos forem devidamente distribuídos. Houve uma sinalização de que os direitos das mulheres, o grupo mais vulnerável no Afeganistão, não seriam violados.
"Eles alegaram que as meninas poderão frequentar a escola, mas não deixaram claro qual escola e até que idade elas poderão estudar, por exemplo. O que se sabe até agora é que as meninas terão direitos 'à luz da lei islâmica', mas isso não quer dizer muita coisa — pode ser tudo ou pode ser nada", afirma.
Apesar do disrcuso menos radical, na quarta-feira (18), houve uma repressão violenta de manifestantes que protestavam contra o uso da bandeira do Talibã no lugar da bandeira do país. Foram registadas pelo menos três mortes e alguns feridos por tiros disparados para dispersar a mobilização popular.
*Estagiária do R7 sob supervisão de Pablo Marques