Quase 15% dos brasileiros podem pedir cidadania italiana
No Brasil, cuja população é de 208 milhões, 30 milhões têm vínculo com a Itália; embaixador admite dificuldade diante da alta procura
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
Mais de um século após a onda imigratória de italianos para o Brasil, quase 15% da atual população brasileira, de cerca de 208 milhões de pessoas, tem condições de obter cidadania italiana, por causa da origem ou de laços matrimoniais.
No Brasil, moram cerca de 30 milhões de descendentes de italianos, que são potenciais candidatos a adquirirem a cidadania do país europeu. A informação foi dada pelo embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, em entrevista ao R7.
Trata-se de uma população três vezes maior do que a de Portugal. Destes brasileiros, 16 milhões moram em São Paulo.
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Bernardini admite que as representações diplomáticas italianas no Brasil estão com dificuldades em lidar com uma demanda expressiva, impulsionada por esse enorme contingente.
"O fato de ter um potencial de demanda de 30 milhões de pessoas no Brasil que poderiam pedir cidadania italiana certamente põe a embaixada e toda a rede consular sob uma grande pressão", relatou Bernardini.
O embaixador italiano lamenta que a chancelaria enfrente dificuldades para dar conta de uma demanda tão elevada. 'Estamos tomando algumas providências para melhorar o funcionamento das estruturas diplomáticas, porém, é evidente que com números tão altos será muito difícil satisfazer rapidamente as demandas que chegam", disse Bernardini.
Um dos atrativos da dupla cidadania italiana é a possibilidade de livre circulação dentro da União Europeia. Débora Lima Cunha, 28, nascida na cidade de São Paulo, ela adquiriu seu passaporte italiano em 2015 e, graças a isso, pôde se mudar para a Inglaterra há dois meses, para onde foi transferida pela empresa em que trabalha.
Por causa do Brexit, ela conta que não havia outra opção, a não ser aceitar a proposta da empresa, feita em janeiro. Caso contrário, não poderia mais vir. Ela conta que sua ascendência italiana foi determinante para a mudança ser bem-sucedido.
"Pude vir para Londres com meu marido e meus animais de estimação. Posso trabalhar e ter todos os direitos de um cidadão britânico", conta Débora.
O processo para adquirir a dupla cidadania, no entanto, foi longo. Débora e o irmão iniciaram o processo em 2003, 12 anos antes de conseguirem o passaporte italiano.
"O processo não caminhou até que há 5 anos meu primo agilizou todo o processo, se mudou para a Itália para tirar a cidadania mais rápido", conta Débora. "Já tínhamos toda a nossa árvore genealógica e os documentos necessários. Contratamos uma empresa e em um ano tínhamos o passaporte em nossas mãos."
Fila da cidadania tem 112 mil brasileiros
A demora e a falta de informação fazem com que nem todas estes 30 milhões de brasileiros que potencialmente podem ser reconhecidos como italianos pedirão de fato a cidadania. E ainda há a questão dos custos. Só a taxa para o requerimento custa 300 euros (R$ 1.438). Há ainda os custos da documentação para comprovação de ancestralidade e, muitas vezes, é preciso fazer como Débora e contratar empresa especializada para fazer os trâmites legais.
Mesmo assim, a procura é muito alta. Segundo o Istat (Instituto Nacional de Estatística), da Itália, há uma fila de 112 mil brasileiros à espera da obtenção de cidadania italiana. Isso significa que cerca de 460 mil pessoas aguardam no total, já que cada requerimento, em média, engloba quatro pessoas.
Com esta demanda, o número de brasileiros com cidadania italiana está prestes a se tornar o terceiro maior do mundo, entre todas as nacionalidades.
"O Brasil está entre os países com maior potencial de demanda. Com 530.000 cidadãos com cidadania italiana reconhecida, o Brasil é o quarto país com mais cidadãos italianos cadastrados, fora do território italiano. No entanto, com os ritmos de crescimento acelerado de demandas, o Brasil está destinado a superar em breve a Suíça, que ocupa hoje o terceiro lugar, após Argentina e Alemanha", contou o embaixador.
