Qual o futuro da comunidade das nações britânicas após a morte da rainha Elizabeth 2ª?
Conhecido como Commonwealth, grupo é formado, em grande parte, por ex-colônias da Inglaterra espalhadas por todo o mundo
Internacional|Lucas Ferreira, do R7
A morte da rainha Elizabeth 2ª no último dia 8 teve como consequência direta a ascensão do príncipe Charles ao trono do Reino Unido. O falecimento da monarca, porém, acarreta também uma série de dúvidas sobre o folego da realeza britânica para se manter viva e representativa na Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales.
Outro grupo de nações formado por 56 Estados espalhados pela África, América, Ásia e Oceania também viverão sob a tutela parcial do rei Charles 3º, chefe da Commonwealth.
A comunidade de países, em sua maioria ex-colônias britânicas, promove a democracia, os direitos humanos, o livre-comércio, entre outras bandeiras estabelecidas na Declaração de Singapura, emitida em 1971.
Se somadas, as nações da comunidade possuem 2,5 bilhões de habitantes. Entre os países que fazem parte da Commonwealth estão Austrália, Canadá, Índia e Nova Zelândia, por exemplo. Apesar dos quase 100 anos de idade, a organização perde cada vez mais sentido para a maioria dos Estados.
A professora de história da UFT (Universidade Federal do Tocantins) Eça Pereira explicou em entrevista ao R7 que a globalização e as novas relações econômicas entre países tornam a ligação entre colonizador e colonizado menos relevante.
“[As ex-colônias] reivindicam essa autonomia de desenvolver a política externa independentemente do Reino Unido e estabelecerem outros vínculos econômicos”, explica Pereira. “Então, isso tudo, esse processo todo, está muito inserido nas novas relações econômicas colocadas pela globalização.”
O pesquisador e sociólogo da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Gustavo Lacerda acredita que a Commonwealth perde a legitimidade na mesma constância com que a família real britânica vai se tornando apenas “simbólica”.
“Os países pensam em sair da Commonwealth porque não tem mais legitimidade, por simplesmente perder cada vez mais a legitimidade. Isso acontece porque as pessoas não estão mais dispostas a se submeter a um grupo caríssimo que serve basicamente para seguir nas capas de revistas”, conta Lacerda ao R7.
Ainda segundo o sociólogo, a saída da comunidade pode ter um impacto maior para os países pequenos. Segundo a Commonwealth, 32 dos 42 menores países do mundo fazem parte do grupo.
“Para os países pequenos, a saída da Commonwealth, em termos políticos e financeiros, pode ter um impacto maior. Por outro lado, temos que considerar, por exemplo, que as ex-colônias inglesas aqui nas Américas e nas Antilhas estão muito próximas dos Estados Unidos. Então, os acordos comerciais com a Inglaterra cedem lugar para aqueles com os EUA.”
Charles, líder da Commonwealth, mas não chefe de Estado
Entre os mais de 50 países independentes da Commonwealth, existem 14 nações, além do Reino Unido, que têm o monarca britânico como chefe de Estado. Nesse caso, além de ser o líder da comunidade, Charles 3º ainda representa a figura que traz uma suposta legitimidade a determinado território.
Entretanto, para a maioria desses países o Reino Unido e a monarquia britânica não refletem a origem do país ou a cultura daqueles povos. Sendo assim, ter Elizabeth 2ª e agora Charles 3º como chefes de Estado é cada vez mais questionado por esses povos.
William, filho do rei com a princesa Diana, ao visitar Belize, ilha no Caribe, teve compromissos cancelados após um suposto protesto da população local pela presença do príncipe junto da esposa, Kate Middleton. Para Pereira, as diferenças culturais e a vontade de se afastar da família real é a evolução de uma linha de pensamento que surgiu há seis décadas.
“Esse desejo por autonomia tem a ver também com a ascensão após os anos 1960 das críticas pós-coloniais, que é um movimento intelectual que começou a indicar as consequências da colonização tanto para colonizados como para colonizadores.”
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Um dos casos de países que deixaram de ter Elizabeth 2ª como chefe de Estado foi Barbados, em 2021. As cerimônias que marcaram essa transição contaram, inclusive, com a presença de Charles, naquele momento ainda príncipe de Gales.
“A ilha de Barbados declarou independência e Elizabeth 2ª disse ‘sucesso’ e pronto, seguiu adiante”, brinca Lacerda. “Com o fim desse papel altamente simbólico de Elizabeth 2ª, a tendência é que a Commonwealth deixe de existir mesmo. Talvez não em termos de preferência tarifárias, de facilidades de imigração, mas certamente a subordinação política da chefia de Estado à monarquia inglesa”.
“Sobre o futuro [da Commonwealth], a questão agora é que até para a coroa britânica essa postura colonialista tem pegado mal. Eles têm investido em se distanciar desse passado colonial, pelo menos, ou então tentar amenizá-lo no plano do discurso”, conclui Pereira.