'Ser ativista na África é estar pronto para morrer a qualquer momento'
Por defender direitos humanos, muitos africanos são obrigados a mudar de país; foi o que aconteceu com o congolês/angolano Dieu Merci Toko
Internacional|Fábio Fleury, do R7
Mesmo após 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, defender os direitos básicos das pessoas ainda é uma atividade de risco em várias partes do mundo, especialmente na África. O ativista se torna automaticamente um alvo, seja do governo, seja de autoridades locais corruptas, grupos rebeldes etc.
"Ser ativista na África é estar pronto para morrer a qualquer momento", afirma o consultor de informática Dieu Merci Toko, que nasceu em Angola e viveu a maior parte da vida na República Democrática do Congo, dois países onde o ativismo é especialmente arriscado.
No caso dele, foi necessário sair de suas terras natais — filho de pai congolês e mãe angolana, ele se vê como cidadão dos dois países, mesmo que isso não seja permitido por lei — e buscar a sobrevivência bem longe.
"Às vezes a pessoa não tem a voz"
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Toko passou a se interessar pelos direitos humanos e sua defesa quando estava na faculdade, no Congo. E conta que, desde que começou a estudar o assunto e pensar sobre o que viu e viveu nos dois países, achou que precisaria sair.
"Os pais quando sabem que o filho defende os direitos humanos só querem fazer o filho sair do país, sabem que não vão conseguir te defender, não tem essa liberdade de expressão. Às vezes a pessoa não tem a voz para falar quando está no país", conta o consultor.
Segundo ele, a pessoa que toma a decisão de defender os direitos, quando não é perseguida diretamente pelo governo — em muitos casos, até desaparecendo sem deixar vestígios —, acaba tento dificuldades até mesmo para viver e trabalhar em paz.
"Ser ativista é não ter emprego, porque você denuncia aquele que poderia te dar emprego, você denuncia o mal que acontece na empresa. Ninguém vai te aceitar na empresa, nem na faculdade. Porque tem professor que é político corrupto, te faz repetir o ano, te faz não conseguir se formar", resume.
Ele aponta violações aos direitos mais básicos dos cidadãos, tanto em Angola quanto no Congo: "Ver o que tá acontecendo no país, a injustiça, os governantes enriquecendo enquanto o povo tá morrendo de fome, faltar até água potável para o povo, é muito duro"
Para o africano, o ativista "é aquela pessoa que fala a verdade onde não se pode falar a verdade. Alguém não aceita ver o país que tem muita riqueza, mas o seu povo sofrendo."
Eleição e liberdade
Morando no Brasil desde 2017, ele afirma que as diferenças entre o que viveu nos dois países e o que viu aqui, especialmente no período eleitoral deste ano, são gritantes.
"As eleições do Brasil pra mim foram uma nova experiência. Na África, o partido que está no poder sempre ganha. Só vai ter mudança se acontecer um golpe de Estado pra colocar outro partido no poder. E aí esse partido vai ganhar sempre", lamenta.
Para Toko, as eleições brasileiras ensinaram a ele como é um processo mais democrático, em diversos aspectos. Para ele, saber o resultado da votação no mesmo dia é uma grande diferença.
"Na África, o resultado demora dias. Qualquer coisa pode acontecer nesse tempo, fraudes principalmente. No Congo, chegaram a usar uma urna eletrônica, mas só o partido do governo teve acesso, a oposição não podia fiscalizar", conta.
Segundo ele, o simples fato de os partidos e candidatos participarem de debates sobre seus programas já mostra um respeito maior à democracia e aos direitos do eleitor do que acontece na África. "Lá não votamos nos programas, votamos apenas nos nomes".