Homens têm mais facilidade
Segundo o professor de Relações Internacionais do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), Vladimir Feijó, especialista em imigração para países da União Europeia, essa procura também ocorre em função de algumas facilidades específicas, como a possibilidade de obtenção de cidadania até a quarta geração descendente de um cidadão italiano, no caso do sexo masculino.
Em relação às mulheres, essa premissa é bem mais restrita. Elas, em tese, podem adquirir a cidadania caso tenham se casado com um cidadão descendente de italianos.
"A legislação facilita mais aqueles que são descendentes de homens nascidos na Itália", explica.
Também podem se tornar cidadãos italianos aqueles que comprovarem residência de no mínimo seis meses no país.
Feijó ressalta que o crescimento da procura está relacionado às dificuldades econômicas pelas quais passa a população brasileira neste momento.
Tal panorama tem impulsionado um maior número de pedidos, já que, segundo ele, a Europa começa a se recuperar da última crise financeira.
Mais brasileiros na Itália
O número de brasileiros que residem na Itália também tem crescido. Em 1991 era de 10.953 pessoas. Em 2011 chegou a 37.567. E em 2016, foi a 45.410.
Essa procura pela Itália, na opinião de Leonardo Freitas, especialista nas áreas de relações governamentais e desenvolvimento de negócios internacionais nos Estados Unidos, tem sido mais uma opção dentro de uma gama de países nesta onda de saída do país que o Brasil tem vivido.
“O aumento da procura de cidadãos brasileiros pelo direito à cidadania italiana nada mais é do que parte desse intenso movimento de emigração que temos visto no Brasil nos últimos anos. Muito devido à crise econômica, política e de segurança que vemos hoje, as pessoas buscam alternativas viáveis para saírem do País rumo a outras localidades onde possam buscar um futuro melhor."
Xenofobia e irregularidades
A Itália tem aberto mais as fronteiras ao imigrante legalizado, ou ao novo cidadão, com o objetivo de rejuvenescer sua população. Dados do relatório "Situação da População Mundial 2016", da ONU (Organização das Nações Unidas), mostram que a Itália tem o maior número percentual de idosos na Europa, 23% dos residentes no país tendo 65 anos de idade ou mais.
Há a suspeita até de que o “boom” nos pedidos tenha estimulado a formação de uma indústria de concessão de cidadania, com falsas informações sobre a residência em cidades locais.
Em fevereiro último, por exemplo, 1.188 brasileiros tiveram a cidadania italiana cancelada, por irregularidades na comprovação de residência no município de Ospedaletto Lodigiano.
Mas, nem mesmo os casos de irregularidades verificados ultimamente, que causaram o cancelamento de muitas concessões de cidadania, servem para modificar essa tendência de alta nas concessões, segundo Feijó.
“Essas ocorrências não impedem que muitas pessoas invistam na obtenção de cidadania, ficando um tempo na Itália, seja procurando um emprego, trabalhando ou realizando um curso e, com isso, cumprindo os requisitos da lei.”
O professor destaca que, por um vínculo cultural e histórico entre Brasil e Itália, a obtenção da cidadania de brasileiros é melhor aceita no país, se comparada com a onda de imigrantes africanos que chegam em embarcações pelo Mediterrâneo e buscam desesperadamente o asilo na Europa.
Tal situação tem realçado um caráter xenófobo de parte da população italiana, o que ocasionou a vitória de uma aliança de extrema-direita nas últimas eleições.
“A queixa maior de parte da população é para a imigração vinda do norte da África e eventualmente de refugiados vindos da Síria. Não temos notícia de perseguições ou agressões a italianos oriundos do Brasil."
Se até agora os brasileiros legalizados no país tendem a se inserir com mais facilidade, aqueles que não são legalmente registrados ficam à mercê da mesma xenofobia. Feijó completa:
“A comunidade ítalo-brasileira é muito bem reconhecida, estes cidadãos até são eleitos para os parlamentos italiano e europeu. Agora, os brasileiros que vão ilegais para trabalhar no mercado paralelo, se enquadram como tantos outros imigrantes que não se inserem bem.”