Onda de violência na Colômbia mata ao menos 80 e força mais de 18 mil a fugir do país
Confrontos entre grupos armados na fronteira com a Venezuela levaram a alguns dos piores episódios de violência em anos
Internacional|Julie Turkewitz, do The New York Times

Bogotá, Colômbia – Segundo as autoridades, pelo menos 80 pessoas morreram e mais de 18 mil foram forçadas a fugir de casa na Colômbia, em meio a fortes confrontos entre dois grupos armados rivais na fronteira com a Venezuela.
A violência, que já dura vários dias em Catatumbo, é uma das piores sofridas pelo país nos últimos anos – e gera temores de que a nação esteja tomando a direção oposta à “paz total”, meta prioritária do presidente esquerdista Gustavo Petro, que já passou da metade do mandato de quatro anos. Em 17 de janeiro, ele visitou a região setentrional e reiterou o apoio de seu governo à população local na rede social X. Além disso, enviou tropas e ajuda humanitária.
As famílias desalojadas se abrigaram em um estádio de Cúcuta, cidadezinha fronteiriça mais conhecida nos últimos anos por receber imigrantes venezuelanos. Em alguns trechos, há colombianos fazendo o caminho inverso – fugindo para a nação vizinha, que também enfrenta uma crise séria –, e Nicolás Maduro prometeu lhes enviar auxílio.
Os choques praticamente acabam com a esperança que tomou conta de partes da Colômbia há menos de uma década, quando o país assinou um acordo de paz com o maior grupo rebelde local, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ou Farc. De fato, a nação é castigada há décadas pelo conflito interno que envolve grupos guerrilheiros esquerdistas como as Farc, organizações paramilitares e as autoridades que disputam o controle nacional e de setores lucrativos como o do narcotráfico.
Milhares de guerrilheiros depuseram as armas com o pacto de 2016, que na época deu a impressão de ser um momento decisivo para um dos países mais violentos do mundo; entretanto, as facções mais antigas, incluindo o Exército de Libertação Nacional, ou ELN, continuaram ativas. Ao mesmo tempo, novos grupos começaram a surgir, todos brigando pelo controle do território e da indústria deixada pelas Farc. Em alguns casos, os novos agrupamentos nada mais eram do que ex-integrantes divididos e subdivididos, ajudando a insuflar uma situação já complicada. A maior parte da violência se dá nas áreas rurais, fazendo com que a população urbana tenha apenas uma vaga ideia da brutalidade que se desenrola não tão longe assim.
Em tempos idos, as Farc se mantinham fiéis à ideologia esquerdista, combatendo o governo e procurando derrubá-lo e substituí-lo; os grupos atuais, porém, estão mais preocupados em brigar uns com os outros, disputando terras e lucros, com os militares tentando contê-los.
Segundo as informações passadas à imprensa pelo general Luis Emilio Cardozo, comandante do Exército, em Catatumbo há vastos campos de coca, planta que é a matéria-prima da cocaína. O território é controlado por dois grupos: o ELN e a 33ª Frente, formada por ex-membros das Farc. “A paz precária que havia entre as duas facções foi rompida na semana passada. Nos últimos dias houve quatro ou cinco confrontos diretos, mas também casos em que os guerrilheiros saíram de porta em porta, à procura de ex-integrantes que desconfiavam fazer parte da 33ª Frente. Foi uma operação criminosa muito bem planejada. Saíram com uma lista de nomes, à procura daqueles que tinham a intenção de matar.”
Em mensagem postada no X em 19 de janeiro, o ELN reiterou que a 33ª Frente era “o único objetivo de nossas ações”, mas muitas vítimas pareciam ser civis, inclusive gente que fugia de casa. O grupo, que Petro apontou como responsável por um “massacre”, hoje é a guerrilha esquerdista mais antiga da América Latina.
Fundado em 1964 por padres católicos radicais e rebeldes marxistas, durante anos alegou brigar por melhores condições de vida para os agricultores mais pobres, cometendo atos de violência contra o Estado. Mas o presidente, que antes de ocupar o cargo atuou vários anos como guerrilheiro em uma facção diferente, acusou o ELN de hoje de ter se tornado uma “máfia”. “Sempre admirei seus princípios, sua dedicação revolucionária, mas acho que o ELN acabou”, escreveu ele na página que a entidade mantém no X. No início do governo, Petro disse que tinha condições de fechar um acordo de paz com os mais variados grupos armados em questão de meses; há pouco tempo, contudo, suspendeu as negociações em curso.
De acordo com o Exército, o ELN tem milhares de membros, e sua presença nacional cresceu de 149 municípios em 2019 para 226 em 2024. Há alguns anos vem se expandindo na Venezuela, cujos integrantes estão fora do alcance das Forças Armadas colombianas.
Com a atenção militar voltada para outro foco, um segundo conflito estourou há alguns dias entre duas facções de ex-membros das Farc em Guaviare, na região centro-sul, como informou a ombudsman oficial.
Várias organizações como o Grupo Internacional de Crise vêm alertando há anos para a situação da segurança, deteriorada desde 2016, e a possibilidade do retorno iminente da violência. “Nosso temor é que tenha chegado esse momento. Os choques em diversos pontos do território nacional levaram o conflito a um ponto extremamente perigoso. A escalada em Guaviare é muito significativa e tem fôlego para se espalhar por outros departamentos do sul. Muitas crianças foram arregimentadas nessa região e são parte ativa da organização”, afirmou Elizabeth Dickinson, analista da ONG.
A violência em Catatumbo se dá em meio à escalada das tensões entre Petro e Maduro, principalmente porque este último continua a oferecer refúgio aos membros do ELN. Ambos se dizem esquerdistas e, na verdade, há dois anos prometeram uma relação mais produtiva, e a intenção foi selada com um aperto de mão. O colombiano, contudo, vem criticando o autocrata há tempos, censurando-o por mandar prender os adversários políticos e se recusar a divulgar os resultados da eleição presidencial que alegou ter vencido. Aliás, não só os EUA como vários outros países acreditam que o líder da oposição levou a disputa. A reprovação explícita do colombiano provocou a ira de Maduro, cada vez mais isolado no cenário internacional, até mesmo por antigos aliados como o Brasil, e agora procura meios de atingir aqueles que o censuram.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha declarou, no ano passado, estar monitorando oito conflitos armados na Colômbia; em 20 de janeiro, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, em inglês) anunciou que o número de pessoas forçadas a sair de casa por causa da violência já ultrapassava 18 mil.
Segundo William Villamizar, governador do departamento fronteiriço de Norte de Santander, o número de mortos já passou de 80; a porta-voz oficial, Iris Marín, disse que o episódio é “uma das crises humanitárias mais sérias que Catatumbo já enfrentou, se não a pior”. “A culpa é de apenas algumas pessoas, que devem encerrar as hostilidades imediatamente. Elas têm o poder de acabar com esse sofrimento.”
(Federico Rios e Genevieve Glatsky contribuíram para a reportagem).
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